quarta-feira, 3 de março de 2021
QUEM TERIA CORAGEM DE DIZER HOJE: EU SOU FELIZ! (*)
Disse Albert Camus: "A felicidade, é ao final, uma atividade original hoje em dia." O livro "O mito de Sísifo", causou estranhamento com sua última parte. Sísifo feliz, era o escândalo de Camus. Feliz-vivo, feliz-morto, feliz-por-voltar-a-vida, feliz-quando-vê-a-pedra-rolar.
Cada livro se presta a mil leituras, no caso de "O mito de Sísifo" essa proposta sofreu uma redução considerável. Na bipolaridade da guerra fria, na frança pós-guerra, ou se estava do lado do capital, ou do lado da revolução. A obra posterior de Camus também sofreu um processo redutivo de análise, sempre lido a luz do capital ou da revolução (veja as críticas dirigidas ao "O homem revoltado").
Quase na mesma época do lançamento de "O mito de Sísifo", Walter Benjamin escrevia nas "teses sobre a história" acerca da revolução que se orienta para a tristeza dos antepassados e que por revolta contra essa tristeza quer se efetivar, e a revolução que se orienta para a felicidade dos descendentes livres. Quase 100 anos antes de Benjamin e de Camus, esta mesma proposta foi feita por o Walt Whitman. Na introdução de "Folhas de Relva" o autor fala que a América recebe uma herança de um descendente robusto que virá.
A proposta é então: não se oriente pelo passado de tristeza, mas sim pelo futuro de alegria. Mas em todos estes autores este futuro de alegria já pode ser acessado agora: na "agoridade" do presente. Neste momento cheio e robusto que agora se apresenta a nós. Mas como se é construída a tristeza e a felicidade? Não é um demônio externo a nós que nos faz tristes ou felizes, nem nós mesmos fora do mundo.
Pense: acordar-trabalho-almoço-trabalho-casa-dormir-acordar-... Todo dia, todo ano, por uma vida. É esta base material que nos torna tristes. É não tornar-se cheio no agora se orientando para uma felicidade futura, e que se acessa agora.
Mas e aquela história? Acordar-trabalho-almoço-trabalho-casa-dormir-acordar-...
Sim, é revoltante, sim, deve-se mudar essa rotina que esvazia, mas, sim, há felicidade agora. A revolução é pautada na mudança das bases materiais de exploração e contradição. Mas a própria revolução tem suas próprias bases materiais. Esta base material é toda-a-exploração-do-mundo e a felicidade-potência dos agentes da revolução.
Esta revolução não tem nenhuma base metafísica. A dor, a exploração, é sentida no corpo, nas mil sensações diárias do trabalhador. A felicidade também, sentida no corpo, nas mil sensações do trabalhador. Mas o revolucionário, mesmo sentindo toda a infelicidade, é um amante, amante feliz da vida que virá e que ele, agora, experimenta.
É claro que esta felicidade é custosa. É preciso muita energia para sustentá-la, porque ninguém diz hoje de forma inocente, sou feliz.
(*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, agente literário, biógrafo, copidesque, revisor de texto e gestor editorial. Autor de 14 livros publicados: "Hóspede da Terra, Passageiro do Mundo", "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora, entre outros. (41) 9.9909-8795 WhatsApp - email: es.escritor1199@gmail.com
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