segunda-feira, 13 de março de 2017
CURRÍCULO DO CAÇADOR DA UTOPIA (*)
Diversas vezes eu chorei até pegar no sono no sofá da sala e acordei atordoado sem lembrar de nada. Já peguei metrô errado e continuei andando por caminhos ínvios e desconhecidos. Confundi sentimentos e machuquei a mimesmo. Eu já gargalhei até ficar com torcicolo. Já mergulhei até o pulmão quase fugir pela boca; hoje, aproveito ao máximo o oxigênio que acredito ter direito. Já fiquei infinitamente apaixonado inúmeras vezes. Já me senti sozinho no meio da multidão, com saudades daquele nome que escrevi no muro da universidade. Já fugi de casa quando morava sozinho e voltei, desolado, para chorar silente no banheiro. Eu voei sobre minha cidade natal, Paracatu, e lá de cima, Ícaro hodierno, não consegui encontrar meu lugar. Corri descalço na tempestade, roubei uma flor no jardim de uma ex-namorada e fiz as pazes deitado na grama molhada. Já apostei todas as fichas que amigos não partiriam e perdi mares de lágrimas. Fiz cócegas no Enzo Gabriel só para ele parar de chorar e discuti com o espelho que teimou que eu estava, inapelavelmente, envelhecendo. Já fiz promessas impagáveis e me queimei com a vela azul. Durante um banho de chuva sonhei um amor de verão que talvez dure para sempre. Já estourei bola de chiclete no cabelo da amada e brinquei de mocinho, astronauta, índio e aprendiz de feiticeiro. Passei trote por telefone e me escondi atrás da cortina esquecendo os pés para fora. Já levei choque elétrico no banheiro e caí da escada com a bunda no chão. Sai caminhando sem rumo e fiquei sem nada na cabeça pensando naquele amor vazio. Fiquei ouvindo estrelas no telhado da casa da avó e roubei frutas de uma árvore do tamanho dos meus sonhos. Fiquei tentando esquecer algumas pessoas que descobri serem as mais difíceis de esquecer. Já chorei ouvindo música do elevador lotado e me cortei fazendo a barba, em uma madrugada cósmica. Já vi o crepúsculo alaranjado e violeta e bebi no gargalo da garrafa de uísque até ficar com a boca contando as histórias inverossímeis que nunca vivi. Já vi a cara da senhora de negro de perto e agora vivo cada dia como se fosse o melhor. Quase morri de amor muitas vezes e quase revivi outras para agradecer o sorriso de alguém especial. Vi amigos partindo e encontrei mais alguns novos e agradeci o ir e vir sem razão da vida. Foram tantas coisas que fiz e fotografei num refúgio da mente reservado para os dias de minha vida, tantas emoções encostadas nas fibras do coração, que até faz parecer que a vida vale a pena. E agora um “formulário” quer ditar o meu futuro, me avaliando e questionando em letras garrafais que gritam: Qual a sua experiência? Experiência? Será que “caçador da Utopia” é uma boa experiência? Não, claro que não. Os recrutadores ainda não sabem voar com as Asas da Utopia...
(*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, biógrafo, influenciador digital, blogueiro e redator publicitário. Diretor de Redação da revista Cenário Goiano; foi Superintendente de Comunicação no Governo do Rio de Janeiro. Nove livros publicados