terça-feira, 15 de outubro de 2024

CONFISSÕES DE OUTONO...

E se algum dia, ajoelhado diante de seu túmulo, sentir que o fogo da raiva está tentando se apoderar de você, lembre-se de que na minha história, como na sua, há um anjo que conhece todas as respostas. E que tudo quanto era decente e limpo e puro nesse mundo e tudo por que valia a pena continuar respirando estava naqueles lábios, naquelas mãos e no olhar daqueles dois felizardos que, eu soube com certeza, ficariam juntos até o fim de suas vidas. Um homem jovem com uns poucos cabelos brancos e ligeira calvície e uma sombra no olhar caminha ao sol do meio-dia entre as lápides do cemitério, sob um céu preso no azul do mar. Leva nos braços um menino que mal pode entender suas palavras, mas que sorri quando encontra seus olhos. O homem permanece ali por um momento, em silêncio, as pálpebras apertadas para conter o pranto. A voz de seu filho, Enzo Gabriel, o traz de volta ao presente e quando ele abre os olhos vê que o menino está apontando para uma estatueta que desponta entre as pétalas de flores secas, à sombra de um vaso de cristal. Sua mão procura entre as flores e pega uma figurinha de gesso, tão pequena que cabe na mão fechada. Um anjo. As palavras que pensava esquecidas se reabrem em sua memória alada como uma velha ferida. O menino tenta pegar o anjo que repousa na mão do pai e, ao tocá-lo, seus dedos o empurram sem querer. A estatueta cai sobre o mármore e se quebra. E então ele vê. É um papelzinho dobrado escondido no interior do gesso. O papel é fino, quase transparente. Ele abre com a ponta dos dedos e, na mesma hora, reconhece a caligrafia... Guarda o papel no bolso. Em seguida, deixa uma rosa branca em cima do túmulo e retorna sobre seus passos com o menino nos braços, até a galeria de ciprestes onde a mãe de seu filho espera por ele. Os três se fundem num abraço e quando ela o encara no fundo dos olhos, descobre neles alguma coisa que não estava lá antes. Algo turvo e escuro que lhe dá medo. - Você está bem, Eugenio? Ele olha para ela longamente e sorri. - Eu te amo – diz, e a beija, sabendo que a história, sua história, ainda não terminou. Acabou de começar. (Por EUGENIO SANTANA, FRC, Escritor, filósofo, jornalista; gestor editorial)

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