domingo, 29 de abril de 2018

SABEDORIA: CAPACIDADE DE SABOREAR O MUNDO (*)

Conheço muitos testes de inteligência. Não conheço nenhum teste de sabedoria. É fundamental saber a diferença entre essas duas, inteligência e sabedoria, frequentemente confundidas. A inteligência é a nossa capacidade de conhecer e dominar o mundo. Ela tem a ver com o poder. A sabedoria é o êxtase de saborear o mundo. Ela tem a ver com a felicidade. As escolas se dedicam a desenvolver e avaliar a inteligência. Para isso desenvolveram testes. Os testes avaliam a inteligência dos alunos por meio de números. Mas elas nada sabem sobre a sabedoria, e nem elaboram testes para avaliá-la. Nas escolas e universidades, muitos idiotas são aprovados. A inteligência é muito importante. Ela nos dá os “meios para viver”. Mas somente a sabedoria é capaz de nos dar “razões para viver”. Muitas pessoas se suicidam porque, tendo todos os “meios para viver”, não tinham as “razões para viver”. Proponho-lhe um teste de sabedoria. Ele é muito simples. O seu aniversário está chegando. Você já não é mais jovem. O espelho lhe revela coisas que você não gostaria de saber. Diante de sua imagem no espelho existe sempre o perigo de que uma magia perversa aconteça, e você seja repentinamente transformado em bruxa ou ogro – tal como aconteceu com a madrasta de Branca de Neve. Em desespero, você invoca os deuses. Eles vêm em seu auxílio e lhe dizem que atenderão a um desejo seu, a um único desejo. Que súplica você lhes faria? Digo-lhe que essa seria a hora da pureza de coração, quando todos os supérfluos têm de ser deixados de lado. “Pureza de coração” – assim disse Kierkegaard, meu querido filósofo solitário, companheiro já morto; por vezes os mortos são companhia melhor que os vivos, porque falam menos e ouvem mais – pureza de coração, ele disse, “é desejar uma só coisa”. Digo que isso é sabedoria, mas pode parecer mais coisa de neurótico obsessivo, ficar querendo uma coisa só, o tempo todo. Você entenderá o que digo se você prestar atenção no voo dos pássaros. E, para ajudá-lo nesse dever de casa, transcrevo o que Camus pensou, ao observá-los. “Se durante o dia o voo dos pássaros parece sempre sem destino, à noite, dir-se-ia reencontrar sempre uma finalidade. Voam para alguma coisa. Assim talvez, na noite da vida...” O texto termina assim, com essas reticências que, segundo Mario Quintana, são o caminho que o pensamento deve continuar a seguir. Assim é o coração. Há momentos na vida em que ele é como o voo dos pássaros durante o dia: oscila em todas as direções, sem saber direito o que quer, ao sabor das dez mil coisas que o fascinam, tão desejáveis, cada uma delas uma taça de êxtase supremo. Chega um momento, entretanto, em que é necessário escolher uma direção – é preciso descobrir aquela palavra, aquela única palavra que dá nome ao nosso sofrimento, que nomeia a nossa nostalgia, para que saibamos para onde ir. Há um ditado que diz que a melhor comida é angu com fome. Que adianta o bufê servido com dez mil pratos se o corpo não deseja nenhum? Mas se existe a fome, feijão com arroz é uma alegria incontida. Felizes os que têm fome... Os poetas rezam sempre. Rezam porque a poesia é coisa que se escreve diante do vazio, mínima refeição de palavras para matar uma fome que não pode ser matada: A fome de viver. Os poetas sabem que é inútil que se comprem todas as coisas. Diferentemente daqueles que rezam para que Deus lhes encha a barriga, eles rezam para que nunca deixem de ter fome. Porque, se deixarem de ter fome, eles deixarão de ser poetas. Nada mais triste que um corpo sem desejo. Disso sabem muito bem os que amam. Vejam essa terrível oração de T.S. Eliot: “Salva-me, ó Deus, da dor do amor não correspondido, e da dor muito maior do amor correspondido”. (*) EUGENIO SANTANA é escritor e jornalista. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), da Associação Uruguaianense de Escritores e Editores e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana11.11@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

sábado, 28 de abril de 2018

"ORAPRONÓBIS" - DECLARAÇÃO DE AMOR À PARACATU, MG (*)

“Ser Mineiro é não dizer o que faz, nem o que vai fazer, é falar pouco e escutar muito, é ser diferente, é ter marca registrada, é ter história. Ser Mineiro é ter simplicidade e pureza, coragem e bravura, fidalguia e elegância. Ser Mineiro é ver o nascer do Sol e o brilhar da Lua, é ouvir o canto dos pássaros e o mugir do gado, é sentir o despertar do tempo e o amanhecer da vida. É cultivar as letras e as artes; é ser poeta e literato.” Surpreendentes são estes guardados raros, oriundos das asas da memória privilegiada deste autor de vasta cultura geral, o brilhante intelectual – eternamente jovem octogenário – professor Oswaldo Costa. Mesclando realidade e ficção – algo inédito e singular na literatura brasileira – o escritor constrói e estrutura um calidoscópio de personagens que sustentam a trama com instigante leveza. Intercalam-se, simultaneamente, romance, memória, ensaio e história. Ressaltamos tratar-se de um rico painel de mineiridade: usos e costumes, folclore; religiosidade e originalidade da linguagem regionalista, típica das décadas de 30, 40, 50 e 60 e a riqueza de detalhes da opulenta culinária mineira. A propósito, considero oportuno e providencial o lançamento de Orapronóbis que me fez lembrar, com imensa ternura, do livro “Grande Sertão: Veredas”, do incomparável Guimarães Rosa, publicado em abril de 1956, completando, portanto, meio século da primeira edição! Acredito, sinceramente, que dificilmente a histórica “prisioneira das distâncias” tenha sido lembrada e homenageada, com inefável carinho, da forma especial como está retratada em Orapronóbis. Ao abrirmos a “caixa preta” das 384 páginas mágicas de Orapronóbis teremos ecos e ressonâncias impressionantes, agradáveis surpresas, descobertas e revelações de alta voltagem literária, filosófica, histórica e sentimental que resgata e testemunha um tempo de bem-aventuranças... Quanto a mim, empreendi uma insólita viagem nas asas do tempo e mergulhei fundo nas águas do meu chão de infância – e metade da adolescência – ricamente vivenciados em Orapronóbis. Fiz minha autoterapia de vida passada e viajei – mineiro-menino – e ouvi muitas vozes de antanho: “caçando passarinho” nos brejos de buritis, pescando traíras nas verdes veredas de águas cristalinas, chupando – até o caroço – as mangas dulcíssimas do enorme quintal e as gabirobas e araticuns nos largos campos e cerrados da “Lagoa Torta”, fazenda de quatrocentos alqueires, que pertenceu à minha altruística e heróica tia-avó Bertholina Josefina de Sant’Anna que, posteriormente, legou – via generosa herança – aos meus pais Fabião Couto (em memória) e Adília Santana, que por lá permaneceram e laboraram entre 1972/80, até retornarem em definitivo para Goiás, especificamente para Anápolis, urbe na qual, coincidentemente, o dileto autor e prestigiado conterrâneo radicou-se em 1955. Constatei, perplexo, que a famigerada “Coluna Prestes” usava de métodos nada ortodoxos, utilizando-se, quando necessário, de extrema violência para cumprir seus “objetivos comunistas”, tendo espalhado o terror em sua efêmera e desastrosa passagem por Paracatu, deixando marcas profundas e traumáticas na índole e na alma pacífica e acolhedora dos paracatuenses. E para minha surpresa maior, fiquei sabendo que o Toco do Pecado – cantado em verso e prosa – instalado frente à Igreja Matriz de Santo Antônio – verdadeiro tribunal de notícias, jornal verbal ou cultura oral? (sic) – já existia desde a década de 40. Incrível! Meu tio – o mais loquaz e verborrágico - Francisco de Assis Santana, participava ativamente das “rodadas de negociações” e batia “seu ponto”, com inegável assiduidade, no banco da fofoca, por volta de 1960/1980. A simples menção das fazendas tocaram-me a alma, a mente e o coração. Algumas conheci e usufrui; outras só mesmo através do comentário de parentes fazendeiros. Ei-las: Santa Maria, Vera Cruz, Bom Sucesso, Alegria, Mundo Novo, Chapada, Água Fria, Aldeia de Cima, Poções, Quebra-Eixo, Palmital e a inesquecível Lagoa Torta... Nostálgicas saudades! Não tenho dúvida em relação ao êxtase cósmico experimentado pelas almas-alada de alguns personagens – fictícios ou não – tais como: Sô Homero (alter ego do coronel Chico Pinheiro), Tia Teca, o genial professor Josino Neiva, Emídio (o farmacêutico), o romântico, corajoso e habilidoso vaqueiro Urias (que lembra, de certa forma, o meu pai), Nora, Nezinho (que fim trágico!), Tim Jordão, Zabé, Lázaro, Vicente, Otílio, Zé da Anta (meu vovô Zé Santana), Chico Cabaú que muito alegrou a minha infância no bairro Bela Vista; bem como o Padre Joca – que nasceu em Pirenópolis: cidade goiana que me faz recordar a nossa Paracatu do príncipe -, aonde quer que se encontrem: orai, por nós! Contritos e genuflexos e sob a Luz do Altíssimo, todos eles te agradecem, ilustre escritor Oswaldo Costa, pelo legado desta sua magnífica obra! E qual é a missão do escritor, meu caro professor Oswaldo? Respondo com o verbo emprestado da notável Lygia Fagundes Teles: “a função do escritor? Ser testemunha do seu tempo e da sua sociedade. Escrever por aqueles que não podem escrever. Falar por aqueles que muitas vezes esperam ouvir da nossa boca a palavra que gostaria de dizer. Comunicar-se com o próximo e se possível, mesmo por meio de soluções ambíguas, ajudá-lo no seu sofrimento e na sua esperança”. Que as bibliotecas brasileiras, especialmente mineiras, goianas, gaúchas e cariocas providenciem – com a máxima brevidade – a inserção de um exemplar deste valioso livro, catalogando-o em todas as Estantes de seus respectivos acervos. Ora pro nobis, Paracatu! Assim seja! (*) EUGENIO SANTANA é escritor e jornalista. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), da Associação Uruguaianense de Escritores e Editores e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana11.11@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

sexta-feira, 27 de abril de 2018

A OBRA-PRIMA DE CADA UM (*)

Toda escultura nasceu de uma matéria bruta, até ter sua essência revelada. O que é um ser humano, senão matéria bruta a ser esculpida? Passamos a vida tentando nos livrar dos excessos que escondem o que temos de mais bonito. Fico me perguntando quem seria nosso escultor. Um grupo vai reivindicar que é DEUS, mas por mais que ELE ande com a reputação em alta, discordo. Tampouco creio que seja pai e mãe (ambos já se foram, vale salientar), apesar da bela mãozinha que eles dão ao escultor principal; o tempo, é óbvio. Pai e mãe começam o trabalho, mas é o tempo que nos esculpe, e ele não tem pressa alguma em terminar o serviço, até porque sabe que todo ser humano é uma sinfonia inacabada. Levamos décadas até chegarmos a um rascunho bem-acabado de nós mesmos, que é o máximo que podemos almejar. Quando jovens, temos a arrogância e a prepotência de achar que sabemos muito, e, no entanto, é justamente esse “muito” que precisa ser desbastado pelo tempo até que se chegue no cerne, na parte mais central da nossa identidade, naquilo que fundamentalmente nos caracteriza. Amadurecer é passar por esse refinamento, deixando para trás o que for gordura, o que for pastoso, o que for desnecessário, tudo aquilo que pesa e aprisiona, a matéria inútil que impede a visão do essencial, que camufla a nossa verdade. O que o tempo garimpa em nós? O verdadeiro sentido da nossa vida. O tempo, escultor de todos nós, age da mesma forma: de uma hora para a outra, dá seu trabalho por encerrado. Mas enquanto ele ainda está a nosso serviço, que o ajudemos na missão de deixar de lado os nossos excessos de vaidade, de narcisismo, de futilidade. Que finalmente possamos expor o que há de mais precioso em você, em mim, em qualquer pessoa: nosso afeto e generosidade. Essa é a obra-prima de cada um, extraída em meio ao entulho que nos cerca. (*) EUGENIO SANTANA é escritor e jornalista. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), da Associação Uruguaianense de Escritores e Editores e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana11.11@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

quinta-feira, 26 de abril de 2018

O AMOR ABRE NOSSOS OLHOS CEGOS PARA A BELEZA (*)

O Amor é o poder que dentro de nós aceita e valoriza o outro ser humano tal como ele é, que aceita a pessoa que ali está, verdadeiramente, e não a transforma no ser idealizado pela nossa projeção. O amor nos faz respeitar a pessoa como um todo. O amor permite ao homem ver o valor intrínseco na mulher, e por isso mesmo o amor o leva a honrá-la e a servi-la, ao invés de usá-la para os interesses de seu ego. Quando tem o amor por guia, ele se preocupa com as necessidades dela e com seu bem-estar, não se fixando em seus próprios desejos e caprichos. O amor altera nosso senso de importância. Pelo amor vemos que nós e os outros temos o mesmo valor como indivíduos diante o cosmo; torna-se tão importante para nós que um ser se complete, que viva plenamente, que encontre a alegria na vida, quanto nos é importante suprir nossas próprias necessidades. No mundo do inconsciente, o amor é uma das grandes forças psicológicas que têm o poder de transformar o ego, de despertá-lo para a existência de algo fora dele mesmo, fora de seus planos, de seu império, fora de sua habitual segurança. O amor liga o ego não somente ao resto da raça humana, como também à alma e a todos os deuses do mundo interior. O amor é, por sua própria natureza, o oposto do egocentrismo. Usamos a palavra amor de maneira muito vaga, nós a usamos para dar dignidade às formas de conseguir poder, atenção, segurança e aceitação por parte de outras pessoas. Quando, porém, nos preocupamos com as “necessidades” criadas por nós, com os nossos desejos, sonhos, com o poder que exercemos sobre as pessoas, isto não é amor. O amor é algo totalmente distinto dos desejos do ego e de seus jogos de poder. Ele leva a outra direção, ou seja, em direção à bondade, ao respeito, às necessidades das pessoas que nos cercam. Em sua própria essência, o amor é uma “apreciação”, um reconhecimento do valor do outro. Ele leva o homem a honrar a mulher, ao invés de usá-la, faz com que ele se pergunte sobre a melhor forma de servi-la. E se a mulher estiver ligada a ele pelos laços do amor, terá essa mesma atitude com relação a ele. A natureza arquetípica do amor talvez jamais tenha sido melhor descrita que nas palavras simples da carta de São Paulo, aos Coríntios: O amor é paciente, é bom; o amor não inveja; o amor não se vangloria e não se envaidece... O amor não procura seus próprios interesses, não se irrita, não folga com a injustiça... Suporta todas as coisas, resiste a todas as coisas. As profecias falharão, as línguas se calarão, a ciência desaparecerá. Mas o amor jamais há de falhar. (*) EUGENIO SANTANA é escritor e jornalista. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), da Associação Uruguaianense de Escritores e Editores e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana11.11@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

segunda-feira, 23 de abril de 2018

A SOLIDÃO DE SER DIFERENTE (*)

Parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxuleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis. Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, esta é a que mais amo: “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você”. Pare. Leia de novo. E pense. E reflita. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim. Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas! Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões de saúde, incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em sintonia com a Natureza. Elas não veem as árvores, nem as flores, nem as nuvens, nem sentem a asa do vento acariciar o rosto. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo diálogo prolixo e vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um subterfúgio para evitar o contato com nós mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que “o inferno são os outros”. Eis o que Nietzsche escreveu sobre a solidão: “Ó solidão! Solidão, meu lar!... tua voz – ela me fala com ternura e felicidade! Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas. Pois onde quer que estas, ali as coisas são abertas e luminosas. E ate mesmo as horas caminham com pés saltitantes. Ali as palavras e os tempos, poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim falar”. Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: “As obras de arte são de uma solidão infinita”. E na solidão que elas são geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo pela primeira vez e se transformou em poeta. O primeiro filosofo que li, o dinamarquês Soeren Kierkegaard, um solitário que me faz companhia ate hoje, observou que o inicio da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria pele. Foi quando eu, menino do interior de uma cidadezinha de Minas Gerais, me mudei para o Rio de Janeiro que conheci as dificuldades. Comparei-me com eles: cariocas, perspicazes, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca convidei nenhum deles a ir onde eu morava: no apartamento do meu tio, na rua Senador Vergueiro, no bairro do Flamengo. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. Nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a musica clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão... Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. (*) EUGENIO SANTANA é escritor e jornalista. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), da Associação Uruguaianense de Escritores e Editores e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana11.11@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

domingo, 15 de abril de 2018

ESCOLHAS (*)

Inquestionavelmente, você passará, e mais de uma vez no decorrer de sua vida, por dúvidas cruciais concernente aos caminhos a percorrer em busca da idealizada felicidade. São situações únicas nas quais escolhas precisam ser feitas, decisões devem ser tomadas e a protelação apenas alimenta e aumenta a angústia, a ansiedade, a frustração e a insatisfação. Nestas ocasiões, é comum declarar não saber o que se quer. Decerto, os primeiros questionamentos são com relação ao sentido da própria vida, levando ao entendimento de que se trata de uma “crise existencial”, na qual imperam o vazio e o caos. O fato é que este é um momento singular para grande reflexão pessoal a fim de identificar, reconhecer e enfrentar esta crise. É hora de questionar valores, encontrar novas referências, compreender transformações, acolher mudanças ou promover rupturas. Você controla seus pensamentos, amadurece suas emoções e decide sair da zona de conforto, abandonando o comodismo e o conformismo, buscando soluções para seus problemas em lugar de culpados. Por se tratar de um processo, não é algo que será resolvido em um único final de semana. Por isso, é importante ter paciência e dar tempo ao tempo. Interprete esta fase como um período de aprendizado que poderá levar você ao crescimento, à evolução e à superação. Lembre-se de formular muitas perguntas – e buscar respostas para a maioria delas. E embora as tais respostas devam vir de você mesmo, convém consultar terceiros, porém com parcimônia, pois respostas desencontradas podem mais desorientar do que ajudar. Saber o que não quer, também é um grande progresso. Assim é o estudante diante da escolha de qual carreira seguir, que embora frente a múltiplas possibilidades, tem ao menos a convicção de que selecionar Administração exclui Medicina, uma inclinação ao Direito enfraquece a opção por Engenharia, e vice-versa. O profissional em transição de carreira pode ter dúvidas entre pedir demissão e procurar outra empresa, tornar-se consultor, abrir um empreendimento próprio, fazer um concurso público ou mesmo tirar um período sabático para reflexão. Mas será um grande avanço saber que não pretende continuar em seu atual emprego, visto que desestimulado seja pela falta de desafios, oportunidades, reconhecimento ou clima organizacional agradável. Analogamente, um relacionamento conjugal desgastado, arrasta-se e sucumbe de tal forma que a separação não decorre porque se deseja ficar só ou buscar a companhia de outra pessoa, mas apenas porque não se deseja continuar ao lado de quem está hoje. Nossa vida, nos dias atuais, tornou-se alienante, diante de sua rapidez e senso constante de urgência. Deixamos de valorizar o que temos para projetar o que não temos, com base nas imposições da sociedade e no ideal de status. O que realmente vale a pena é aquilo que nos traz serenidade, harmonia e paz no coração. Que nos permite sorrir de forma autêntica e compartilhar da convivência das pessoas que apreciamos. Que nos possibilita recostar a cabeça no travesseiro no final do dia e dormir o sono leve, acolhedor e reconfortante de quem fez o melhor e se prepara para um novo e promissor amanhecer. (*) EUGENIO SANTANA é escritor e jornalista. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), da Associação Uruguaianense de Escritores e Editores e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores, Florianópolis-SC. email: autoreugeniosantana11.11@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

quinta-feira, 12 de abril de 2018

O NAVIO DO TEMPO (*)

Um dia é feito de tantos fragmentos, pedaços sujos de estrelas, papéis mofados e carcomidos; crepúsculos e auroras, caminhos que levam a nada. Um dia é feito de portas que se abrem para o limo das palavras: uma lua de papel habita essa terra desabitada. Nas encruzilhadas cavalos dormem um sono cheio de signos e suas crinas trançadas com o lusco-fusco das estradas. As amáveis pessoas que conheci à margem da vida e que me escaparam das mãos de maneira ou de outra como um pássaro escapa, como um sopro escapa de dentro dos ossos voltem, me enlacem e me envolvam e me ajudem a suportar o peso quieto das palavras e o rumor invisível das águias. Por que se perderam de mim essas doces pessoas? Tragam de volta seus rostos como frutas de seda numa bandeja, como borboletas noturnas, lilases. Assim, farejo minhas raízes de frente para o passado nos meus olhos. Antepassados navegam em veleiros espantados. Suas histórias se enredam como flores no concreto, ritos e amores o chão lavado para os momentos sagrados. Um arco de violino toca sete notas nas asas do vento. Fecho os olhos submerso em seus cânticos lamentáveis. O encanto se desmancha. Estou só com o meu destino. Carrego breve a minha cruz. E um retrato entrecortado roído nas bordas pelos ratos que dormem nos porões da memória. Pelos ratos que acordam quando o navio do tempo faz água. Um corte, um hiato, o tempo se contrai e se dilata: quem era eu nesse retrato, quem eram todos aqueles que a vida engoliu? (*) Por EUGENIO SANTANA, FRC - Escritor, jornalista, editor, ensaísta, romancista, redator publicitário. Da Academia de Letras de Uruguaiana/RS e sócio da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. Autor de nove livros publicados

ESSE É O DESTINO DA VIDA HUMANA? (*)

Não viemos ao planeta para nos desenvolver... Viemos à vida tentando ser felizes. Porque a vida é curta e está passando. E nenhum bem vale tanto quanto a vida. Isto é elementar. Existem 7 bilhões de pessoas vivendo no mundo. No ano 2050, haverá 9 bilhões; uma em cada cinco pessoas (1,4 bilhão) vive com 1,25 dólar por dia ou menos; um bilhão e meio de pessoas não têm acesso à eletricidade; dois bilhões e meio de pessoas não têm banheiro; quase 1 bilhão de pessoas passa fome todos os dias; as emissões de gases do efeito estufa continuam aumentando, e mais de um terço de todas as espécies conhecidas pode entrar em extinção. E a gente se faz esta pergunta: esse é o destino da vida humana? Estas coisas que digo são muito elementares: o desenvolvimento não pode ser contra a felicidade. Tem que ser a favor da felicidade humana, do amor sobre a Terra, das relações humanas, do cuidado com os filhos, de ter amigos, de ter o básico. (Jornalista/Escritor EUGENIO SANTANA)