quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

ASAS OU OÁSIS?




ASAS OU OÁSIS?

por Eugenio Santana


Guardo esses talismãs
raros, ocultos,
invisíveis, caros.
Não sei se asas
ou oásis.
A inesgotável fonte
do verbo-pássaro
é incomensurável?

Oásis: espaço, bússola, beleza, utopia.
Asas: almalada, aura, tempo, poesia.
As chaves do mistério
dessas raras jóias,
esqueci no mar profundo,
na distância.
joguei fora na embriaguez do tormento;
ficaram perdidas nas asas do esquecimento.

Não há fácil acesso
ao cofre de enigma-estigma.
Simplesmente invento
ao sabor do vento:
um poemazul – inventário de cicatrizes
alada memória do pássaro-poeta...

(*) extraído do meu livro: “Florestrela”
Hórus/9 Editora, Goiânia-GO, 2002

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

PARA SEMPRE JEAN-NICHOLAS ARTHUR RIMBAUD




RIMBAUD está vivo. Rimbaud é um fenômeno literário que não morrerá em nossa memória.
Rimbaud é um marco zero na história da Literatura.
Sua radicalidade, que o levou à renúncia e ao silêncio, merece um tributo especial e uma reflexão permanente.
Os poetas e os escritores do século XX, os surrealistas, os beatniks, os hippies, os jovens rebeldes – todos lhe são devedores.

SULCOS – À direita a aurora de verão desperta as folhas, os vapores, e os rumores deste meandro do parque, e as vertentes da esquerda mantêm em suas sombras violáceas, os mil velozes sulcos da úmida senda. Desfile de encantamentos. De fato: carros carregados de animais de madeira dourada, de mastros e telas pintadas de cores mescladas, no grande galope de vinte cavalos circenses jaspeados, e as crianças e os homens, nos mais surpreendentes animais montados; - vinte veículos, floridos e enfeitados como as carruagens antigas ou de contos, abarrotadas de crianças adornadas para uma pastoral suburbana; - e até mesmo, os ataúdes sob seus noturnos dosséis, erguendo os penachos de ébano, desfilando ao trote de grandes éguas azuis e negras.

Eu teria gostado de mostrar às crianças
Botos de ouro, peixes cantantes, polvos.
Escamas de flores ritmavam minhas danças,
Dos ventos tive asas e momentos de vôos.
Livre,ofegante, cavalgado por neblinas,
Eu que furava o muro dos céus avermelhados,
Que traz o que seria delícia dos poetas
Os liquens do sol e fungos celestiais;
Vi arquipélagos siderais e ilhas
Cujos céus delirantes abriam-se ao sonho.
Nessas noites sem fundo é que dormes e exilas
Milhão de aves de ouro, o futuro vigor?
Mas chega, chorei demais. Auroras não têm graça,
Toda lua é atroz e todo sol amargo;
O amor me encheu de torpores agridoces;
Que minha quilha estoure, que me faça ao mar!

(copydesk/fragment by Eugenio Santana – Escritor, jornalista, ensaísta literário)

sábado, 10 de dezembro de 2011

FAZ DE CONTA...




FAZ DE CONTA que vivemos num país muito lindo e verde, onde todos têm os mesmos direitos, todas as crianças têm lares felizes, todas vão à escola, todas têm a mesma assistência médica e alimentação. Vamos ainda fazer de conta que as cidades onde vivem essas crianças e seus pais são completamente livres de assaltos, assassinatos, acidentes de trânsito, catástrofes naturais, inundações, favelas, tráfico de drogas, políticos corruptos, sujeira, mendigos, gente morrendo nas filas de hospitais públicos, calor intenso em decorrência de abusos ambientais. Que os rios, riachos e córregos que cortam essa cidade são límpidos, cristalinos, prontos a nos matar as muitas sedes.

Vamos fazer de conta que as pessoas de idade são respeitadas e queridas, que sua experiência e sabedoria são apreciadas por todos, que as crianças são ensinadas a não discriminar ninguém, são ensinadas que todos têm o direito de ser o que realmente são e de se expressarem, de se vestirem como quiserem e amar a quem quiserem; que as famílias são unidas por laços verdadeiros e sinceros de afeto, senão não são famílias; que as doenças são curáveis, os frutos da terra são puros e não contaminados e que todos desejamos o bem dos outros. Que a paz reina no mundo, árabes e judeus se dão as mãos como irmãos que na verdade são, por exemplo, e que ninguém é menos amado pela cor de sua pele ou menos aceito por não possuir bens. Aliás, todos teriam os bens que a terra dá, igualmente, e todos dividiriam esses bens.

De qualquer forma, o Natal seria um momento de grande beleza e paz. Com um pouco mais de esforço, poderíamos imaginar Jesus bem bonitinho, no colo de sua mãe, nascendo o tempo todo dentro de cada coração.

(Copydesk/Fragment by Eugenio Santana)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

TEU JARDIM, MÃE




Ínfima asa de memória ardente do poetalado, Mãe
Tão lúcida! E lancinante foi o sofrimento
e a dor inominável - e minhas lágrimas petrificadas...
Recente foi o teu Vôo na Asa inexorável do Tempo.

Partiu na tarde de nuvens cinzentas.
Meu coração? Partido; minha alma? Imolada...
Minha mãe partiu - viajou, etérea; diáfana, translúcida
Momento único em que não se repartiu - e não se fragmentou
A sua morte não repartiu – alçou íntegro e belo Vôo anímico
e cumpriu - bravamente - a sua Missão no "vale de lágrimas".

Afinal, viver é um jardim precário e efêmero.
Mas vejo em teu jardim
a perenidade da madressilva, miosótis, hortênsias,
rosas-vermelhas,samambaias e do jasmim.
Porque é bonito o Eterno.
E porque é lindo o Jardim.

Sim! O dia amanhece por meio da Aurora
inapelavelmente...

E nestas manhãs de outono
os vizinhos passam em frente da casa
e não te acenam mais.

Acenam para o jardim desolado
por hábito, medo da morte, perplexidade.
E pela sagrada Luz do Astro-rei
que ainda estremece
face ao teu (reen)canto.

Ainda assim, mãe
é noite em teu jardim cósmico.
Por mais que amanheça,
por mais que floresça
o meu olhar vaga -
lume...


(Eugenio Santana, jornalista, escritor)


"Para Sempre
Por que Deus permite
que as mães vão se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não se apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho."

(Carlos Drummond de Andrade
- mineiríssimo como eu)