terça-feira, 24 de janeiro de 2017

OS ESCRITORES E A PROMISCUIDADE VIRTUAL (*)

Nos velhos tempos, há cerca de três décadas atrás, os escritores eram admirados e cultuados apenas pelo que publicavam em livros, revistas e jornais. Quando algum leitor gostava muito do que havia lido e queria compartilhar com alguém, dava o livro de presente ou emprestava o seu. O conteúdo mantinha-se preservado, assim como seu autor. Ninguém divulgava um texto de Arthur Rimbaud como sendo de Rilke, ninguém infiltrava parágrafos da Lygia Fagundes Teles num texto do Baudelaire, ninguém criava novos finais para os poemas de Hilda Hilst. O escritor e sua obra eram respeitados, e os leitores podiam confiar no que estavam consumindo. Inventaram o conceito de interatividade e as ferramentas para exercê-la. Por um lado, a sociedade se democratizou, todos passaram a ser ouvidos, diminuiu a distância entre patrões e empregados, produtores e consumidores: as relações ficaram mais funcionais. Mas o uso dessas ferramentas acabou involuindo para a maledicência e a promiscuidade virtual. Hoje ninguém consegue mais ter controle sobre sua imagem ou seu trabalho. Um escritor publica um texto no jornal e três segundos depois o mesmo texto está na internet, atribuído a Debussy, que nem escritor foi. Fofocas se disseminam no Facebook, vídeos íntimos são divulgados no Youtube, fotos de modelos vão parar em catálogos de prostituição e a credibilidade foi para o espaço sideral. Ninguém mais confia totalmente no que vê ou lê e isso pouco importa. Informações são inventadas, adulteradas, inexatas porque, por trás das telas dos computadores, há muita gente querendo ter seu dia de autor, mesmo que autor de algo inverídico. Sinto nostalgia pelo tempo em que éramos seduzidos de frente, não pelas costas, covardemente. Hoje não só engolimos qualquer factóide, qualquer manipulação, como também a produzimos. A invencionice suplantou a Arte. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, biógrafo e redator publicitário. Diretor de Redação da revista Cenário Goiano; foi Superintendente de Comunicação no Governo do Rio de Janeiro. Nove livros publicados

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