quinta-feira, 29 de outubro de 2020
EXPLORADO OS CHEIROS, A MULHER PASSA AOS SABORES (*)
O primeiro aspecto explorado pela mulher no corpo do homem, o primeiro que ela percebe é o cheiro. O cheiro é determinante. Quase sempre baseada no cheiro ela decide se continua a ver aquele homem ou se o evita. Evita-o porque ele é desagradável, porque lhe dá náuseas. Sente-lhe o cheiro à distância, basta ele estar sentado dá náuseas. Sente-lhe o cheiro à distância, basta ele estar sentado ao lado, no trem, no metrô, no avião, no carro, no restaurante, numa sala ou no elevador. Mais determinante ainda é o hálito do homem, porque se o cheiro pode ser modificado por meio de desodorantes e perfumes, o hálito, não. A mulher, quase institivamente, faz de tudo para senti-lo. Para descobrir, basta aproximar-se. Às vezes, ela o faz de propósito, aproxima-se o mais possível como quando, por exemplo, tenta ajustar-lhe a gravata. Os homens apreciam esse gesto, esse tipo de atenção.
O cheiro do corpo e do hálito são uma condição "sine qua non" para o prosseguimento da relação. Se o cheiro é bom, ela pode continuar. A mulher experiente sabe também intuir, pelo cheiro do corpo e do hálito, o cheiro do sexo. A relação entre corpos e odores é uma ciência cultivada pelos criadores de perfume. A arte de criar perfumes é uma arte erótica. Nasce da profunda consciência da psique feminina e das metamorfoses do odor natural do corpo da mulher misturado ao perfume. O mesmo perfume assume fragrâncias diversas em mulheres diferentes. Os perfumistas são grandes cultores do corpo feminino.
Explorado o cheiro, a mulher passa aos sabores. Esse ato cognitivo necessita de um início erótico, o beijo. No homem, ao contrário, é com o beijo que começa a exploração, porque antes não conseguia perceber o cheiro da mulher, mas apenas seu perfume artificial. Com o beijo, sente seu hálito e, às vezes, uma reação de desagrado. O homem, porém, não dá a essa sensação a mesma importância que a mulher. Se está excitado eroticamente, deixa de sentir o cheiro desagradável. No homem o hálito é apenas um obstáculo, jamais uma barreira.
Para a mulher o sabor da boca é tão determinante quanto o cheiro, ou mais ainda. O beijo é uma maneira de começar a oferecer algo do próprio corpo e de tomar alguma coisa. É um iniciar a beber o corpo do homem. Pelo modo de beijar, a mulher experiente deduz o caráter do homem. Por particularidades insignificantes. Percebe, por exemplo, se no ato sexual é capaz de esperar longamente, de adiar o próprio orgasmo, ou então se tem ejaculação precoce. Se é generoso e capaz de dar-se ou se, ao contrário, é um ladrão de prazer. Num beijo a mulher descobre muitas outras características do homem, como por exemplo se é inteligente e sensível. A maneira como o faz, porém, guarda-a para si, não o diz. Não o dirá jamais, principalmente a quem não compreenderia. É um saber antigo, iniciático, que poderia ser julgado obsceno, que requer cumplicidade, reserva. Uma mulher não falará dessas coisas a uma jovem que jamais tenha estado profundamente apaixonada. Assim como jamais falaria de erotismo com um rapaz. Se quiser transmitir-lhe algum saber, fará amor com ele.
Pelo conhecimento do corpo do homem, uma mulher sabe também avaliar as outras mulheres. Ouvindo uma mulher falar, observando-lhe as mínimas atitudes, sabe se está apaixonada ou não, sabe se aceitou o corpo do seu homem ou não. Sabe se o seu é um verdadeiro e grande amor ou apenas um sentimento de posse, de proteção ou de prevaricação.
A mulher conserva, em todos os instantes de sua relação amorosa, a capacidade de percepção e avaliação. O homem, não; quando está excitado eroticamente, perde ainda o pouco de perspicácia que possui. Fica dominado por uma única emoção e não está mais em condições de dizer se aquela mulher é feia ou bonita, gorda ou magra, se tem seios fartos ou apenas esboçados. As mulheres ficam espantadas e perturbadas quando ouvem dizer que seu homem teve relações com uma mulher que, a seus olhos, é muito feia, até mesmo repulsiva. É que na excitação erótica o homem gosta de tudo, assim como se lhe apresenta. Porém, quando a excitação desaparece, desaparece também a impressão de beleza. Para alguns homens, é exatamente como o despertar de um sonho. Encontram-se ao lado de um corpo estranho, tão diferente do seu, incrivelmente pequeno, ou incrivelmente gordo, e ficam espantados.
A admiração do homem pela mulher bonita vista ocasionalmente é, em geral, efêmera. O olhar erótico é facilmente excitável, mas é também volúvel. Na maioria das vezes os homens não são profundamente atingidos pela particular beleza de uma mulher, não se deixam perturbar por ela. Claro que não poupam elogios, mas porque gosta daquele vestido, o penteado é original, porque a mulher é agradável.
É no desenvolvimento da relação erótica que o homem descobre em sua mulher a perturbação provocada pela beleza. De repente vê, quando não havia visto antes. É uma comoção poética que lhe provoca um grito maravilhado e de reconhecimento. No amor o milagre se repete uma segunda vez, depois uma terceira, depois a cada encontro. Cada vez um detalhe, cada vez a desconcertante experiência da perfeição. Também a mulher sente essa emoção olhando seu homem, mas a experiência do homem é mais violenta. Assemelha-se à maravilha do reconhecimento de uma mãe, que, encantada, olha o filho de dois anos. E, de fato, a beleza da mulher amada sempre se assemelhou, aos olhos do homem, às das crianças, suscita a mesma ternura, até um sentimento de fusão.
O grande erotismo é possível somente entre um único homem e uma única mulher que levam ao extremo o que é específico do próprio sexo e do sexo do outro. Tem-se então a interminável aparição do novo. Aquilo que num capítulo precedente chamamos de "algo mais". A mulher jamais encontraria o algo mais sozinha, mas apenas um êxtase contínuo, cíclico, recorrente. O homem não encontraria nunca o algo mais sozinho, mas apenas o diverso. O algo mais é a revelação do novo no contínuo, no que já é. O novo torna-se então um acréscimo, um enriquecimento. Só o que existe, o que tem duração e continuidade pode aumentar, tornar-se maior. Mas somente o que é descontínuo pode ser confrontado, comparado, recordado. É a união do contínuo com o descontínuo que cria a identidade e, assim, a possibilidade de crescimento, a tensão para o alto, em direção à perfeição.
(*) EUGENIO SANTANA é Escritor, Jornalista, Gestor editorial, Ensaísta, Redator publicitário, Poeta, Blogueiro, Biógrafo, Romancista, Agente literário. 11 livros publicados e 3 no prelo. Autor, entre outros, de "Ventos Fortes, Raízes Profundas", autoajuda, Madras editora. Contato: (62) 9.8154-9077 WhatsApp
segunda-feira, 26 de outubro de 2020
PARA O HOMEM A SEDUÇÃO NUNCA É MOTIVO DE TRIUNFO, MAS DE ENCANTAMENTO (*)
O homem loucamente apaixonado é como o convertido que deixa casa, filhos, tudo pela fé. Ou como o terrorista que mata, mas por razões idealistas. O prazer não possui essa dignidade ética. O erotismo masculino, assim como se apresenta nas fantasias que examinamos, é absolutamente o inverso da ética. Esta impõe que se considere o outro ser humano como fim e jamais como meio. O objeto do desejo erótico masculino, ao contrário, é meio, como o alimento, como a água, como a cama para quem tem sono. Tudo o que serve para satisfazer uma necessidade é meio. Até mesmo a reciprocidade, no erotismo masculino, é egoísta. O prazer da mulher é desejado em vista do próprio prazer.
O homem erótico é possuído por desejos, corre atrás de todas as coisas, como para atingir esse fim. Em linguagem chula, diz-se que cedeu às "fraquezas da carne", que "se deixou levar". É como a vertigem do jogo. De fato, esse erotismo é perigoso como o jogo de azar, como a corrida automobilística, tanto é verdade que mais cedo ou mais tarde, mas inevitavelmente, acontece a catástrofe. O jogador só pára de jogar quando perdeu tudo, quando está arruinado. A inconsistência moral do erotismo emerge violentamente das páginas de Henry Miller.
Há algo nas fantasias eróticas masculinas, que é antagônico ao compromisso, à responsabilidade. As mulheres que representaram o ideal erótico masculino possuíam, como característica comum, o fato de não criar laços e responsabilidades. Marilyn Monroe não é uma heroína romântica. Parece dizer: "Eis-me aqui, simples, ingênua, frágil, excitável. Faça o que quiser. Não lhe peço nada, nem casamento, nem continuidade, nem compromisso, nem dinheiro. Nem percebo suas intenções, sdeu significado sexual". No filme "O pecado mora ao lado", Marilyn oferece-se continuamente, mas não se dá conta disso.
A mulher que encarna a fantasia erótica desresponsabiliza o homem de seu desejo. Não pede ao prazer compensações éticas. "Se lhe agrado", esta é a mensagem, "aqui estou, tome-me. Se quiser ir embora, de mim não terá nem aborrecimentos, nem queixas, nem súplicas, nem chantagens, nem lamentações. Não o terei preso a mim por causa de filhos, mãe, parentes, irmãos. Não preciso do seu dinheiro. Não sou ciumenta, não guardo rancor. E, finalmente, se quiser voltar, aqui estou às suas ordens."
Uma mulher pode resolver jantar com um homem porque ele é importante, pode também casar-se por dinheiro. Nesse caso, coloca entre parêntesis as qualidades negativas em troca de uma vantagem social. Mas quase nunca por uma vantagem erótica. É raro que procure num homem o desempenho sexual e deseje apenas isso. Erica Jong, no livro "Pára-quedas e beijos", tenta comportar-se assim com seus amantes ocasionais, mas não consegue, e o que sente é raiva, ódio. Em geral, a mulher apenas fica excitada eroticamente se a pessoa lhe agrada de modo global. Mas, claro, às vezes pode sentir-se atraída por qualquer qualidade erótica extraordinária. Um célebre estadista francês tinha grande sucesso entre as senhoras de Paris por possui um pênis superdotado. Mas o que atraía aquelas senhoras era muito mais a curiosidade, a competição com as outras mulheres, o fato de ele ser o presidente. Era, assim, uma apreciação ditada pelo social, não algo que a mulher escolhesse por conta própria. Por mais belo, musculoso ou viril que seja o corpo do homem, para a mulher são igualmente eróticos os gritos do público, o delírio do teatro e até mesmo um belíssimo iate.
O erotismo feminino tende a abrir-se para o mundo, a caminhar sob o sol, entre as pessoas. A mulher sonha fazer amor sob o céu estrelado, à beira do mar, na floresta, onde a natureza é mais bela. Fica eroticamente excitada quando caminha de mãos dadas com o seu homem por uma praça, um shopping, ou quando entra numa festa de casamento de braços dados com ele. Também o homem fica excitado se a mulher é bonita, ou quando está apaixonado. Há no homem um componente erótico muito forte que desdenha o externo e valoriza o interno. Nesse erotismo não se espera reconhecimento, triunfo social mas, ao contrário, autonomia.
A finalidade última da conquista masculina, a fantasia que se esconde atrás do jogo, é fazer amor. E quando a corte produz um encontro erótico, essa fantasia torna-se desejo. Conseguir fazer amor é para o homem o ponto de chegada, a conclusão. Se uma mulher aceita a relação erótica, mas lhe recusa a sexualidade, recusa-lhe o essencial. O afeto, a intimidade, as carícias não lhe bastam, não podem bastar-lhe, principalmente se for portador do signo de Áries. No mais profundo da alma masculina, em sua mentalidade está radicada a idéia de que se uma mulher lhe concede a sua sexualidade está lhe concedendo ela própria, inteiramente. Por isso o homem que fez amor com uma mulher diz que a conquistou.
No íntimo, o homem não acredita em sua capacidade de seduzir. A sedução, para ele, é sempre um milagre. Quando acontece, quando a mulher vestida se despe, é porque ela assim o decidiu e ele só pode sentir-se perplexo e feliz. Mesmo o dom-juan mais cínico fica emocionado quando uma mulher desconhecida entrega-se a uma intimidade inimaginável poucos minutos antes. Para o homem, a sedução nunca é motivo de triunfo, mas de encantamento. Jamais causa uma sensação de superioridade, mas de reconhecimento.
A experiência de transformações inesperadas e maravilhosas deixa no homem uma impressão intensa, uma lembrança indelével. Afinal, o dom-juan procura mesmo é essa emoção. Quer renová-la indefinidamente, sentir a cada vez o êxtase do inacreditável. Mas também o homem deseja, no íntimo, suscitar uma emoção irresistível, ser amado, ser desejado totalmente. Também ele busca na mulher uma paixão erótica sem freios. Outro fato paradoxal é que o homem, quando uma mulher se entrega a ele com muita facilidade e de modo volúvel, tem a impressão de que ela o faz por cálculo, ou por um motivo, isto é, que age como uma prostituta. A expressão pejorativa "é uma puta" quer dizer, afinal, que ela finge, que engana, que usa sua sexualidade com objetivos eróticos. Não nos esqueçamos de que, para o macho, o prazer sexual é um fim por si mesmo. A idéia de que é usado com outra finalidade o perturba. A idéia de que a excitação erótica possa ser simulada o inquieta. Porque ele não pode fazer isso, porque nele a ereção é uma prova que não se pode falsificar. Essa dificuldade que o homem tem de compreender se a mulher age por amor ou por interesse suscita nele uma sensação de desconforto.
Para o homem o relacionamento sexual é uma coisa importante, ele tem necessidade absoluta dele. Nenhuma forma de erotismo cutâneo, muscular, cinestésico, nenhum tipo de intimidade amorosa, nenhum carinho tipo maternal é capaz de substituí-lo e diminuir-lhe a urgência. Para o homem, renunciar ao sexo é tão difícil quanto renunciar a comer ou a beber. As dificuldades encontradas pelos ascetas e anacoretas cristãos não provinham da fome ou da sede, mas das fantasias eróticas contínuas, obsessivas. A castidade, mesmo temporária, é muito difícil para o homem, e por esse motivo foi imposta pelo bárbaro meio de castração. A mulher não tem esse tipo de necessidade. Se não encontra o homem que lhe agrada, prefere não ter relações sexuais, até mesmo por meses e anos. As mulheres se casam porque desejam uma relação afetiva duradoura e estável com uma única pessoa, porque querem uma casa, filhos, bens materiais e segurança. Também aos homens essas coisas interessam, mas poucos estariam dispostos a casar-se se não estivessem certos de poder fazer amor. Para o homem, o relacionamento sexual é uma necessidade cotidiana no casamento, na convivência, na vida.
(*) EUGENIO SANTANA é escritor. Ensaísta, Jornalista, Poeta, Biógrafo, Romancista, Redator publicitário, Consultor afetivo; Gestor editorial. 14 Livros publicados, "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora, entre outros. (62) 9.8154-9077 WhatsApp
sábado, 24 de outubro de 2020
A MULHER DESEJA CAUSAR UMA EMOÇÃO ERÓTICA INDELÉVEL EM CADA HOMEM (*)
Nos homens, após o ato sexual, há em geral um decréscimo de interesse pela mulher. É um fenômeno que tem muitas gradações, muitas nuances. Está apenas esboçado no homem apaixonado que abraça com força a amada, como se não quisesse mais separar-se dela. Atinge seu ponto máximo no relacionamento com a prostituta porque, neste caso, o desejo desaparece imediatamente, e o homem gostaria de já se ver vestido, fora do quarto, fora do hotel, fora do motel, bem longe. A mulher interpreta esse comportamento como rejeição, desinteresse. Sente-se tratada como um alimento delicioso que provoca grande desejo antes de ser saboreado, mas que depois, quando já se está saciado, torna-se enjoativo. Só que ela não é um alimento, é uma pessoa. O homem, antes, a cortejava, mimava, desejava. Não queria sentir seu desejo, admirava sua inteligência. Queria conversar com ela, conhecer sua história, participar de sua vida, fazer projetos. Depois do orgasmo - ou de um certo número de orgasmos -, é como se ela desaparecesse como pessoa, restando apenas um corpo rejeitado. O desejo da mulher de permanecer ao lado do homem depois do orgasmo (ou orgasmos) é muito mais forte quando ela está apaixonada. Contudo, existe sempre, desde que aquele homem lhe agrade. Isso porque o orgasmo da mulher é mais prolongado, mas, acima de tudo, porque ela sente a necessidade de ser desejada, de agradar de modo contínuo, duradouro. Simone de Beauvoir escreveu páginas cáusticas sobre a necessidade da mulher de ter a seu lado, fisicamente, o homem amado. "A essência", escreve ela, "é sempre uma tortura... mesmo sentado a seu lado, enquanto lê ou escreve, ele a abandona, a trai. Ela odeia seu sono". Simone de Beauvoir e as feministas explicam esse comportamento com o fato de que a mulher é obrigada, pela sua condição social, à passividade. Somente o homem é ativo. Ela procura, então, através do amor, englobar a atividade do homem para poder estar em seu mundo. Procura a fusão com ele para sair de sua maneira de ser incompleta. Quando ele parte, quando a deixa, sente-se perdida, porque sem ele não é nada. Mas esse estado de coisas - seundo Beauvoir - está destinado a desaparecer, quando também a mulher tiver conquistado sua autonomia e sua atividade. Então, mesmo que o homem esteja longe, não se sentirá mais vazia. A mulher quer sentir a presença física de seu homem, sentir as mãos dele sobre sua pele, a força doce e acolhedora de seu abraço, seu cheiro, a mistura dos cheiros que se torna perfume. Quer ouvir sua voz profunda a chamá-la. Quer sentir a aspereza de seus pêlos, o peso de seu corpo, a força delicada de sua mão, o leve contato de entendimento entre seus dedos, o furtivo tocar-se que renova a declaração de amor de maneira, infinitamente melhor que quaisquer palavras. Tudo isso acontece sob o registro da continuidade. Continuidade de ternura, carícias, palavras, penetração, sussurro. Imenso mar em que as sensações se sucedem como ondas, transformando-se umas nas outras. Continuidade nas metamorfoses. Continuidade dos corpos, das peles, dos músculos, dos odores, olores, dos passos, das sombras ao crepúsculo, dos rostos. Continuidade do desejo, da atenção, da excitação, da ternura, da paixão, do cuidado. E, a seguir, desejo de estar junto, de conviver, de participar das mesmas experiências, de ver as mesmas coisas, a mesma lua, as mesmas nuvens, o mesmo mar, de respirar o mesmo ar, de ter a mesma vida. Nas publicações lidas principalmente pelas mulheres, ao lado dos romances cor-de-rosa e das seções de moda e beleza, estão as histórias dos artistas. Os homens não se interessam pela vida privada dos astros, não participam de seus casos de amor. A eles interessa o ator, o cantor, o seu desempenho como tal, mas não o que ele é na vida particular, terminado o espetáculo, em casa com a mulher ou com suas amantes. À mulher, ao contrário, é exatamente isso o que interessa. O fanatismo ou o culto pelos artistas é, portanto, um fenômeno feminino. Ele é o produto, por um lado, do espetáculo, por outro, dos jornais e TVs que falam da vida pessoal do ator ou do cantor. O astro é o objeto escolhido da fofoca, da intriga coletiva. Não há nada semelhante no mundo masculino. O rapaz pode adorar uma cantora, pode até se sentir excitado eroticamente por ela, desejá-la. Mas dificilmente perde a cabeça a ponto de desvalorizar todas as outras mulheres. A mulher fanatizada pelo artista, ao contrário, vê na sua frente apenas ele, e os homens comuns parecem-lhe totalmente sem qualidades, insignificantes. O mesmo acontece com relação a personagens dotadas de poder, particularmente os líderes carismáticos. O homem adora o líder, mas seu amor é totalmente deserotizado. Na mulher, ao contrário, o relacionamento com o líder torna-se facilmente erótico. Em todos os movimentos coletivos, antigos e modernos, ao redor do líder existiu uma corte de mulheres sexualmente disponíveis. A mulher é atraída pelo homem capaz de proporcionar emoções violentas, amor apaixonado. É atraída pelo homem capaz de sentir e de querer, pelo homem que se atira numa aventura amorosa com decisão, com coragem. Esse desejo é o corrrespondente exato da fantasia de sedução. A mulher deseja causar uma emoção erótica indelével em cada homem. A mulher, portanto, aceita o corpo do homem pouco a pouco, gradualmente, através do amor. O homem amado, então, não é mais o animal predador que penetrou em seu corpo, que se satisfez, que dorme saciado. É como um menino que se entregou ao sono como se entregou ao amor, por efeito do seu amor. Não é mais a vítima, mas a caçadora. Sente o orgulho de Diana que lançou sua flecha e agora olha sua vítima inerte, e sente-se recompensada. Então adormece ao lado daquele corpo relaxado, inocente, que deve proteger. O corpo do homem amado não está mais separado. Ela está deitada, reclinada em seus braços e aspira seu hálito. Seu hálito é como o ar, indispensável. Seus odores se fundem, constituem um único olor, um único perfume. Sente o perfume penetrar pelas narinas certa de estar em paz com a vida. Tocá-lo é, então, o mesmo que tocar uma zona maravilhosa, quieta. É a certeza do contínuo, do permanente. Da eternidade.
(*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, gestor editorial, biógrafo, redator publicitário, ensaísta, poeta e romancista. Autor de 14 livros publicados e 18 prêmios literários de projeção nacional. (62) 9.8154-9077 WhatsApp
sábado, 10 de outubro de 2020
VI TODAS AS ENERGIAS TELÚRICAS E INSONDÁVEIS DA NATUREZA (*)
O INTENSO SENTIMENTO DO MEU CORAÇÃO PELA NATUREZA, sentimento que tanto me deliciava, transformando em paraíso o mundo à minha volta, tornou-se para mim um tormento intolerável, um espírito que me tortura e persegue por toda parte. Outrora, do alto de um rochedo, contemplando os vales férteis, desde o riacho até as colinas ao longe, eu via em torno de mim tudo germinado e brotando: quando eu olhava essas montanhas cobertas, da base ao cume, de árvores altas e frondosas, e os vales sinuosos sombreados de bosques deliciosos, o riacho que desliza suavemente entre os canaviais murmurantes, refletindo as nuvens que a suave brisa da tarde faz flutuar no céu; depois, quando eu ouvia os pássaros animar com os seus cantos a floresta inteira, e a infinidade de enxame de mosquitos dançando alegremente no último raio do sol, cujo olhar de adeus, rápido como um relâmpago, libertava da prisão, entre as ervas, um escaravelho que zumbia; quando os ruídos e o movimento confuso em torno despertavam a minha atenção para o musgo que extrai o seu alimento da pedra dura, para a giesta que cresce na encosta arenosa da colina, e tudo isso me revelava a vida interior ardente e sagrada da natureza - e como tudo isso invadia o meu coração ardente! Era como se eu, de algum modo, me tornasse um Deus pela plenitude de emoção que transbordava de mim, e as magníficas imagens do mundo infinito, agitando-se em minha alma, enchendo-na de uma vida nova. Via-me cercado de montanhas gigantescas; abismos surgiam diante de mim, de onde despencavam as torrentes formadas pelas chuvas das tempestades. Embaixo, os rios rolavam suas ondas impetuosas, as florestas e as montanhas estremeciam. Eu via todas as energias telúricas e insondáveis agirem umas sobre as outras, e juntas se fecundarem nas profundezas da terra; e então espécies de seres eu via pulular entre o céu e a terra. Tudo se povoava de milhares de formas diferentes, e os homens se reuniam nas cabanas; depois, construíam suas casas definitivas, passando a reinar sobre o mundo inteiro. Pobres infelizes! Pensam que todas as coisas são pequenas porque eles próprios são assim? Desde as montanhas inacessíveis, para além do deserto em que nenhum ser humano pisou, até a extremidade do oceano desconhecido, sopra o espírito daquele que cria, incessantemente, e rejubila-se a cada átomo de pó vivificado graças à sua palavra! Ah! Quantas vezes, então, ardentemente desejei deixar-me arrebatar, nas asas do grou que passava por mim, rumo às margens desse mar que homem nenhum conseguiu medir, para beber, na taça espumante do infinito, a vida embriagadora que enche o coração, para sentir, um só momento, fraco e limitado como sou, correr em mim uma gota da glória do Ser que produz todas as coisas em si e por si! Irmão, só a lembrança daquele momento basta para me fazer feliz! O próprio esforço feito para exprimir e reviver em mim essas sensações inenarráveis faz com que minha alma a si mesma se supere, mas a seguir obriga-me a sentir duplamente o horror da minha situação atual. É como se um véu que se tivesse rasgado diante de minha alma e o espetáculo da vida infinita se transformasse em um túmulo eternamente escancarado diante de mim. Você pode afirmar "é isso!", quando tudo passa, rola e desaparece como um clarão; quando a energia de um ser dura tão pouco; quando, ai de mim, absorvido pela corrente, esse mesmo que não devore a você e aos seus; não há um só instante em que você não seja, não tenha de ser um destruidor. Seu passeio mais inocente custa a vida a centenas de pobres vermezinhos. Com uma passada, arruína os edifícios penosamente erigidos pelas formigas, e empurra um pequeno mundo, as inundações que arrasam as nossas aldeias, os tremores da terra que engolem as nossas cidades, nada disso me comove; o que me dilacera o coração é esta força destruidora oculta em toda a natureza, esta força que nada cria senão para destruir-se e, ao mesmo tempo, destruir o que a cerca. E é assim que caminho, vacilante e o coração oprimido, entre o céu e a terra com as suas forças sempre ativas, e nada mais vejo senão um monstro sempre esfomeado e devorador.
(*) EUGENIO SANTANA é escritor. Jornalista, Gestor editorial, Agente literário, Redator publicitário, Copidesque, Biógrafo. Autor de 14 livros publicados. Mora há 3 anos em Curitiba, PR. Email: es.escritor1199@gmail.com / (62) 9.8154-9077 e fixo do Coworking (41) 3606-6057
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