domingo, 24 de maio de 2020
A PANDEMIA DOS IMBECIS: O QUE A CONECTIVIDADE TEM A VER COM ISTO? (*)
Einstein nos alerta sobre duas coisas que são infinitas: o universo e a estupidez humana. Em épocas de defesas ferrenhas às próprias opiniões, ninguém se assume ignorante. Inevitavelmente, a pessoa mesmo frente a evidências do contrário daquilo que ela acredita não se diz burro e ainda nega aquela afirmação. Por isso, não à toa, encontramos pessoas em nossos círculos sociais com acesso à informação, instruídas e viajadas colocando opiniões que fogem completamente da lógica e bom senso. Esse comportamento é, na verdade, um fenômeno social, que torna justificável o fato de cérebros sadios e dotados de recursos fazerem escolhas tão... burras.
“No âmbito clínico, a burrice é a pior doença, por ser incurável”, esta é a conclusão dos estudos do psicólogo italiano Luigi Anolli, um dos especialistas que tentam entender melhor como esse “bloqueio” nos afeta fisiologicamente. Evidentemente, a burrice hoje é um fato indiscutível. O crescimento da anticiência, posturas fanáticas, pensamentos fascistas e até mesmo religiões que prometem milagres nos fazem compreender que há um contexto muito mais denso dessa realidade. A partir dessa percepção, entendemos que a burrice se tornou uma epidemia e afeta toda a espécie humana com danos reais à espécie. Por seu aspecto risível, a burrice foi sempre subestimada, porém hoje se mostra como uma ameaça, principalmente no âmbito político em que decisões tomadas têm rumos irreversíveis. Como entender que há pessoas inteligentes que, vez por outra, têm pensamentos burros? E o mais importante, é possível reverter isso? A definição de Aristóteles que homem é um ser racional, com a capacidade de examinar diversas variáveis e chegar a conclusões importantes e elaboradas, que guiou pensamentos do Iluminismo e Descartes, parece estar em desuso por posturas negacionistas e completamente fechadas em si.
Para ajudar neste embate, o historiador e economista Carlo Cipolla, já citado anteriormente, listou cinco “leis fundamentais da burrice” e destaca o aspecto contagioso deste mal. Isso explica como populações inteiras (a exemplo da Alemanha nazista ou na Itália fascista) são facilmente condicionadas a objetivos insanos. Como exemplo, podemos tomar o caso de não muito tempo, em que após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sugestionar que a ingestão de desinfetantes poderia matar o vírus COVID-19, o centro de controle de envenenamento de Nova York recebeu 30 chamadas relacionadas aos produtos nas 18 horas seguintes à declaração.
Outro ponto fundamental, segundo Carlo Cipolla, é que o burro é a pessoa mais perigosa que existe. Grandes pensadores também concordam com isso, como o caso de Ruy Barbosa que atesta a periculosidade da burrice ao afirmar que “A chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta; e somente esta: a Ignorância! Ela é a mãe da servilidade e da miséria”. Goethe diz que “não há nada mais terrível que a Ignorância” e de fato o mundo nos mostra (e será ainda mais incisivo em afirmar isso à humanidade) que nossas ações individuais têm impacto direto em tudo e em todos.
A psicologia tem um termo para explicar essa dissonância cognitiva que transforma a máquina mais incrível da natureza em pura estupidez. Nomeada de “Avareza cognitiva”, esta teoria surgiu em 1984 pelos psicólogos Susan Fiske e Shelley e hoje representa o modelo predominante de cognição social. A teoria afirma que o processamento de informação por parte do nosso cérebro está sujeito a determinados limites para tratar simultaneamente as diversas variáveis do ambiente. O cérebro seleciona uma pequena parcela destes estímulos que podem ser atendidos e desconsidera a imensa maioria dos elementos presentes. Além disso, trata de forma bastante superficial a informação, favorecendo a utilização de atalhos mentais durante as operações de processamento para “autocompletar” as percepções. Ou seja, nosso cérebro é naturalmente preguiçoso e fará de tudo para poupar energia e chegar as mais fáceis conclusões. Se juntarmos essa característica do cérebro junto com nossa sociedade organizada em “links”, em cliques, essa geração que tudo se resolve com um botão, uma pílula etc. em que temos uma noção supérflua de tudo, porém aprofundada de nada, podemos concluir que estamos atrofiando nosso cérebro ao invés de exercitá-lo.
Para comprovar essa teoria, um estudo de Leonid Rozenblit e Frank Keil, psicólogos da universidade americana de Yale, aponta como as pessoas acreditam que realmente sabem mais do que realmente sabem sobre tudo. Neste experimento, eles convidaram as pessoas a explicar detalhadamente algo que acreditam saber como funciona. O estudo identificou o fenômeno batizado de “ilusão da profundidade de explicação”, em que mostrou que quando as pessoas são forçadas a explicar, elas se viam obrigadas a reconhecer que conheciam muito menos um assunto do que acreditavam. Esses são os pequenos atalhos mentais para disfarçar de nós mesmos a dimensão da nossa ignorância.
Outra pesquisa, do professor Philip Fernbach, da Universidade do Colorado, tentou uma abordagem mais próxima da nossa realidade para explicar como isso acontece nas pessoas. O estudo foi feito com americanos na internet sobre assuntos polêmicos, como sanções ao Irã, reforma do sistema de saúde e soluções para reduzir o aquecimento global. Dois grupos foram separados, em que no primeiro as pessoas foram convidadas apenas a expor sua visão sobre determinado tema, já o segundo grupo tinha algo a mais para fazer: precisavam explicar passo a passo – do começo ao fim – o caminho pelo qual a política que defendiam produziria o resultado que desejavam. Os resultados mostraram que as pessoas do primeiro grupo mantiveram suas posições inalteradas. Já os que precisaram explicar em detalhes suas visões, acabaram adotando posturas menos radicais. A Avareza Cognitiva nos condiciona a não obter profundidade em nossos argumentos.
O homem vive em sociedade. Portanto o fator social é como se fosse o organismo condutor da pandemia da burrice, sendo um ponto fundamental. A sociedade nos contamina e tratá-la não é simples. Neste aspecto, é interessante a interpretação do tempo em que vivemos feita pelo sociólogo coreano Byung-chul Han, em seu ensaio Sociedade do Cansaço. Ele defende que nossos dias são marcados pelo excesso de positividade. Isso nos torna exaustos demais para agir e nos coloca como “empreendedores de nós mesmos”, criando uma “sociedade do desempenho”. Nela, o status quo faz você acreditar que é capaz (como o slogan da campanha presidencial de Barack Obama em 2008: “Yes, we can” - “Sim, nós podemos”). Ao contrário da sociedade de nossos pais, chamada de “Sociedade Disciplinar” (que era regida pelo o medo e negatividade), a Sociedade do desempenho tem a positividade como pano de fundo, que, segundo o autor, gera pessoas depressivas e fracassadas.
Anteriormente falamos da capacidade de hesitar como base do raciocínio filosófico. Neste aspecto, a visão de Byung-chul Han coincide ao afirmar que vivemos um excesso de estímulos que geram estados psíquicos doentes por nos impedir de descansar. Nietzsche afirma que “Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie”, e atualmente o repouso é algo condenável do ponto de vista de produção. A “pressão do desempenho” é o que causa o esgotamento porque neste novo modelo precisamos obedecer somente a nós mesmos. Segundo Byung-chul “a depressão é a expressão patológica do fracasso do homem pós-moderno em ser ele mesmo”.
Se olharmos os dados alarmantes do estado da saúde mental da população mundial, veremos que faz sentido essa interpretação. Não é normal que, segundo os últimos relatórios da OMS, o suicídio cause mais mortes de jovens que homicídios e guerras. Não é normal uma sociedade cuja depressão seja a principal causa de incapacidade em todo o mundo e contribui de forma importante para a carga global de doenças, segundo a OPAS/OMS. Estima-se que 350 milhões de pessoas pelo planeta sofram de depressão, o que corresponde a 5% da população mundial. As crises contemporâneas apenas evidenciam como as desigualdades e as injustiças existem em nossa sociedade e devemos aproveitar que a ferida está aberta para tratar e curar essas chagas.
O que não precisamos são de brasileiros tentando explicar o nazismo para a Alemanha, pessoas contestando a ditadura à historiadores ou ainda recomendações médicas por aqueles que não tem nenhuma ligação com a área da saúde. Esse é o triunfo da burrice. É o estágio em que existe um organismo doente e que começa a se prejudicar. Nesta trilha, existem dois caminhos. O da dor e da consciência. Não entraremos no mérito de como a proliferação de idiotas se deu, precisamos nos concentrar em encontrar uma vacina para esse ódio e ignorância que tem se tornado comum e que tem sido aplaudido.
Precisamos ser anticorpos para criar imunidade. E ser anticorpo é resistir, não se calar, tentar ajudar. É através do exemplo converter, demonstrar. É buscar a empatia ao invés do embate, remover a intolerância e entender que somos parte de um todo extremamente diverso. Mais do que nunca a ação individual conta e vai além, ela reflete. Em meio à loucura do dia a dia, aprender hesitar, refletir. Comece esmiuçando suas visões políticas, explique passo a passo daquilo que você defende e anote possíveis dúvidas e informações complementares que sejam necessárias, depois pesquise na internet o que especialistas falam sobre suas dúvidas. Abra-se para aprender, para mudar. Não há vergonha alguma em mudar de opinião, vergonha de verdade é viver eternamente preso às próprias convicções. Nesta epidemia, a cura somos nós mesmos e isso torna tudo mais assustador.
(*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista e ensaísta. Autor de onze livros publicados. (61) 9.8240-6270
sábado, 23 de maio de 2020
MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA (*)
Há milênios surgiu a linguagem humana; no entanto, não há registros que digam qual foi a primeira palavra a surgir. Dessa forma, começam os mistérios dos signos misturados ao universo das palavras que dão uma única certeza: não há humanidade sem uma língua, e – mesmo tendo a existência de milhares de línguas com as mais complexas peculiaridades - é ela quem dá o verdadeiro significado do que todos somos.
A língua portuguesa – língua materna que abriga e envolve sem distinção – nasceu em Portugal, e é falada por mais de 200 milhões de pessoas em todos os continentes do planeta. Não há como negar que – para os falantes dessa língua – tudo se transforma a partir dela: pensamentos, sentimentos e criações afirmam e expressam a identidade de um povo; fazendo o ser aparecer como realmente o é. Um verdadeiro retrato em mil palavras; uma pátria, em intensos e diversos signos.
O projeto arquitetônico do Prédio da Estação da Luz – em São Paulo, cidade que tem a maior população de falantes do português no mundo - abriga toda a mistura entre as imagens, sons e palavras existentes na essência brasileira. Inaugurado em março de 2006, o Museu da Língua Portuguesa – patrimônio histórico do Século XIX - recebeu nos três primeiros anos mais de 1 milhão de pessoas, tornando-o um dos museus mais visitados do Brasil e da América do Sul. Criado para a valorização e difusão do nosso idioma - patrimônio imaterial -, apresenta um museu diferente e altamente tecnológico das demais instituições museológicas do pais e do mundo. Os recursos interativos para a apresentação mostram a língua como peça chave e fundadora da cultura brasileira; celebram e valorizam a língua portuguesa – na plenitude da diversidade - resgatando origens, histórias e influência sofridas. E mais: o dinamismo e a interatividade aproximam o cidadão usuário da língua, mostrando que além de proprietário dessa cultura, é , também, agente modificador do idioma. Cursos, palestras, seminários sobre a língua portuguesa e as exposições temporárias oportunizam os visitantes – das diversas faixas etárias – a um contato mais íntimo com as palavras que fazem histórias.
Museu? Não. Não tem cara. Talvez – se buscarmos na etimologia da palavra – templo seria mais adequado por ser um local onde – antes – as musas exercitavam a poesia; cultivava-se a academia e a biblioteca. Um templo com técnicas modernas que proporcionam um (re)conhecimento da língua portuguesa de forma única e intensa. A tecnologia no museu permite – em sua instalações – a transmissão, o armazenamento, a disseminação e a otimização de informações que vão desde a história do idioma , passando pela experimentação da língua e fechando com as exposições temporárias.
Com três andares, o mergulho no universo das palavras começa no elevador do museu, uma vez que a estrutura de vidro permite a visão total da “Árvore das Palavras” : escultura com palavras do idioma que contribuíram para a formação do português e do português falado no Brasil, palavras em português e a representação de objetos e animais. O visual é embalado pelo mantra - composto por Arnaldo Antunes - que repete as palavras língua e palavra em vários idiomas . O primeiro andar é o cantinho das exposições temporárias; o segundo é o espaço onde a tecnologia assume importante papel ao acolher os visitantes, recebendo-os com uma tela de 106 metros de extensão com projeções simultâneas, mais palavras cruzadas, linha do tempo, jogos etimológicos interativos, mapas dos falares; e o terceiro é um ambiente aconchegante para curtir a projeção de um filme sobre a origem da língua portuguesa e uma Praça da Língua , a qual envolve e emociona.
O Museu da Língua Portuguesa é um espaço onde a língua está sempre viva e em transformação; onde o encontro com a arte (en)canta e arrepia a alma; onde a experimentação do idioma é de fácil acesso e diferente; onde a tecnologia informa e transforma nossa principal cultura: a linguagem humana.
(*) BY EUGENIO SANTANA, escritor, jornalista, ensaísta. Autor de 11 livros publicados.
quarta-feira, 20 de maio de 2020
INTENSO, CORAJOSO, AUTÊNTICO (*)
O intenso quando ama, quando odeia (percebe-se duas vertentes extremas) ele o faz com muita sinceridade e muita fidelidade a si mesmo. Antes de tudo, o intenso é um egocêntrico por causa própria.
Ninguém dá jeito nas personalidades intensas. Ninguém muda a forma com que enxergam a vida, as pessoas, o mundo ao redor. Ninguém é capaz de fazer com que um intenso não viva sua intensidade até as entranhas.
Rir muito, chorar muito, permitir-se viver como se cada momento fosse o último; Prever que a vida é breve e mais breve ainda são os instantes em que podemos ser verdadeiramente livres para nortear nossas escolhas.
É corajoso ser intenso em um mundo tão raso e superficial como o nosso. Em um mundo onde nos julgam pelas roupas que vestimos e os lugares que frequentamos. Ser intenso requer autenticidade, requer ser tachado de louco. Sim, louco! O intenso expõe a olhos nus tudo o que sente e tudo o que pensa, e a sociedade não está adaptada para receber pessoas assim.
Mas há também que jogar farpas na intensidade. Não é só flores que permeiam o caminho de uma personalidade intensa. Há que colher muita dor e muitos espinhos. Por amar demais, por se doar demais, por sentir muito. Por sofrer a incompreensão dos que, pobres de afeto, não serão capazes de entender todo esse anseio e todo esse ardor sentimental que um intenso possui.
Não faz mal. Pedras fazem parte da caminhada. Ser uma pessoa intensa não é algo que se deva orgulhar. Há que ter muita, mas muita coragem de sentir-se só. Pobre amigo, não te compreenderão. Não entenderão tua sensibilidade. Nem tua inclinação para os sentimentos mais fortes. Nem tua abnegação e tua potente energia em tudo que faz.
Esqueça! Como um franciscano, estarás sozinho quando todos propagarem o amor raso e as falsas lágrimas. Estarás só completamente no meio da multidão porque ningué em entenderá teus sentimentos e em silêncio, não poderá compartilhar a tua forma de ver o mundo, pois os outros dirão: excêntrico!
(*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista e ensaísta. Autor de 11 livros publicados, "Ventos fortes, raízes profundas", Madras editora, "Encha-se de vida e continue escrevendo", Costelas felinas editora, entre outros.
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