quarta-feira, 31 de março de 2021

ANALOGIA ENTRE AS PANDEMIAS: GRIPE ESPANHOLA E A COVID-19 (*)

O ano de 2020 iniciou-se longe da ideia de que haveria uma pandemia. Esta que se espalhou rapidamente pelo mundo e trouxe dúvidas, incertezas, caos e mortes. Quando outras epidemias e pandemias se espalharam pelo mundo as pessoas estavam em situações similares. É o caso da grande gripe espanhola, também conhecida como a gripe de 1918. A chamada gripe espanhola que recebeu esse nome porque acreditava-se que o vírus teria surgido na Espanha, dizimou de 50 a 100 milhões de pessoas. Foi chamada também de “bailarina”, porque dançava e se disseminava em grandes escalas. Foi cunhada principalmente por gripe espanhola pelo fato de que a Espanha se manteve neutra durante a Primeira Guerra Mundial, permitindo que a imprensa divulgasse a respeito da peste. Acredita-se que uma das formas da disseminação do vírus tenha sido intensificada pelos soldados que retornavam das trincheiras. Espalhou-se das estações ferroviárias ao centro das cidades, depois aos subúrbios e ao campo. O livro “A Bailarina da Morte” escrito pela historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz e Heloisa Starling, traz aspectos inéditos e marcantes da gripe espanhola. Entretanto, a abordagem vai além do que foi a gripe espanhola no mundo e no Brasil. As escritoras explicam também que tanto com a gripe espanhola quanto a covid-19, a primeira reação a uma doença pública é a negação. “Toda doença conta uma história. Toda doença contagiosa é também um evento social. No começo, a peste é quase sempre recepcionada com grandes doses de negação.” Um dos aspectos que as autoras chamam atenção do leitor no livro é a respeito das dúvidas e das incertezas que as grandes pandemias geraram nos cidadãos. Dessa forma, muitas pessoas se viam cercadas de incerteza por se tratar de uma doença desconhecida e sem muitas informações sobre o contágio.. Segundo as autoras explicam, quando a gripe espanhola se instalou no Brasil houve um colapso. O vírus invadiu o país, atingindo principalmente as áreas urbanas. Assim como a atual pandemia, faltava médicos preparados, insumos e macas para tratar os doentes. A segunda onda da gripe espanhola também foi a mais letal. A situação se agrava tanto que começava a surgir nas capas de jornais estrangeiros como a gripe espanhola estava assolando o Brasil. As mortes no país chegaram a 35 mil. O livro “Contágio” do escritor norte-americano David Quammen que foi lançado em 2012 é uma obra que traz questões aprofundadas de como infecções que começam no reino animal e migram para os seres humanos. Mesmo tendo sido lançado anos atrás, "Contágio" ganhou novas edições atualmente. Apesar das obras de Albert Camus “A peste” e a de Gabriel Gárcia Márquez” Amores no tempo do cólera” se tratarem de romances, ambas também tratam de pandemias que marcaram a humanidade. Os livros trazem a importância da ciência no enfrentamento de pandemias. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, agente literário, biógrafo, copidesque, revisor de texto e gestor editorial. Autor de 14 livros publicados: "Hóspede da Terra, Passageiro do Mundo", "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora, entre outros. (41) 9.9909-8795 WhatsApp - email: es.escritor1199@gmail.com

sexta-feira, 26 de março de 2021

AMOR. TEMPO. MORTE: É COMPLEXO DEIXAR UM ENIGMA DAQUILO QUE SOMOS (*)

Sentado em um velho tamborete de madeira, cercado por mosquitos ávidos pelo calor úmido que sai do bafo dos convalescentes, observo o universo ao meu redor. Não posso ser indiferente ao que vejo, ao mesmo tempo que não devo agir com intromissão. Não me cabe fazer perguntas indiscretas, investigar um passado cheio de reentrâncias capazes de trazer ao presente lembranças, saudades e principalmente dores. A sensação de cansaço que o tempo nos faz carregar quando ficamos velhos, nos dá a impressão que podemos tudo esconder, visto que esquecer é privilégio de alguns que se vêem atacados pela demência. Não é tão fácil deixar oculto aquilo que somos, principalmente quando pomos nossa alma nas paredes, em exibição. Quando se fala em velhice é difícil dissociar esta fase, da busca pela aproximação de um ser supremo que possa trazer alento às mais terríveis dores. Na cultura cristã ocidental a presença da imagem de Deus, seja ele representado por Jesus Cristo, Maria ou qualquer santo, é algo comum na vida cotidiana das pessoas. O catolicismo e o protestantismo se mostram de forma marcante, mesmo que o indivíduo sequer frequente igrejas ou argumente que não segue religião. Na pequena área de entrada de uma casa pobre, encontra-se em seu leito de dor, dona Joana. Nas paredes amarelas, mal rebocadas, vejo um deus que é três, representado por um homem mais velho, outro mais moço e uma criança, encimados por uma pomba que irradia luz. Na segunda parede que compõe o cubículo, adornadas em madeira, leio frases bíblicas contendo o nome de Deus escrito nela. Na terceira parede está Maria, representando a face feminina de Deus. Na quarta parede está Santo Onofre, um eremita que enquanto vivo, teve comportamento semelhante ao de um deus. O que pode estar por trás desta marcante presença que se mostra com diferentes faces? O que busca o homem quando exibe em suas paredes, o mais próximo possível de seus olhos, os símbolos de uma divindade? Busca a luz irradiada pela pomba; a sabedoria das palavras entalhadas na madeira; a proteção cúmplice da bondade da deusa mãe; o exemplo dado por alguém que buscou viver de uma maneira harmoniosa. Compositor de destinos, como diz o poeta, o tempo é senhor absoluto na vida de todos nós. Deitada em sua cama, com as pernas mirradas pelo desuso, dona Dolores aguarda sem ânsia ele passar. Ao seu lado, pendurado na parede, giram sem parar os ponteiros de um relógio antigo, com armação de madeira que resiste aos desgastes que seu dono, o tempo, o faz sofrer. A mulher já velha, cercada de silêncio, ouve o vento soprar nas árvores de uma tarde quente. Acompanhando o som do vento, o pulsar imutável do ponteiro dos segundos não deixa esquecer que o fim está cada vez mais próximo, como uma bomba relógio prestes a chegar em seu momento final. Quantas preces foram feitas aquele deus invisível (que se mostra opressor como tantos outros deuses) durante toda uma vida em busca de melhores dias! Podia ele trazer algo de bom se apenas esperássemos suas dádivas, ou teríamos que desafiar seus ponteiros e correr atrás de coisas melhores? Mas e se ao final, depois desta disputa, percebêssemos que ele nos venceu, tornando-nos seus escravos? Ele sempre vence no final, como um deus imbatível, nos tira o prazer dos pequenos e bons momentos de diversão que deixam de existir quando trocamos o convívio da família pelo dinheiro proporcionado pelo trabalho. Ele nos vence quando estampa em nossa cara as rugas e seus ares de cansaço, marcando como se marca um boi com brasa, para mostrar quem manda nesta difícil relação de poder. Parado na parede ele não para de correr. Corre contra cada um de nós, embora julgamos que corre junto conosco, na busca pela escrita de um destino. Pode ser Paris , um desejo que provavelmente jamais será alcançado. Pode ser uma foto antiga de um sábado se sol na praia com as crianças, que desejamos que aconteça novamente. Pode ser uma simples flor ou paisagem pintadas em óleo sobre tela, representando a beleza. Afinal, esta e o desejo andam de mãos dadas. Sentado em frente ao computador o autor escreve um texto. Acima de sua cabeça, sobre a parede branca, em quadros brancos repousam retratos em branco e preto contando histórias e mostrando rostos. Há o registro de um dia de uma infância vivida na década de oitenta, a ingenuidade, a pureza que só crianças possuem em seus semblantes assustados em poses para a foto. Há um mosaico contendo sete pessoas diferentes, cada uma ocupando um espaço de grande importância na vida de quem o montou. Há um registro de um dia de sol, em um fevereiro qualquer, quando se viu o mar pela primeira vez. Inesquecível lembrança que nem precisava ser emoldurada, dada a grandiosidade do ocorrido. Há o registro de um dia qualquer , sentando em frente a faculdade, onde viveu grandes momentos felizes de sua vida. Há o registro de seu próprio rosto, repetido diversas vezes, em outras duas fotos. O que elas querem dizer? Talvez representem o desejo de ser lembrado, jamais ser esquecido por si próprio. Assim como há também o desejo de voltar aos dias de infância com sua ingenuidade e memórias de um tempo de amor. Há o desejo de não esquecer a importância de ver o mar pela primeira vez. Há o desejo de olhar para as sete pessoas mais importantes de sua vida. E por fim, há o desejo de imaginar coisas e lugares que ainda podemos ter ou visitar, seja a beleza de uma flor em um quadro ou a Torre Eifel em Paris, que pode tornar-se possível. O que as paredes dizem sobre você? Talvez cada pessoa sequer perceba aquilo que busca, mas inconscientemente traz para o externo, e pendura em suas paredes, aquilo que mais almeja e cultiva. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, agente literário, biógrafo, copidesque, revisor de texto e gestor em RH. Autor de 14 livros publicados: "Hóspede da Terra, Passageiro do Mundo", "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora, entre outros. (41) 9.9909-8795 WhatsApp - email: es.escritor1199@gmail.com

segunda-feira, 8 de março de 2021

EU SUBESTIMEI AS PAREDES DA ALMA EM OUTROS CORPOS, OUTRAS VOZES... (*)

A cilada maior é acreditarmos que as armadilhas estão sempre fora de nós, num mundo que temos por cruel e desumano. Ora, por muito que nos custe, nós somos também esse mundo. E as armadilhas que pensávamos exteriores residem profundamente dentro de nós. Quebrar as armadilhas do mundo é, antes de mais, quebrar o mundo de armadilhas em que se converteu o nosso próprio olhar. Precisamos de passar um programa antivírus pelo nosso hardware mental. Escolhi falar dessas ratoeiras interiores que nos convertem em nômades deambulando entre ecos e sombras. Uma das primeiras armadilhas interiores é aquilo que chamamos de “realidade”. Falo, é claro, da ideia de realidade que atua como a grande fiscalizadora do nosso pensamento. O maior desafio é sermos capazes de não ficar aprisionados nesse recinto que uns chamam de “razão”, outros de “bom-senso”. A realidade é uma construção social e é, frequentemente, demasiado real para ser verdadeira. Quando Ho Chi Minh saiu da prisão e lhe perguntaram como conseguiu escrever versos tão cheios de ternura numa prisão tão desumana ele respondeu: “Eu desvalorizei as paredes”. Essa lição se converteu num lema da minha conduta. Ho Chi Minh ensinou a si próprio a ler para além dos muros da prisão. Ensinar a ler é sempre ensinar a transpor o imediato. É ensinar a escolher entre sentidos visíveis e invisíveis. É ensinar a pensar no sentido original da palavra “pensar” que significava “curar” ou “tratar” um ferimento. Temos de repensar o mundo no sentido terapêutico de o salvar de doenças de que padece. Uma das prescrições médicas é mantermos a habilidade da transcendência, recusando ficar pelo que é imediatamente perceptível. Isso implica a aplicação de um medicamento chamado inquietação crítica. Significa permitir que a luz da literatura entre na casa do pensamento. A mais perigosa armadilha é aquela que possui a aparência de uma ferramenta de emancipação. Uma dessas ciladas é a ideia de que nós, seres humanos, possuímos uma identidade essencial: somos o que somos porque estamos geneticamente programados. Ser-se mulher, homem, branco, negro, velho ou criança, ser-se doente ou infeliz, tudo isso surge como condição inscrita no DNA. Essas categorias parecem provir apenas da Natureza. A nossa existência resultaria, assim, apenas de uma leitura de um código de bases e núcleos improváveis. Esta biologização da identidade é uma capciosa armadilha. Simone de Beauvoir disse: a verdadeira natureza humana é não ter natureza nenhuma. Com isso ela combatia a ideia estereotipada da identidade. Aquilo que somos não é o simples cumprir de um destino programado nos cromossomas, mas a realização de um ser que se constrói em trocas com os outros e com a realidade envolvente. A imensa felicidade que a escrita me deu foi a de poder viajar por entre categorias existenciais. Na realidade, de pouco vale a leitura se ela não nos fizer transitar de vidas. De pouco vale escrever ou ler se não nos deixarmos dissolver por outras identidades e não reacordarmos em outros corpos, outras vozes. A questão não é apenas do domínio de técnicas de decifração do alfabeto. Trata-se, sim, de possuirmos instrumentos para sermos felizes. E o segredo é estar disponível para que outras lógicas nos habitem, é visitarmos e sermos visitados por outras sensibilidades. É fácil sermos tolerantes com os que são diferentes. É um pouco mais difícil sermos solidários com os outros. Difícil é sermos outros, difícil mesmo é sermos os outros. Uma terceira armadilha é pensar que a sabedoria tem residência exclusiva no universo da escrita. É olhar a oralidade como um sinal de menoridade. Com alguma condescendência, é usual pensar a oralidade como patrimônio tradicional que deve ser preservado. O culto de uma sabedoria livresca pode contrariar o propósito da cultura e do livro que é o da descoberta da alteridade. Falamos em ler e pensamos apenas nos livros, nos textos escritos. O senso comum diz que lemos apenas palavras. Mas a ideia de leitura aplica-se a um vasto uni/verso. Nós lemos emoções nos rostos, lemos os sinais climáticos nas nuvens, lemos o chão, lemos o Mundo, lemos a Vida. Tudo pode ser página. Depende apenas da intenção de descoberta do nosso olhar. Queixamo-nos de que as pessoas não lêem livros. Mas o deficit de leitura é muito mais geral. Não sabemos ler o mundo, não lemos os outros. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, agente literário, biógrafo, copidesque, revisor de texto e gestor em RH. Autor de 14 livros publicados: "Hóspede da Terra, Passageiro do Mundo", "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora, entre outros. (41) 9.9909-8795 WhatsApp - email: es.escritor1199@gmail.com

sábado, 6 de março de 2021

O QUE SIGNIFICA SER ESCRITOR? (*)

Além de refletirem sobre a literatura e seus processos, inúmeros autores se debruçam sobre a própria existência, questionando o que significa, afinal, ser escritor. Trata-se de um tema bastante subjetivo que gera respostas muito diferentes, algumas mesmo diametralmente opostas. Alguns se posicionam do lado de Pessoa, quando afirmou que "o poeta é um fingidor". Para eles, escrever é ficcionar mundos, inventar ou reinventar emoções e, por isso mesmo, pode ser visto como uma forma de mentir. Sem dúvida que um dos temas favoritos de muitos autores é o próprio ato da escrita. Por vezes, é encarado como um refúgio, um escape, uma forma de fugir do mundo ou, pelo menos, de lidar com ele. Outras vezes, é visto como um desajuste do sujeito perante a realidade comum. Aborrecido ou decepcionado com aquilo que o rodeia, o escritor sente a necessidade de inventar novas vidas e experiências através da literatura. Embora seja um trabalho laborioso, e não raramente sofrido, o ofício da escrita nem sempre é recompensado com dinheiro, fama ou poder. Mesmo assim, através das palavras, alguns escritores conseguem vencer a própria morte, se eternizando em suas obras. O escritor tem uma incapacidade congénita para contar a verdade e é por isso que escreve ficção. O escritor é uma das criaturas mais neuróticas que existem: ele não sabe viver ao vivo, ele vive através de reflexos, espelhos, imagens, palavras. O não-real, o não-palpável. Para outros autores, aquele que escreve é dotado de uma maneira singular de ver o mundo, que precisa exprimir através das letras. Ser escritor é, assim, um meio de dar a conhecer a sua imaginação, de apresentar outras realidades possíveis ao leitor. Esta visão contraria a imagem do escritor como um sujeito "maldito", condenado à prisão da criação literária. Pelo contrário, trata-se de alguém "iluminado", que enxerga através de uma lente poética capaz de transformar tudo ao seu redor. Escritor: não somente uma certa maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira. Ainda sobre o poder transformador das palavras, vale a pena lembrar que alguns escritores também encaram a literatura como uma responsabilidade. Acreditam que escrever deve ser sinônimo de inovar, de intervir na vida pública e social, de quebrar paradigmas. Deste modo, o escritor é considerado alguém que "vê mais adiante", e que por isso choca, tentando sempre dizer aquilo que não pode, ou não deve, ser dito. A criação literária lida diretamente com as emoções humanas, procurando retratar as mais diversas facetas da nossa experiência. Muitos autores acreditam que para escrever é necessário conhecer o sofrimento de perto, ter passado vários tipos de obstáculos e estar disposto a mostrar a sua dor. Tudo que você precisa fazer é se sentar em frente de seu computador e sangrar. Nenhum escritor é bom a não ser que tenha sofrido. Outro aspecto que sublinham é que a escrita é um trabalho contínuo, permanente, onde sempre devemos estar aprendendo, mudando e nos aprimorando. Para isso, é necessário ler bastante e continuar praticando: escrever muito para escrever cada vez melhor. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, agente literário, biógrafo, copidesque, revisor de texto e gestor editorial. Autor de 14 livros publicados: "Hóspede da Terra, Passageiro do Mundo", "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora, entre outros. (41) 9.9909-8795 WhatsApp - email: es.escritor1199@gmail.com

quarta-feira, 3 de março de 2021

QUEM TERIA CORAGEM DE DIZER HOJE: EU SOU FELIZ! (*)

Disse Albert Camus: "A felicidade, é ao final, uma atividade original hoje em dia." O livro "O mito de Sísifo", causou estranhamento com sua última parte. Sísifo feliz, era o escândalo de Camus. Feliz-vivo, feliz-morto, feliz-por-voltar-a-vida, feliz-quando-vê-a-pedra-rolar. Cada livro se presta a mil leituras, no caso de "O mito de Sísifo" essa proposta sofreu uma redução considerável. Na bipolaridade da guerra fria, na frança pós-guerra, ou se estava do lado do capital, ou do lado da revolução. A obra posterior de Camus também sofreu um processo redutivo de análise, sempre lido a luz do capital ou da revolução (veja as críticas dirigidas ao "O homem revoltado"). Quase na mesma época do lançamento de "O mito de Sísifo", Walter Benjamin escrevia nas "teses sobre a história" acerca da revolução que se orienta para a tristeza dos antepassados e que por revolta contra essa tristeza quer se efetivar, e a revolução que se orienta para a felicidade dos descendentes livres. Quase 100 anos antes de Benjamin e de Camus, esta mesma proposta foi feita por o Walt Whitman. Na introdução de "Folhas de Relva" o autor fala que a América recebe uma herança de um descendente robusto que virá. A proposta é então: não se oriente pelo passado de tristeza, mas sim pelo futuro de alegria. Mas em todos estes autores este futuro de alegria já pode ser acessado agora: na "agoridade" do presente. Neste momento cheio e robusto que agora se apresenta a nós. Mas como se é construída a tristeza e a felicidade? Não é um demônio externo a nós que nos faz tristes ou felizes, nem nós mesmos fora do mundo. Pense: acordar-trabalho-almoço-trabalho-casa-dormir-acordar-... Todo dia, todo ano, por uma vida. É esta base material que nos torna tristes. É não tornar-se cheio no agora se orientando para uma felicidade futura, e que se acessa agora. Mas e aquela história? Acordar-trabalho-almoço-trabalho-casa-dormir-acordar-... Sim, é revoltante, sim, deve-se mudar essa rotina que esvazia, mas, sim, há felicidade agora. A revolução é pautada na mudança das bases materiais de exploração e contradição. Mas a própria revolução tem suas próprias bases materiais. Esta base material é toda-a-exploração-do-mundo e a felicidade-potência dos agentes da revolução. Esta revolução não tem nenhuma base metafísica. A dor, a exploração, é sentida no corpo, nas mil sensações diárias do trabalhador. A felicidade também, sentida no corpo, nas mil sensações do trabalhador. Mas o revolucionário, mesmo sentindo toda a infelicidade, é um amante, amante feliz da vida que virá e que ele, agora, experimenta. É claro que esta felicidade é custosa. É preciso muita energia para sustentá-la, porque ninguém diz hoje de forma inocente, sou feliz. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, agente literário, biógrafo, copidesque, revisor de texto e gestor editorial. Autor de 14 livros publicados: "Hóspede da Terra, Passageiro do Mundo", "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora, entre outros. (41) 9.9909-8795 WhatsApp - email: es.escritor1199@gmail.com

A EQUIVOCADA APOSTA EM RECEITAS PRONTAS AMOROSAS (*)

Qualquer relação emocional tem seu funcionamento baseado em contratos e acordos, quer sejam eles explícitos ou implícitos. Acontece que a maioria desses acordos e contratos são idealizados apenas dentro da nossa cabeça. Em geral, queremos a companhia, o acolhimento e a devoção do outro e estabelecemos um formato para que a convivência se encaixe perfeitamente em nossas expectativas. Por alguma misteriosa razão, esquecemos de informar ao outro sobre nossas expectativas. Ao contrário, acenamos com promessas de afeto e completude, porque cremos que se o outro acreditar que encontrará em nós seus sonhos de realização emocional, também se disporá a realizar os nossos sonhos. Estabelece-se então, um pacto perfeitamente delineado para aplacar a necessidade que temos de preencher nossos infinitos vazios. Celebramos um pacto unilateral, velado. Mantemos em segredo nossas reais ambições e ficamos torcendo para que o outro as adivinhe. Tratamos nossa vida como se fosse uma mesa de jogo; apostamos em receitas prontas, em saídas milagrosas para nossa solidão. Trocamos nossa individualidade por companhia casual. Investimos em relacionamentos supostamente estáveis, sonhando permanecermos livres. E, assim que percebemos que ninguém é capaz de adivinhar nossos desejos, ficamos magoados, tristes, rancorosos. E, culpamos o outro pela nossa infelicidade. O que queremos afinal? Será que alguns de nós sabe essa resposta? Pra sermos sinceros, poderíamos começar revelando nossas sombras, nossas verdadeiras intenções. Por alguns dias isso bastaria. Bastaria para atrairmos à nossa mesa, jogadores cujas cartas fossem suficientes para aturar nossos blefes. Jogo legalizado, limpo, honesto. Depois de alguns dias, pode ser que resolvêssemos trocar as cartas, mudar o jogo, trocar as regras. Mas, a essa altura, nosso parceiro de mesa já estaria mais familiarizado com a nossa loucura funcional; caberia a ele continuar no jogo ou se levantar e partir para outra. Ahhh, mas a nossa sinceridade não suportaria tanta honestidade. Além disso, nossos objetivos são transitórios, efêmeros, fugazes. Queremos uma viagem libertadora, qual uma expedição à Antártica, mas não abrimos mão de uma equipe de apoio que nos socorra, caso mudemos de ideia e passemos a a ansiar por camas quentes, banhos mornos e segurança. Nossa natureza é narcisista, nossos planos não incluem o sucesso alheio, nossas projeções revelam nosso caráter individualista. Queremos sempre o que ainda não temos. Até pode ser que exista uma esperança para o nosso futuro. Mas, antes de embarcarmos na próxima fantasia, quem sabe não arranjemos coragem para mostrar nossa verdadeira cara. Quem sabe não sejamos capazes de abrir mão do conforto da aceitação e revelemos na íntegra quem somos nas entrelinhas. Se alguém se arriscar a se aventurar conosco, será porque terá visto em nós algo que vale a pena, ainda que não seja perfeito ou ideal. Aquele que olhar para nossa real essência e, ainda assim, for capaz de nos desejar, será digno de nós. Digno de visitar nossa confusão, de ser bem-vindo à nossa solidão, para fazer parte, mergulhar conosco e encontrar a paz onde, no fim das contas mora a nossa verdade. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, agente literário, biógrafo, copidesque, revisor de texto e gestor editorial. Autor de 14 livros publicados: "Hóspede da Terra, Passageiro do Mundo", "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora, entre outros. (41) 9.9909-8795 WhatsApp - email: es.escritor1199@gmail.com

MEMÓRIAS DE ADRIANO

Mais uma vez, não é nada disso: Marguerite Yourcenar é capaz de apreender delicada e cuidadosamente a mente daquele que lhe desperta profunda admiração. O uso atento, preciso e fluido das palavras é acompanhado de um forte compromisso com os fatos históricos, que a escritora não desrespeita em momento algum. “Memórias de Adriano” não é uma simulação, como se a escritora se vestisse de imperador romano e o interpretasse como em um teatro. Ela lhe rouba a voz na pré-condição de devolvê-lo à vida novamente. Não por acaso essa foi a mais bem sucedida obra do gênero na história da literatura. (Writer And Journalist Eugenio Santana, FRC)

terça-feira, 2 de março de 2021

SOMOS TODOS TRAIDORES...

Permita-me perguntar: você já foi traído de alguma forma? Não poucos de nós já foram traídos. Só os amigos nos traem; os inimigos nos decepcionam. Só as pessoas a quem nos doamos muito podem nos ferir tanto. E você, já traiu? Talvez fiquemos inibidos em responder. Mas, sinceramente, todos nós já traímos! E, o que é pior, traímos aquilo que é mais relevante para ter uma mente livre e uma emoção saudável. Traímos nosso sono, nossos finais de semana, nossas férias, nosso relaxamento. Traímos o tempo precioso que poderíamos gastar conosco, fazendo uma higiene mental, reciclando nossas falsas verdades, nutrindo-nos com prazer de viver. Somos todos traidores. (Escritor/Jornalista/Ensaísta EUGENIO SANTANA - IMAGEM E PALAVRA )