quinta-feira, 17 de março de 2011

O CORAÇÃO SECOU? NÃO BATE? ESTÁ CERTO. QUEM BATE É PORTA, JANELA, RELÓGIO, MARTELO...




Secou. A proteína do meu coração fendeu, vazou, esgotou-se: ele está seco.
Já viram? O coração seca, esturrica, entorta feito couro esticado ao sol. Enrolado sobre si mesmo, perde a cor, o tônus, a maciez, o látego de vida, empobrece de seiva, esqualidamente vira um objeto sem função. Isto aí, o coração secado. Foi assim que ele apareceu na ecografia. Vi a cara do médico fazer caretas estranhas pelo retrovisor do vidro da sala.
Ele estava de costas para mim (nem percebia que eu o via e observava) e vi naquele momento que ele contemplava o nunca visto. Continuei deitado, balançando os pés com calma. Eu já sabia disso há muito tempo! Agora, ele confere o que eu sentia e sabia, mesmo sem ter aparelho nenhum para checar e provar o que intuíra. O médico saiu com a chapa na mão. Retornou. Olhou em mim, tomou o pulso, abriu meus olhos, fitou-os como se visse duas bolas de gude. Voltou com mais quatro colegas. Nova ecografia. Linguagem médica. Eu me fazendo de idiota. Fechava os olhos, abria-os para aquelas paredes brancas.

Não se cansam de ser paredes de hospital? Branquelas de uma figa! Por que não lhes pintam mais alegrinhas, para diminuir o pânico mórbido e a monotonia dos coitados que aqui deitam? Têm que ser assim, branconas, frias, gélidas feito os mortos guardados nas geladeiras? Se fosse vocês, reclamava a seus donos. Queremos cores, queremos ter personalidade. Também eles não têm, aqueles brutamontes cheios de verborragia. Só sabem o que dizem os papéis e exames, todos eles de branquinho, soldadinhos saídos da neve, ou um grupo esquisito oriundo de uma seita espírita; umbandistas, sei lá. Tomaram neve a noite toda?

Coração secado, desidratado. Não viram isso ainda? Fala sério! Ninguém merece! Que vejam e façam sua festa, seus aprendizes crônicos! Nunca viram contar que o coração morre seco, e a gente obstinado permanece vivo? Pois acontece ainda. O coração virou bucha, pele frita e ainda tenho o bafo morno que vem da garganta, que toma café e acende cigarro e traga futuro enfisema ou câncer. Tenho cor nas faces, olhem bem, anotem; tenho saliva nos lábios, que ainda beijam lindas mulheres e beijos molhados de intermináveis minutos; tenho músculos firmes, pernas longas e grossas, tórax largo e peludo como um urso ou Tony Ramos? Tenho meu obelisco ou "bruzuco" em plena forma; espada afiada de guerreiro da idade média. Tenho chinelos ryder nos pés e o relógio seiko no pulso esquerdo.

O coração secou? Não bate? Está certo. Quem bate é polícia e bandido, é porta, janela, relógio de parede, martelo e fantasma em filme de Sthepen King. Ele já bateu, hoje não bate, e daí? Qual é o problema? Caso novo? Desconhecido da classe médica? Então, levantem-se daí, vão fazer reunião, vão pesquisar e mobilizar os cientistas. Sairão como entraram, com caras de palhaços exaustos.

Ainda estou vivo e com vontade de viver. Desliguem os aparelhos, vocês jamais saberão o porquê disso. Apaga. Deleta. Esquece. Vou sair daqui mesmo com o coração de couro curtido e escreverei para ELA assim:

Amada minha:
Meu coração está liquidado. Pode crer. Os médicos viram, constataram em laudo o diagnóstico fatidíco. Você virá, amore mio? Você vai vir? Que dia mesmo? O coração está seco como folhas de outono, mas você sabe que ele é ressuscitável. Estou bem, masculinamente aguardando suas mágicas. Você é capaz de tudo e eu também. Sabemos disto. É por aí... Você vem, não vem?

O que quero verbalizar é mais simples e óbvio do que cogitam. Mesmo com o coração seco e esturricado, poderemos dançar uma valsa, um tango, um rock, poderemos (tem mais, e a ciência médica desconhece) ressuscitá-lo. É isso, ele cria carne, músculo, enche-se de licor, vinho e pulsa como deve ser, infla saudável. Basta, às vezes, que alguém entre por aquela porta de braços e olhos abertos, como enorme tela em 3D.

(copy-desk by EUGENIO SANTANA, FRC – Jornalista, Escritor, Ensaísta literário, Publicitário, Editor, Coordenador de RH, Relações públicas, Gerente Administrativo/Comercial. Pertence à ALNM-MG, UBE/GO-SC, Greenpeace/SP, ADESG-DF. Autor de livros publicados, divulgados de Porto Alegre a Porto Velho. 18 Prêmios literários nos gêneros conto, crônica e poesia; Self-mad man e Verse maker.)

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