domingo, 24 de maio de 2020
A PANDEMIA DOS IMBECIS: O QUE A CONECTIVIDADE TEM A VER COM ISTO? (*)
Einstein nos alerta sobre duas coisas que são infinitas: o universo e a estupidez humana. Em épocas de defesas ferrenhas às próprias opiniões, ninguém se assume ignorante. Inevitavelmente, a pessoa mesmo frente a evidências do contrário daquilo que ela acredita não se diz burro e ainda nega aquela afirmação. Por isso, não à toa, encontramos pessoas em nossos círculos sociais com acesso à informação, instruídas e viajadas colocando opiniões que fogem completamente da lógica e bom senso. Esse comportamento é, na verdade, um fenômeno social, que torna justificável o fato de cérebros sadios e dotados de recursos fazerem escolhas tão... burras.
“No âmbito clínico, a burrice é a pior doença, por ser incurável”, esta é a conclusão dos estudos do psicólogo italiano Luigi Anolli, um dos especialistas que tentam entender melhor como esse “bloqueio” nos afeta fisiologicamente. Evidentemente, a burrice hoje é um fato indiscutível. O crescimento da anticiência, posturas fanáticas, pensamentos fascistas e até mesmo religiões que prometem milagres nos fazem compreender que há um contexto muito mais denso dessa realidade. A partir dessa percepção, entendemos que a burrice se tornou uma epidemia e afeta toda a espécie humana com danos reais à espécie. Por seu aspecto risível, a burrice foi sempre subestimada, porém hoje se mostra como uma ameaça, principalmente no âmbito político em que decisões tomadas têm rumos irreversíveis. Como entender que há pessoas inteligentes que, vez por outra, têm pensamentos burros? E o mais importante, é possível reverter isso? A definição de Aristóteles que homem é um ser racional, com a capacidade de examinar diversas variáveis e chegar a conclusões importantes e elaboradas, que guiou pensamentos do Iluminismo e Descartes, parece estar em desuso por posturas negacionistas e completamente fechadas em si.
Para ajudar neste embate, o historiador e economista Carlo Cipolla, já citado anteriormente, listou cinco “leis fundamentais da burrice” e destaca o aspecto contagioso deste mal. Isso explica como populações inteiras (a exemplo da Alemanha nazista ou na Itália fascista) são facilmente condicionadas a objetivos insanos. Como exemplo, podemos tomar o caso de não muito tempo, em que após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sugestionar que a ingestão de desinfetantes poderia matar o vírus COVID-19, o centro de controle de envenenamento de Nova York recebeu 30 chamadas relacionadas aos produtos nas 18 horas seguintes à declaração.
Outro ponto fundamental, segundo Carlo Cipolla, é que o burro é a pessoa mais perigosa que existe. Grandes pensadores também concordam com isso, como o caso de Ruy Barbosa que atesta a periculosidade da burrice ao afirmar que “A chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta; e somente esta: a Ignorância! Ela é a mãe da servilidade e da miséria”. Goethe diz que “não há nada mais terrível que a Ignorância” e de fato o mundo nos mostra (e será ainda mais incisivo em afirmar isso à humanidade) que nossas ações individuais têm impacto direto em tudo e em todos.
A psicologia tem um termo para explicar essa dissonância cognitiva que transforma a máquina mais incrível da natureza em pura estupidez. Nomeada de “Avareza cognitiva”, esta teoria surgiu em 1984 pelos psicólogos Susan Fiske e Shelley e hoje representa o modelo predominante de cognição social. A teoria afirma que o processamento de informação por parte do nosso cérebro está sujeito a determinados limites para tratar simultaneamente as diversas variáveis do ambiente. O cérebro seleciona uma pequena parcela destes estímulos que podem ser atendidos e desconsidera a imensa maioria dos elementos presentes. Além disso, trata de forma bastante superficial a informação, favorecendo a utilização de atalhos mentais durante as operações de processamento para “autocompletar” as percepções. Ou seja, nosso cérebro é naturalmente preguiçoso e fará de tudo para poupar energia e chegar as mais fáceis conclusões. Se juntarmos essa característica do cérebro junto com nossa sociedade organizada em “links”, em cliques, essa geração que tudo se resolve com um botão, uma pílula etc. em que temos uma noção supérflua de tudo, porém aprofundada de nada, podemos concluir que estamos atrofiando nosso cérebro ao invés de exercitá-lo.
Para comprovar essa teoria, um estudo de Leonid Rozenblit e Frank Keil, psicólogos da universidade americana de Yale, aponta como as pessoas acreditam que realmente sabem mais do que realmente sabem sobre tudo. Neste experimento, eles convidaram as pessoas a explicar detalhadamente algo que acreditam saber como funciona. O estudo identificou o fenômeno batizado de “ilusão da profundidade de explicação”, em que mostrou que quando as pessoas são forçadas a explicar, elas se viam obrigadas a reconhecer que conheciam muito menos um assunto do que acreditavam. Esses são os pequenos atalhos mentais para disfarçar de nós mesmos a dimensão da nossa ignorância.
Outra pesquisa, do professor Philip Fernbach, da Universidade do Colorado, tentou uma abordagem mais próxima da nossa realidade para explicar como isso acontece nas pessoas. O estudo foi feito com americanos na internet sobre assuntos polêmicos, como sanções ao Irã, reforma do sistema de saúde e soluções para reduzir o aquecimento global. Dois grupos foram separados, em que no primeiro as pessoas foram convidadas apenas a expor sua visão sobre determinado tema, já o segundo grupo tinha algo a mais para fazer: precisavam explicar passo a passo – do começo ao fim – o caminho pelo qual a política que defendiam produziria o resultado que desejavam. Os resultados mostraram que as pessoas do primeiro grupo mantiveram suas posições inalteradas. Já os que precisaram explicar em detalhes suas visões, acabaram adotando posturas menos radicais. A Avareza Cognitiva nos condiciona a não obter profundidade em nossos argumentos.
O homem vive em sociedade. Portanto o fator social é como se fosse o organismo condutor da pandemia da burrice, sendo um ponto fundamental. A sociedade nos contamina e tratá-la não é simples. Neste aspecto, é interessante a interpretação do tempo em que vivemos feita pelo sociólogo coreano Byung-chul Han, em seu ensaio Sociedade do Cansaço. Ele defende que nossos dias são marcados pelo excesso de positividade. Isso nos torna exaustos demais para agir e nos coloca como “empreendedores de nós mesmos”, criando uma “sociedade do desempenho”. Nela, o status quo faz você acreditar que é capaz (como o slogan da campanha presidencial de Barack Obama em 2008: “Yes, we can” - “Sim, nós podemos”). Ao contrário da sociedade de nossos pais, chamada de “Sociedade Disciplinar” (que era regida pelo o medo e negatividade), a Sociedade do desempenho tem a positividade como pano de fundo, que, segundo o autor, gera pessoas depressivas e fracassadas.
Anteriormente falamos da capacidade de hesitar como base do raciocínio filosófico. Neste aspecto, a visão de Byung-chul Han coincide ao afirmar que vivemos um excesso de estímulos que geram estados psíquicos doentes por nos impedir de descansar. Nietzsche afirma que “Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie”, e atualmente o repouso é algo condenável do ponto de vista de produção. A “pressão do desempenho” é o que causa o esgotamento porque neste novo modelo precisamos obedecer somente a nós mesmos. Segundo Byung-chul “a depressão é a expressão patológica do fracasso do homem pós-moderno em ser ele mesmo”.
Se olharmos os dados alarmantes do estado da saúde mental da população mundial, veremos que faz sentido essa interpretação. Não é normal que, segundo os últimos relatórios da OMS, o suicídio cause mais mortes de jovens que homicídios e guerras. Não é normal uma sociedade cuja depressão seja a principal causa de incapacidade em todo o mundo e contribui de forma importante para a carga global de doenças, segundo a OPAS/OMS. Estima-se que 350 milhões de pessoas pelo planeta sofram de depressão, o que corresponde a 5% da população mundial. As crises contemporâneas apenas evidenciam como as desigualdades e as injustiças existem em nossa sociedade e devemos aproveitar que a ferida está aberta para tratar e curar essas chagas.
O que não precisamos são de brasileiros tentando explicar o nazismo para a Alemanha, pessoas contestando a ditadura à historiadores ou ainda recomendações médicas por aqueles que não tem nenhuma ligação com a área da saúde. Esse é o triunfo da burrice. É o estágio em que existe um organismo doente e que começa a se prejudicar. Nesta trilha, existem dois caminhos. O da dor e da consciência. Não entraremos no mérito de como a proliferação de idiotas se deu, precisamos nos concentrar em encontrar uma vacina para esse ódio e ignorância que tem se tornado comum e que tem sido aplaudido.
Precisamos ser anticorpos para criar imunidade. E ser anticorpo é resistir, não se calar, tentar ajudar. É através do exemplo converter, demonstrar. É buscar a empatia ao invés do embate, remover a intolerância e entender que somos parte de um todo extremamente diverso. Mais do que nunca a ação individual conta e vai além, ela reflete. Em meio à loucura do dia a dia, aprender hesitar, refletir. Comece esmiuçando suas visões políticas, explique passo a passo daquilo que você defende e anote possíveis dúvidas e informações complementares que sejam necessárias, depois pesquise na internet o que especialistas falam sobre suas dúvidas. Abra-se para aprender, para mudar. Não há vergonha alguma em mudar de opinião, vergonha de verdade é viver eternamente preso às próprias convicções. Nesta epidemia, a cura somos nós mesmos e isso torna tudo mais assustador.
(*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista e ensaísta. Autor de onze livros publicados. (61) 9.8240-6270
sábado, 23 de maio de 2020
MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA (*)
Há milênios surgiu a linguagem humana; no entanto, não há registros que digam qual foi a primeira palavra a surgir. Dessa forma, começam os mistérios dos signos misturados ao universo das palavras que dão uma única certeza: não há humanidade sem uma língua, e – mesmo tendo a existência de milhares de línguas com as mais complexas peculiaridades - é ela quem dá o verdadeiro significado do que todos somos.
A língua portuguesa – língua materna que abriga e envolve sem distinção – nasceu em Portugal, e é falada por mais de 200 milhões de pessoas em todos os continentes do planeta. Não há como negar que – para os falantes dessa língua – tudo se transforma a partir dela: pensamentos, sentimentos e criações afirmam e expressam a identidade de um povo; fazendo o ser aparecer como realmente o é. Um verdadeiro retrato em mil palavras; uma pátria, em intensos e diversos signos.
O projeto arquitetônico do Prédio da Estação da Luz – em São Paulo, cidade que tem a maior população de falantes do português no mundo - abriga toda a mistura entre as imagens, sons e palavras existentes na essência brasileira. Inaugurado em março de 2006, o Museu da Língua Portuguesa – patrimônio histórico do Século XIX - recebeu nos três primeiros anos mais de 1 milhão de pessoas, tornando-o um dos museus mais visitados do Brasil e da América do Sul. Criado para a valorização e difusão do nosso idioma - patrimônio imaterial -, apresenta um museu diferente e altamente tecnológico das demais instituições museológicas do pais e do mundo. Os recursos interativos para a apresentação mostram a língua como peça chave e fundadora da cultura brasileira; celebram e valorizam a língua portuguesa – na plenitude da diversidade - resgatando origens, histórias e influência sofridas. E mais: o dinamismo e a interatividade aproximam o cidadão usuário da língua, mostrando que além de proprietário dessa cultura, é , também, agente modificador do idioma. Cursos, palestras, seminários sobre a língua portuguesa e as exposições temporárias oportunizam os visitantes – das diversas faixas etárias – a um contato mais íntimo com as palavras que fazem histórias.
Museu? Não. Não tem cara. Talvez – se buscarmos na etimologia da palavra – templo seria mais adequado por ser um local onde – antes – as musas exercitavam a poesia; cultivava-se a academia e a biblioteca. Um templo com técnicas modernas que proporcionam um (re)conhecimento da língua portuguesa de forma única e intensa. A tecnologia no museu permite – em sua instalações – a transmissão, o armazenamento, a disseminação e a otimização de informações que vão desde a história do idioma , passando pela experimentação da língua e fechando com as exposições temporárias.
Com três andares, o mergulho no universo das palavras começa no elevador do museu, uma vez que a estrutura de vidro permite a visão total da “Árvore das Palavras” : escultura com palavras do idioma que contribuíram para a formação do português e do português falado no Brasil, palavras em português e a representação de objetos e animais. O visual é embalado pelo mantra - composto por Arnaldo Antunes - que repete as palavras língua e palavra em vários idiomas . O primeiro andar é o cantinho das exposições temporárias; o segundo é o espaço onde a tecnologia assume importante papel ao acolher os visitantes, recebendo-os com uma tela de 106 metros de extensão com projeções simultâneas, mais palavras cruzadas, linha do tempo, jogos etimológicos interativos, mapas dos falares; e o terceiro é um ambiente aconchegante para curtir a projeção de um filme sobre a origem da língua portuguesa e uma Praça da Língua , a qual envolve e emociona.
O Museu da Língua Portuguesa é um espaço onde a língua está sempre viva e em transformação; onde o encontro com a arte (en)canta e arrepia a alma; onde a experimentação do idioma é de fácil acesso e diferente; onde a tecnologia informa e transforma nossa principal cultura: a linguagem humana.
(*) BY EUGENIO SANTANA, escritor, jornalista, ensaísta. Autor de 11 livros publicados.
quarta-feira, 20 de maio de 2020
INTENSO, CORAJOSO, AUTÊNTICO (*)
O intenso quando ama, quando odeia (percebe-se duas vertentes extremas) ele o faz com muita sinceridade e muita fidelidade a si mesmo. Antes de tudo, o intenso é um egocêntrico por causa própria.
Ninguém dá jeito nas personalidades intensas. Ninguém muda a forma com que enxergam a vida, as pessoas, o mundo ao redor. Ninguém é capaz de fazer com que um intenso não viva sua intensidade até as entranhas.
Rir muito, chorar muito, permitir-se viver como se cada momento fosse o último; Prever que a vida é breve e mais breve ainda são os instantes em que podemos ser verdadeiramente livres para nortear nossas escolhas.
É corajoso ser intenso em um mundo tão raso e superficial como o nosso. Em um mundo onde nos julgam pelas roupas que vestimos e os lugares que frequentamos. Ser intenso requer autenticidade, requer ser tachado de louco. Sim, louco! O intenso expõe a olhos nus tudo o que sente e tudo o que pensa, e a sociedade não está adaptada para receber pessoas assim.
Mas há também que jogar farpas na intensidade. Não é só flores que permeiam o caminho de uma personalidade intensa. Há que colher muita dor e muitos espinhos. Por amar demais, por se doar demais, por sentir muito. Por sofrer a incompreensão dos que, pobres de afeto, não serão capazes de entender todo esse anseio e todo esse ardor sentimental que um intenso possui.
Não faz mal. Pedras fazem parte da caminhada. Ser uma pessoa intensa não é algo que se deva orgulhar. Há que ter muita, mas muita coragem de sentir-se só. Pobre amigo, não te compreenderão. Não entenderão tua sensibilidade. Nem tua inclinação para os sentimentos mais fortes. Nem tua abnegação e tua potente energia em tudo que faz.
Esqueça! Como um franciscano, estarás sozinho quando todos propagarem o amor raso e as falsas lágrimas. Estarás só completamente no meio da multidão porque ningué em entenderá teus sentimentos e em silêncio, não poderá compartilhar a tua forma de ver o mundo, pois os outros dirão: excêntrico!
(*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista e ensaísta. Autor de 11 livros publicados, "Ventos fortes, raízes profundas", Madras editora, "Encha-se de vida e continue escrevendo", Costelas felinas editora, entre outros.
sábado, 25 de abril de 2020
MESMICE, ZONA DE CONFORTO, ROTINA (*)
Gostar de rotina não é algo ruim. Precisamos dela para nortear nossas vidas, dar linearidade ao nosso cotidiano, nos tirando do caos e auxiliando-nos a dar foco às metas. A rotina é a nossa cura da ressaca, nossa obediência às regras, nossa submissão ao tempo, nossa dose de normalidade diária.
Sair da rotina, do óbvio, é um tanto doloroso para algumas pessoas. Arriscar-se numa atividade nova, atrasar-se mais que cinco minutos, um feriado no meio da semana (acredite: há quem não goste nem um pouco de feriado que tire da mesmice de uma semana de trabalho) nem sempre é fácil de encarar. Ainda mais pra quem trabalha com o método da agenda: acordar às seis, ler as notícias acompanhado de uma xícara de café - nem muito quente, nem frio, nem morno: acertar o ponto todas as vezes é crucial e rotineiro, por assim dizer - tomar um banho rápido, vestir-se e chegar no trabalho às oito. Nem sete e cinquenta e dois, nem sete e cinquenta e nove, muito menos oito e um. Oito. Trabalhar incessantemente, voltar pra casa (pelo mesmo caminho de sempre), assistir qualquer porcaria na televisão, dormir. Fim de semana é almoçar na mãe, ir ao cinema, voltar antes que escureça, dormir.
Pessoas assim não se permitem experimentar algo novo e ousado, por mais simples que seja. Por mais que a mídia tenha explorado e criticado positivamente aquela peça que está em cartaz todas as quartas, não é digno se dar ao luxo de fazer um programa cultural em plena quarta-feira. Amanhã é quinta, dia de labutar. Às oito em ponto. Por mais que delivery de pizza seja prático, rápido e barato, não custa nada explorar os demais restaurantes da cidade, levar a garota ou o garoto para degustar sushi, comida chinesa, tailandesa, ou churrasco gaúcho, que seja. Algo que não venha engordurado dentro de uma caixa de papelão.
Há quem não goste de acampar na praia mas que nunca sequer dormiu dentro de uma barraca e protege-se dos pés à cabeça do sol, da areia e da água salgada que resseca e quebra o cabelo. Tem gente que detesta balada, porque sempre frequentou a mesma casa noturna, que conta sempre com a presença dos mesmos Dj's, sempre com as mesmas pessoas. Há quem não goste de beber mas que nunca bebeu, que não goste de redes sociais e que sempre conservou a velha conta de email no Bol, que não goste de chuva mas que nunca sentiu a deliciosa sensação da água refrescando o corpo num dia de calor infernal, que não gosta de música brasileira mas que nunca se arriscou a ouvir os mestres da MPB - e que, inclusive, critica ferozmente o nosso funk mas que dança de forma frenética ao som do pop e do Hip Hop americano que faz apologia às drogas e ao sexo, com letras tão "proibidonas" quanto as do ritmo carioca.
De que vale a vida, penso eu, se não arriscarmos, nos entregarmos ao novo? Ter o coração partido e se fechar para um novo amor, permanecer num emprego que te causa infelicidade mas que garante estabilidade, dormir cedo sempre, nunca se atrasar, ir ao mesmo cinema, frequentar as mesmas praias, estranhar novas amizades: que perda de tempo.
Durante muito tempo fui um pouco assim, e confesso que ainda sou paranóico com horários e rotina, mas estou tentando mudar. Reconhecer que a minha bolha é limitada e que a zona de conforto não nos oferece nada mais que conforto é o primeiro passo. Toda revolução sofre um pouco de resistência no ínicio - mesmo que a revolução seja mudar de cafeteria ou de marca de sabão em pó - mas pequenas ações podem resultar em mudanças positivas na nossa vida.
Se o café está bem quente, eu acho bom. Se está morno, me incomodo um pouco, mas engulo feliz. Se tem suco, agradeço: mais um dia sem cafeína. Viver metodicamente é não viver, ou viver pela metade. Você por acaso sabe se existe vida após essa aqui? Melhor não desperdiçar. Hortelã pode ser bom, mas há uma infinidade de sabores por aí.
(*) EUGENIO SANTANA é Escritor, Jornalista, Gestor editorial, Ensaísta, Redator publicitário, Blogueiro, Biógrafo, Ornitólogo. Onze livros publicados. Autor, entre outros, de "Ventos Fortes, Raízes Profundas", autoajuda, Madras editora. (41) 9.9667-8484 WhatsApp
terça-feira, 7 de abril de 2020
OS PESSEGUEIROS FLORESCEM NO OUTONO (*)
Nem um carro, nem um transeunte, nem um gato, nem um cão. De vez em quando, nuvem de poeira. Por volta das 6 horas, sombras furtivas começarão a esgueirar-se ao longo das altas casas abandonadas. Sombras dobradas ou torcidas, lutando contra o vento selvagem. Dentro em pouco, tudo voltará a ser deserto de pedra e poeira. O inverno vale a pena ser vivido. É de um rigor incomparável. Não nos poupa nada, atormenta-nos, julga-nos. Obriga a nos olharmos bem de frente, no espelho, reduzidos à nossa expressão mais simples, ou seja, a nós mesmos, isto é, à angústia. Os homens que acotovelam as mesas de mármore fingem ver a TV. Silhuetas torcidas se agitam. A locutora sorri para os anjos e anuncia a chuva e o tempo bom. Poderia anunciar o fim do mundo, que os homens não se mexeriam, continuariam assim, como estátuas. São velhos, são nodosos, são oliveiras destacadas da terra. São indiferentes e impassíveis. Invejo-os. E o autor, bem entendido, na justa medida da minha loucura, se estou louco, da minha angústia, se estou angustiado, do meu delírio, se estou delirante. De todas as maneiras, da minha solidão. Estou só. Assim o quis. Detesto as multidões. -- E por que precisa de solidão? -- Na vida de cada um, chegam um momento e uma idade... Tenho quarenta e seis anos... Em que é necessário determinar a rota, fazer o balanço das nossas forças e das nossas fraquezas, das nossas derrotas e das nossas conquistas. Esse momento chegou, para mim. -- Mesmo no plano sentimental? -- Mesmo no plano sentimental. Quanto à alusão, não pense que ela me perturba. -- Pensa escrever outro livro? -- Sem dúvida. -- Um romance? -- Um romance autobiográfico. -- Detalhes? -- Só posso dizer que se intitulará “Os Pessegueiros Florescem no Outono.” -- Onde pensa refugiar-se? -- Não sei ainda, provavelmente em Paris, Barcelona, Veneza, Berlim, Viena ou Nova Iorque... ... A imprensa retira-se. (Janeiro de 2016) Neuroforia, isso não vem no dicionário. Durante três noites, Zoé sumiu. Uma noite voltou tranqüila, um pouco cansada. -- Acabou a neuroforia. Mais tarde, bem mais tarde, ela tentou explicar-me. Vou, por meu lado, tentar traduzir Zöé. Digamos que a neuroforia é uma força incoercível, louca, que nasce em nós, cresce e explode. Então, nada nos pode impedir de ir até ao limite de tudo. E mais além, se for possível. Então, a gente luta, bebe e come, faz o amor e toma drogas, fala e fala ainda. Isso pode durar de dez a cinqüenta horas, até que o doente fique exausto. É a fuga para diante, à frente da angústia. É a chance da última chance. É engolir o tempo e engolir o espaço. E negá-lo. Milhões de homens morrem intatos. Ou seja, pouquíssimos diferentes do que eram ao nascer. Sem terem conhecimento realmente de nada, nem experimentado, nem aprendido. Morrem intatos, sem jamais terem gasto o capital psíquico, a força real, o dinamismo que é dado a cada indivíduo. Um monte de carvão não consumido, que se deixa apodrecer sobre o chão da mina. Esses consumiram a vida. O amor não existe, eu juro. É hora de dizê-lo, de proclamá-lo por cima dos telhados, de anunciá-lo à trombeta. Ou, melhor, minha cara Zöé, o amor não existe senão para alguns. Eis o segredo. E você, com as suas recordações de pesadelo, não faz parte daqueles a quem foi dado o amor. Você, como milhares, como milhões de outros. Como todas as multidões imensas do planeta, que obedecem a reflexos condicionados. Todos alienados pela religião, pela mídia, pela TV, pelo cinema, pela literatura, a boa e a má, que miam a cada minuto, a cada segundo, o amor, sempre o amor. Não há amor, não há milagre para todos esses, desprovidos, condicionados, que vivem redondamente equivocados. O amor, o verdadeiro, é sempre trágico, exaltador. É uma sociedade secreta, cuja iniciação é cruel e complexa. É o que viviam Tristão e Isolda, com a espada no centro do leito. É o que perseguia Dom Quixote nas planícies da Mancha, essa caça à sombra, essa busca exaustiva e raramente triunfante. Donde a necessidade que eu tenho da literatura. É mais fácil e menos perigoso. Estamos tão doentes! A maioria não sabe, mas eu sei. -- Doente de quê, Sr. Mário? -- Não da alma, não da consciência, não do cérebro. Não, é demasiado vago. Doente de ternura, de generosidade, solidariedade e do dom de si mesmo. Doente de Deus, talvez, doente de amor sempre. Doente do corpo de todas as mulheres do mundo. Doente do tempo e doente do espaço na busca infrutífera de transcendência, consciência cósmica e uni/versos paralelos; doente das palavras, quando escrevo e não publico, das carícias, quando amo, dos lençóis, quando durmo. Doente da morte, cara doutora. -- E qual o seu remédio, caro escritor? Não há remédio, a não ser, sempre e sem parar, a contestação e o protesto. Tem de haver orvalhos e vaga-lumes no jardim que velam todas as noites enquanto os outros dormem e têm pesadelos. Tem de haver quem berre, ao vento, as verdades essenciais, quem despedace e quem destrua, quem ponha tudo em causa, minha bela. E não importa que meio, recomendável ou não. O importante é que deixe marcas. -- O senhor é um anarquista, Sr. Mário Lúcio. -- E a senhorita é uma imbecil! A caverna tem isto de bom, é confortável e ao abrigo dos outros. Cada qual pode ficar indefinidamente na sua caverna. É, aliás, o que todo mundo faz ou se esforça por fazer. Só eu resolvi sair da minha caverna, e há muito tempo. Ou, mais exatamente, errar de caverna em caverna, sabendo o que elas são, apreciando provisoriamente o seu conforto, mas sem nunca dormir nelas. Sei agora que as sombras não passam de sombras. Sei que lá fora é dia, mas que no interior das cavernas ainda posso representar e me contar histórias. Não sou mais um idiota. Tudo isto para lhe dizer que não existe pessoa dupla de você ou de quem quer seja. Que somos sós e únicos, e que é preciso acomodar-se a esse estado. Conseqüentemente, tenho ao mesmo tempo a tristeza e o prazer de lhe dizer, de lhe afirmar, de lhe jurar que o amor não existe. Fricciono-me. Sinto-me realmente novo, mudei de pele a neuroforia foi afogada. Volto para o quarto, visto-me. Trouxeram a bandeja com o chá, o doce, as torradas e a manteiga. Sirvo-me, bebo, como, o mundo me pertence. Estou pronto, gentleman bem barbeado e cheirando a lavanda. Zöé guarda a roupa suja na maleta. Termino o meu chá. Zöé pega a maleta, dirige-se para a saída, eu a sigo. Segui-la-ei até ao fim do mundo, e seguirei apenas a ela. Ela acende um cigarro, põe o carro em marcha. – ligue o aquecimento. O navio deixa o porto. É necessário morrer, quando os rostos já não nos fazem sinais, quando as vozes se tornam incompreensíveis. Então, é uma questão de dignidade. Não se morre quando um ser nos abandonou. Morre-se quando nós mesmos nos abandonamos. Estou aqui, não estou aqui. Não sei nada. Em suma, quero anular-me, mas com todas as garantias possíveis. Quero ter a certeza de que estou desertado. Sôo oco, sou um fantasma. E grito para dentro, como um filósofo-de-bolso: a vida é absurda, eu sou absurdo. Ando às voltas dentro das armadilhas da casa de vidro. Zöé, silenciosa, vigia-me. Assiste impassível à minha agonia, como boa conhecedora. Dêem-me garantias e eu me anulo, fico fora de combate. Silêncio. As vozes cochichadoras, destiladora s de bons conselhos, estão mudas. Cabe a mim arranjar-me, só, sempre só. E recomeçar uma vez mais a análise das razões, a procura das causas. Não se trata dos meus livros, mas da minha alma. Não me interessa a literatura, não me interessam os meus livros. “Todos os meus livros por um Reino!” O que eu procuro, é um reino. O que eu preciso é fazer um inventário, uma grande faxina. Jogar fora o que estiver demasiado usado, limpar e só guardar o essencial. Voltar ao essencial, ao absoluto, ao definitivo. Gostaria de ter a meu lado um ser com quem pudesse falar, a quem pudesse comunicar tudo o que vivo, tudo o que experimento. Zöé não basta. Com ela, são sempre monólogos paralelos. E onde está ela? Onde está aquela que viverá comigo todas as aventuras do corpo e do coração? E também do espírito. Aquela que comigo construirá a alta torre da solidão partilhada? Finalmente... Anna Sophia! O mesmo sentimento cada vez que a vejo e a mesma impotência para expressar essa espécie de paralisia que atinge. Poderia amá-la até à eternidade, amá-la até morrer, com todas as pisaduras e todas as feridas do amor. Com todas as ternuras do mundo e todos os impulsos que só esperam para brotar, verdadeiros e fortes. A estrada. Os faróis, os plátanos. Uma luz baça envolve a noite. Talvez vá chover. O silêncio repousado. O da satisfação e da paz. As palavras não significam mais nada. Pulverizaram-se. Recordar. A avareza da Memória. Recordar-se dos momentos, arquivá-los, guardá-los na cabeça... Explodi neste amor. Fiquei reduzido a pó. Mas para ressuscitar, para ressuscitar, enfim. E que tudo agora seja claro e legível. Quero ler-me em livro aberto... Os plátanos, a estrada, os faróis. A neblina branca, dissimulada... Era para melhor renascer. Ressuscitei... Uma transformação teve lugar quando eu já não esperava nada. Quando eu já pedia demissão... O amor que temos a fazer, a inventar. O império que precisamos edificar. Depressa, muito depressa. Precisamos lutar contra o tempo, agarrá-lo em velocidade. Ele é o inimigo. Um amor, isso existe? Existe, mas em estado bruto. É uma pedra, um objeto. E a gente não sabe o que fazer com essa pedra, embora tudo se possa inventar. É preciso dar um sentido ao amor, uma direção. Animá-lo, iluminá-lo. De outra forma, ele fenece, asfixiado pela sua própria inércia... Crer na virtude das palavras por si sós. Mas as palavras não têm virtude, a não ser a que se lhes quer dar. E que se lhes dá por impotência, por ociosidade, por covardia. Também é fácil fazer um filho. Supremo álibi para lutar contra o medo e a solidão. E a morte, também. Para existir por procuração. Para enganar. Um menino, isso permite, por instante, julgar-se imortal. Não mais fingir viver com os outros que fingem viver. Admitir que os meus antigos amores eram falhos, que não passavam de atos de egoísmo e de orgulho. Admitir que aquilo que a que eu chamava de “minha filosofia” nada mais era do que paródia de um pensar rigoroso. Admitir que o que eu escrevi nada mais foi do que o reflexo do carnaval em que vivi. A descrição hábil dessa partida de esconde-esconde de que eu brinco comigo mesmo há quarenta e sete anos, para não me confrontar com a “minha realidade”. Negar-me. Aprender a humildade. Um par de faróis me ilumina e me fustiga. O carro de Anna Sophia acaba de estacionar ao lado do meu. Fico imóvel, paralisado. Ela me vê. E eu, alucinado, vejo-a descer, vir para mim, inclinar-se para mim, beijar-me. E eu soluço. – Anna Sophia, Anna Sophia, meu amor... Os anjos da escuridão... Eles quase me aprisionaram em suas asas insanas e cruéis.
(*) EUGENIO SANTANA é jornalista, ensaísta e escritor. Redator-chefe da Revista Cenário Goiano, Revisor de textos do jornal Diário da Manhã, Editor-geral do Blog Guardião da Palavra e Superintendente de Imprensa no Rio de Janeiro. Autor de 11 livros publicados. Consultor de mídias sociais em Curitiba, PR. (41) 9.9667-8484 WhatsApp
domingo, 5 de abril de 2020
ESCASSOS ESCRITORES LATINO-AMERICANOS QUE CONQUISTARAM O PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA (*)
Começando a ser entregue em 1901, só em 1945 o Prêmio Nobel de Literatura veio a premiar alguém da América Latina, e foi - curiosamente - uma poetisa: Gabriela Mistral.
O fato é curioso, porque comunga três raridades na história do prêmio: mulher (onde os homens são maioria), poesia (onde a prosa é maioria) e América Latina (onde a Europa reina).
Gabriela Mistral, pseudônimo de Lucila Maria del Perpetuo Socorro, assim sendo, é alguém a ser lembrada: poetisa chilena de um lirismo surpreendente. Diplomata e feminista, suas obras são carregadas de uma poesia ora forte e violenta, ora leve e romântica. Foi professora do "Liceu de Moças" no Chile e sofreu muito preconceito por ser mulher na sua vida de pedagoga e escritora.
São versos dela:
"Dá-me a mão e dançaremos,/ dá-me a mão e me amarás./ Como uma só flor seremos, como uma flor, e nada mais...// O mesmo verso cantaremos,/ ao mesmo passo dançarás./ Como uma espiga ondularemos,/ como uma espiga, e nada mais...// Chamas-te Rosa e eu Esperança,/ mas teu nome esquecerás,/porque seremos uma dança/ na colina e nada mais..."
"Dame la mano y danzaremos" de Gabriela Mistral
"Como sou rainha e fui mendiga, agora/ vivo em puro temor de que me deixes,/ e te pergunto, pálida, a cada hora:/ 'Estás comigo ainda? Ai, não te afastes!'// Quisera eu fazer as marchas sorrindo/ e confiando agora que vieste;/ mas até em dormir estou temendo/ e pergunto entre sonhos: 'não te foste?'"
"Desvelada" de Gabriela Mistral
Gabriela Mistral é, até hoje, a última mulher latinoamericana a receber o Nobel de Literatura.
Em 1967, Miguel Ángel Asturias, poeta e diplomata da Guatemala, recebe o prêmio Nobel por sua literatura enraizada e, em especial, por seu livro Hombres de maíz. Assim começa seu romance mais conhecido:
"O Gaspar Ilón deixa que à terra de Ilón lhe roubem os sonhos dos olhos. O Gaspar Ilón deixa que à terra de Ilón lhe joguem as pálpebras com machado... O Gaspar Ilón deixa que à terra de Ilón lhe chamusquem as manchas dos cílios com as chamas que deixam a lua com cor de formigas velhas."
Início de Hombres de maíz de Miguel Astúrias.
Em 1971, outro poeta fruto de terras chilenas é coroado com as rosas do Nobel: Pablo Neruda (sobre ele já escrevi aqui e aqui)
Alguém que acompanhe a coluna há algum tempo já deve ter percebido minha fixação por Neruda, aprendi espanhol por causa dele e sua poesia até hoje é invencível. O autor de Crepusculario, Veinte poemas de amor y una canción desesperada, Residencia en la tierra, Odas elementales y Libro de las preguntas passa impoluto pelos tempos. Neruda, pseudônimo de Ricardo Neftalí Reyes, foi poeta e cônsul.
São versos dele:
"(Amo o amor dos marinheiros/ que beijam e se vão.// Deixam uma promessa./ Não voltam nunca mais.// Em cada porto uma mulher espera:/ os marinheiros beijam e se vão.// Uma noite se encostam na morte/ no leito do mar.// (4) // Amo o amor que se reparte/ em beijos, leito e pão.// Amor que pode ser eterno/ e pode ser fugaz.// Amor que quer libertar-se / para voltar a amar.// Amor divinizado que se achega./Amor divinizado que se vai.)"
"Farewell" de Pablo Neruda
"Melisanda:
Em teus braços, enredam-se as estrelas mais altas.
Tenho medo. Perdoa-me por não ter chegado antes.
Pelleas:
Um sorriso teu apaga todo um passado:
guardem teus lábios doces o que já está distante.
Melisanda:
Em um beijo, saberás tudo o que calei."
"Pelleas y Melisanda" de Pablo Neruda
Em 1982, foi a vez do Gabo. O colombiano fantástico Gabriel García Márquez, autor de romances intraspassáveis como El amor en los tiempos del cólera e Cien años de soledad, recebia, então, a honra de figurar no rol de agraciados com o Prêmio Nobel, por "seus romances e contos, em que o fantástico e o real se combinam num mundo densamente composto pela imaginação, refletindo a vida e os conflitos de um continente", como afirmou a Academia Sueca ao anunciá-lo.
"Florentino Ariza havia pensado em levar-lhe as setenta folhas que então já poderia declamar de memória de tanto que as lera, mas se decidiu por um meia página sóbria e explícita, em que só prometia o essencial: sua fidelidade a toda prova e seu amor para sempre."
Gabriel Garcia Márquez em "O amor nos tempos do cólera"
"Havia achado, sempre, que morrer de amor não era outra coisa além de uma licença poética. Naquela tarde, de regresso para casa outra vez, sem o gato e sem ela, comprovei que não apenas era possível, mas que eu mesmo, velho e sem ninguém, estava morrendo de amor. E também percebi que era válida a verdade contrária: não trocaria por nada neste mundo as delícias do meu desassossego. Passei uma semana inteira sem tirar o macacão de mecânico nem de dia nem de noite, sem tomar banho, sem fazer a barba, sem escovar os dentes, porque o amor me mostrou tarde demais que a gente se arruma para alguém, se veste e se perfuma para alguém, e eu nunca tinha tido para quem"
Gabriel García Márquez em "Memórias de minhas putas tristes"
Octavio Paz, poeta, ensaísta, teórico e diplomata mexicano, recebeu em 1990 a honraria. Autor dos clássicos El arco y la lira e El laberinto de la soledad, o poeta destacou-se no cenário latino-americano de modo surpreendente. São versos do autor:
"Minhas mãos,/ abrem as cortinas de teu ser/ te vestem com outra desnudez/ descobrem os corpos de teu corpo/Minhas mãos/ inventam outro corpo ao teu corpo." ** "Entro em ti,/ verdade das trevas./ Quero as evidencias do obscuro,/ beber o vinho negro:/ toma meus olhos e arrebenta-os."
Octavio Paz em "Através"
"Palavras? Sim, de ar,/ e no ar perdidas./ Deixa que eu me perca entre palavras,/ deixa-me ser o ar em alguns lábios,/ um sopro vagabundo sem contornos/ que o ar desvanece.// Também a luz em si mesma se perde."
Octavio Paz em "Destino de poeta"
O último nome da América Latina a entrar na lista foi o romancista, dramaturgo, político e ensaísta peruano Mario Vargas Llosa. Sou um fã de Vargas Llosa em muitos aspectos e por muitos motivos, sua literatura e sua postura perante a arte não ícones. Em 2010, a Academia Sueca anunciava a sua premiação por "sua cartografia de estruturas de poder", o que realmente se destaca na obra de Llosa, composta por obras como La ciudad y los perros e La fiesta del Chivo, sempre impregnadas de política.
"Agarrei-o pela camisa e disse: ‘Se você chegar perto da Teresa outra vez, a surra vai ser pior.’ [...] Ele me disse: ‘Você está apaixonado até a alma. [...] O amor é a pior coisa que existe. Você anda feito um idiota e deixa de cuidar da vida. As coisas mudam de significado e você é capaz de fazer as maiores loucuras e de se ferrar sempre num segundo.'"
Mario Vargas Llosa em "A cidade e os cachorros"
"Por volta do meio-dia, muitos andamarquinos já se aventuravam a ir até o centro da praça para manifestar suas queixas, fazer suas recriminações e apontar os maus vizinhos, os maus amigos, os maus parentes. [...] Todos foram condenados por um bosque de mãos. [...] Foram executados de joelhos, apoiando as cabeças num broquel de poço d’água."
Mario Vargas Llosa em "Lituma nos Andes"
Porque por seis vezes o Nobel de Literatura passou pela América Latina, coroou alguns e a outros esqueceu. A lista de esquecidos é grande: Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Guimarães Rosa, Carlos Fuentes, e outros e outros e outros. Porque por seis vezes o Nobel de Literatura passou pela América Latina, coroou alguns e a outros esqueceu. Tomara que ele volte.
(*) EUGENIO SANTANA é Escritor, Jornalista, Gestor editorial, Ensaísta, Redator publicitário, Blogueiro, Biógrafo, Ornitólogo. Onze livros publicados. Autor, entre outros, de "Ventos Fortes, Raízes Profundas", autoajuda, Madras editora. (41) 9.9667-8484 WhatsApp
quarta-feira, 25 de março de 2020
A VISÃO FUTURISTA DE ALBERT CAMUS EM "A PESTE" (*)
Sessenta anos são transcorridos da morte prematura de Albert Camus. Ao escrever “A Peste”, ainda sob o impacto dos horrores da Segunda Guerra e da luta de libertação argelina, ele associa o absurdo, “que não se encontra no homem e nem no mundo, mas na coexistência entre ambos”, a uma surpreendente solidariedade que surge entre os seres humanos exclusivamente em momento de extremo estresse, como aquele vivenciado em situações de guerra e de peste, o que nos leva à atualidade da sociedade humana e da pandemia provocada pelo vírus Covid-19.
Numa pandemia como a de “A Peste”, para Camus todas as ideias gerais soam falsas e o mundo agredido e agressor não lhe parecia nem explicado ou explicável. “A Peste” é a vida em comunidade. Oran, uma cidade imaginária na costa argelina, é acometida por suposta impossibilidade: um surto de peste bubônica na segunda metade do século XX!
Antes da praga a cidade era modorrenta, o homem a tornara inóspita, previsível nos negócios e nos costumes. “Oran é feia… Como imaginar, por exemplo, uma cidade sem pombos, sem árvores e sem jardins, onde não se encontra o rumor de asas e nem o sussurro de folhas. Apenas nos céus se lê a mudança das estações. A primavera só se anuncia pelos cestos de flores que trazem dos subúrbios: é uma primavera que se vende em mercados.”
E assegura que uma forma cômoda de travar conhecimento com uma cidade é procurar saber como se trabalha, como se ama e como nela se morre. “Na nossa cidade tudo se faz ao mesmo tempo, com o mesmo ar frenético e distante. Nossos concidadãos trabalham muito apenas para enriquecerem… Os homens e as mulheres se devoram rapidamente, no que se convencionou chamar de ato de amor, ou se entregam a um longo hábito a dois… O mais original é a dificuldade que se tem de morrer. O doente fica muito só, dada a importância dos negócios e a qualidade dos prazeres. O que dirá o ato de morrer!” Logo, Oran é uma cidade absolutamente contemporânea, poderia ser qualquer cidade média de nosso Brasil.
Um primeiro rato morre com hemorragia, depois outros e outros, aos milhares; por fim os ratos moribundos desaparecem da cidade. Logo a seguir morre o primeiro ser humano. “A imprensa tão indiscreta no caso dos ratos, não mencionava nada (a respeito dos humanos). É que os ratos morrem na rua e os homens em casa. E os jornais só se ocupam das ruas.”
A descrição dos sintomas, das dores, das mortes que se acumulam é realizada minuciosamente e sem “piedade”.
Mas a administração pública insiste em esconder o flagelo até que não seja mais possível fazê-lo e a cidade inteira entra em quarentena, como se sitiada fosse e os isolamentos internos são instituídos. “Os flagelos, na verdade, são coisa comum, mas é difícil acreditar neles quando se abatem sobre nós…Os flagelos não estão à altura do homem: disse-se então que o flagelo é irreal, um sonho mau que irá passar.”
“Mas nem sempre ele passa e, de sonho mau em sonho mau, são os homens que passam e os humanistas em primeiro lugar, pois não tomaram as suas precauções”.
Em “A Peste” o que mais interessa ao autor é mostrar como se comportam as pessoas quando começa a ruir tudo o que elas acreditavam ser sólido: os intercâmbios, as apostas ou bolsas de valores, as relações familiares, as comunicações, a saúde, num transformar dos habitantes em exilados do mundo. “Como poderiam ter pensado na peste que suprime o futuro, os deslocamentos, as discussões? Julgavam-se livres e nunca alguém será livre enquanto houver flagelos”.
E como se comportam os “oranianos”?
Inicialmente, quando os portões das cidades são fechados pelo isolamento do mundo, os laços de amor e amizade estreitam-se. Outra decorrência da peste é o exílio a que todos são confinados.
“A partir de então, reintegrávamo-nos, à nossa condição de prisioneiros e estávamos reduzidos ao nosso passado e ainda que alguém fosse tentado a viver no futuro, logo dele renunciava ao experimentar as feridas que a imaginação finalmente inflige aos que nela confiam… Assim, experimentavam o sofrimento profundo de todos os prisioneiros e exilados, vivendo com uma memória que não servia para nada… Impacientes com o presente, inimigos do passado e privados do futuro”.
Isolamento que, gradualmente, também nivelará as pessoas, encurtando as distâncias sociais. A Peste não possui classe social quando se torna epidemia: “Porque a peste se tornava assim o dever de alguns, ela surgiu como realmente era, isto é, o problema de todos”.
No princípio, quando as pessoas julgavam a peste uma doença qualquer, a religião tinha muito prestígio, os sermões do Padre Paneloux eram extremamente concorridos e ele convocava todos a se arrependerem, a buscarem o perdão divino. “Mas quando viram que o caso era sério, lembraram-se do prazer e toda a angústia que se pinta durante o dia nos rostos, dissolve-se ao crepúsculo, numa espécie de excitação desvairada, numa liberdade desajeitada que inflama todo um povo”.
Camus presta muita atenção ao amor entre os amantes e ao valor da amizade: “A peste é preciso que se diga, tirara de todos os seres o poder do amor e até mesmo da amizade. Porque o amor exige um pouco de futuro e para nós só havia instantes… Ao mesmo tempo, a peste suprimia juízos de valor”.
Porém, quando “já não havia destinos individuais, mas uma história coletiva que era a peste, os sentimentos eram compartilhados por todos”. E é essa dor que devolve o valor e a força aos sentimentos. “Há sempre alguém mais prisioneiro que eu- essa era a frase que resumia a única esperança possível”.
Quando casas de empesteados foram fechadas ou incendiadas por motivos sanitários, começaram também os saques. “Foram incidentes que forçaram as autoridades a assimilar o estado de peste ao estado de sítio e aplicar as leis decorrentes”. Na peste e no isolamento tudo se sacrifica à eficácia de medidas que evitem a disseminação do mal.
Mas existe ainda a solidariedade humana.
O comportamento de determinado grupo de pessoas que se dedicará à luta contra a peste será o da mais estrita solidariedade. “Era uma luta resignada, mas persistente, ao mesmo tempo ilimitada e sem ilusões”, aquela travada pelos homens que providenciavam o isolamento sanitário dos doentes e a quarentena dos familiares, assim como um mínimo de atendimento às vítimas da peste.
A solidariedade humana é simbolizada por pessoas como o Dr. Rieux (que ao final se identifica como o narrador do episódio), um ateu que dá tudo de si no combate ao flagelo apenas por “estar bem consigo mesmo”; um “Rieux que julgava estar no caminho da verdade, lutando contra a criação tal como ela era”. Quando um popular lhe diz que ele não tinha coração, Rieux para e reflete que coração ele o tinha, pois lhe servia para suportar as vinte quatro horas por dia, nas quais via morrer homens que haviam sido feitos para viver. “O que eu odeio é a morte, é o mal. E quer queira, quer não, precisamos estar juntos para combatê-lo”.
Para o narrador o heroísmo tem sempre um papel secundário perante a necessidade de luta pela felicidade, e “o hábito do desespero é pior que o próprio desespero”. O que restava ao médico ao qual não era dado salvar vidas, pois a peste era mortal? Tão somente “descobrir (o flagelado), ver, descrever, registrar, depois condenar e ordenar o isolamento”.
A solidariedade também é encarnada no padre Paneloux. Ele, inicialmente, acreditava que a peste havia sido enviada por Deus para o castigo dos pecadores. Quando ocorre a morte, sob intenso sofrimento, do pequeno filho do juiz Othon, se dará o momento da ruptura do padre com o tradicionalismo da aceitação e da submissão. Paneloux diz a Rieux: “Isto é revoltante, mas talvez devamos amar o que não conseguimos compreender”. Retruca-lhe Rieux: “Eu vou recusar até a morte esta criação divina em que as crianças são torturadas”, numa reprodução do diálogo sobre a revolta, entre Aliosha e Ivan Karamazov.
Tarrou é um estrangeiro em Oran, um artista revoltado que atua lado a lado com Rieux criando brigadas sanitárias; ele deseja trabalhar pelo próximo como “um santo”, mas um santo sem Deus, sem a fé. “Já que a ordem do mundo é regulada pela morte, talvez convenha a Deus que não acreditemos nele e que lutemos com todas as forças contra a morte, sem erguer os olhos para os céus, onde ele se cala”.
Em determinado momento, Tarrou confessa a Rieux que a epidemia não lhe ensinava nada. “Sei de ciência certa que cada um traz dentro de si a peste, porque ninguém no mundo está isento dela”. “O que é natural é o micróbio. O resto, saúde, integridade, a pureza, é um efeito da vontade. É bem cansativo ser-se empestado, mas é ainda mais cansativo não se querer sê-lo… pois, é necessário, tanto quanto possível, permanecermos fora do flagelo”. “Eu me coloco no lado das vítimas em todas as ocasiões, apenas para limitar os prejuízos. Por meio das vítimas que auxilio, posso procurar a paz”.
“A Peste” é um livro humanista feito por quem se recusa a aceitar a injustiça do Universo. No silêncio eterno dos espaços infinitos ouvem-se somente os gritos das vítimas. Os homens devem permanecer uns ao lado dos outros quer por egoísmo, quer por santidade, mas tomando consciência dos sentimentos essenciais de amor, amizade, solidariedade.
Uma solidariedade que se traça como uma ponte entre moribundos e condenados. A mesma solidariedade que une os homens em perigo e que se desfaz como bruma em tempos de paz.
Chega um ponto em que a epidemia regride, a cidade começa a se recuperar, o isolamento é levantado e tudo se esquece.
Os ratos voltam a surgir vivos e espertos. “Pode-se dizer que, a partir do momento em que a mais ínfima esperança se tornou possível para a população, o reinado efetivo da peste havia terminado”. Entretanto, “todos os cidadãos estavam de acordo em pensar que as comodidades da vida passada não voltariam e que era mais fácil destruir que reconstruir”.
De qualquer forma, a libertação que se prenunciava tinha um semblante misto de sorriso e de lágrimas. Tarrou será a última vítima a morrer de peste.
“Tarrou perdera a partida como ele mesmo dizia, mas o que Rieux ganhara afinal? Lucrara apenas por ter conhecido a peste e lembrar-se dela, conhecer a ternura e lembrar-se dela também. Tudo o que o homem podia ganhar no jogo da peste e da vida era o conhecimento e a memória”.
Depois da peste, que metaforicamente teria sido a Gripe Espanhola, a Segunda Guerra Mundial, os Campos de Concentração, os Gulags, os Estados de Sítio, quantos heróis da luta não voltaram para suas fraquezas? “Rieux queria fazer como todos à sua volta e crer que a peste poderia chegar e voltar a partir, sem que o coração dos homens mudasse com isso”.
“Não era cristão, talvez agnóstico, não era marxista, nada! Era Albert Camus filho do sol, da miséria, da morte”, dizia Sartre. Intelectual, sem dúvida, mas um intelectual que gostava de viver e observar o viver. Participou da Resistência Francesa ao nazismo até a libertação em 1944. Foi editor do jornal O Combate. Em 1951, rompe com Sartre, ataca o socialismo real e a própria perspectiva do comunismo. Em 1957, durante a guerra de libertação argelina onde ele que defendia uma saída negociada, recebe o Prêmio Nobel de Literatura. Morre em um acidente automobilístico em 1959, aos 46 anos de idade.
Ao receber o Nobel, ressaltou: “Perante tantos horrores um artista não pode conformar-se com uma diversão sem alcance, com a perfeição formal. Ele falará no vazio se não se voltar para as misérias da História”. O artista moderno é um rebelde que pinta a realidade vivida e sofrida. Mas se sua rebelião for extremamente destrutiva, não chegará aos homens, será um “Calígula de café”. Para falar a todos é necessário falar do prazer, do sol, da necessidade, do desejo, da luta contra a morte, mas falar a verdade! O “realismo socialista” nunca foi realista, pois o academicismo quer seja de direita ou de esquerda esquece o sofrimento dos homens.
A arte espelha a rebelião contra o mundo tal como ele é. Nem negativa total, nem consentimento total. O objetivo da arte não é julgar, mas compreender. “Advogo por um verdadeiro realismo contra uma mitologia talvez ilógica e mortífera e contra um niilismo romântico, burguês ou pretensamente revolucionário”. Questionado se não teria deixado de ser um homem de esquerda ele responde: “Tradicionalmente a esquerda tem sempre lutado contra o obscurantismo, a injustiça e a opressão”.
De todo modo, a peste dos corpos sobrevive na alma! Mas aqueles que têm consciência podem se autovigiar e evitar causar danos ao próximo e, quem sabe, proporcionar um pouco do bem. Afinal, acreditava Rieux: “há nos homens mais coisas a admirar que a desprezar”.
(*) EUGENIO SANTANA é Escritor, Jornalista, Gestor editorial, Ensaísta, Redator publicitário, Blogueiro, Biógrafo, Ornitólogo. Onze livros publicados. Autor, entre outros, de "Ventos Fortes, Raízes Profundas", autoajuda, Madras editora. (41) 9.9667-8484 WhatsApp
terça-feira, 24 de março de 2020
A FÓRMULA DO SUCESSO DOS ESCRITORES CÉLEBRES PARA OS "NEÓFITOS" (*)
Para escrever boas histórias você precisará correr… literalmente! Pelo menos essa é uma condição essencial para Haruki Murakami, autor de 1Q84, Kafka à beira-mar, entre outros títulos de sucesso mundial.
Quando está no chamado "modo escrita" para um novo romance, o escritor japonês acorda diariamente às 4 da manhã para começar a sua rotina de seis horas de trabalho.
Mas, durante a tarde, Murakami se dedica ao exercício de seu corpo, correndo aproximadamente 10 quilômetros ou nadando cerca de 500 metros todos os dias!
Manter uma rotina é muito importante para o processo criativo de Murakami, que consegue atingir desta maneira estágios mentais profundos.
Outros autores também consideram o exercício físico um grande aliado durante o processo de desenvolvimento criativo.
O esporte está presente na rotina de muitos escritores. É, indubitavelmente, uma excelente forma de clarear as ideias, aquela distância que se faz necessária às vezes, para que possamos enxergar as coisas melhor.
Se for possível determinar um padrão entre todos os grandes nomes da literatura mundial, a preferência por escrever durante as primeiras horas da manhã seria uma característica compartilhada por muitos!
Ernest Hemingway, por exemplo, declarou certa vez numa entrevista que o seu horário preferido para escrever é ainda antes do surgimento dos primeiros raios de sol.
Jane Austen, Victor Hugo e vários outros autores também assumiram que a primeira coisa que fazem ao acordar é “correr” para a escrita.
Ter como hábito a obrigação de fazer sempre o trabalho mais importante primeiro é essencial para a criação de uma rotina de produção menos procrastinadora e eficaz, conforme a maioria dos grandes autores.
Mas também, como tudo, sempre existe uma exceção para fugir à regra. Marcel Proust e Franz Kafka são exemplos de autores que só conseguiam produzir depois do pôr-do-sol.
Na realidade, caros amigos escritores, não importa se é de manhã, tarde, noite ou madrugada, o importante é dedicar-se religiosamente durante um período de tempo ao seu trabalho!
A exemplo de Henry Miller (autor de Trópico de Câncer, Nexus, Plexus, Sexus, entre outros títulos), uma alternativa para conseguir organizar a rotina de trabalho é estabelecer um “Mandamento”, uma lista de regras específicas que são responsáveis por reger o desenvolvimento da sua escrita.
Algumas das tarefas definidas nos “Mandamentos de Miller” são: trabalhar uma coisa de cada vez até esta estar concluída; quando você não pode criar você pode trabalhar; trabalhe de acordo com o seu programa e não conforme o seu humor; esqueça os livros que você quer escrever, e pense apenas no livro que está escrevendo; entre outras.
Definir um conjunto de obrigações e limites, em forma de lista, para seguir durante o período de desenvolvimento da escrita pode ser uma excelente ferramenta norteadora, principalmente para as pessoas que são por natureza menos organizadas.
Nomeada para o Prêmio Pulitzer, Barbara Kingsolver, comprova que até os escritores de maior sucesso precisam escrever dezenas de páginas para obter uma que lhes agrade.
Acostumada a acordar antes do sol nascer, Barbara está sempre “cheia de palavras” na cabeça e a primeira coisa que faz logo pela manhã é transcrever tudo para o seu computador.
De acordo com a escritora, são páginas e páginas de frases desconexas ou pequenos textos soltos. Enquanto os seus filhos estão na escola, Barbara consegue reler tudo o que escreveu, editando e adaptando os trechos que mais gostou, mas também deletando grande parte do conteúdo…
Para a autora o escritor deve escrever (óbvio, não?), ou seja, mesmo quando não tiver algo concreto ou um desenvolvimento sólido sobre determinado tema, escreva as frases que lhe vierem à mente, como se fossem mini flashbacks.
Mais tarde, ao reler tudo o que escreveu, com certeza será mais fácil construir o restante da história.
Os maiores aliados da procrastinação são as redes sociais e o seu celular. Acredite.
Por isso, Nathan Englander sempre desliga o seu smartphone e se desconecta de todas as suas redes sociais durante as horas que se dedica ao trabalho.
Sabemos que a vontade de checar as novidades no Twitter ou as fotos dos seus amigos no Instagram é tentadora, mas se você quiser realmente ser um escritor de sucesso, o autocontrole, a disciplina e o compromisso com o seu trabalho devem vir em primeiro lugar!
Encha a sua cabeça com doses diárias de novas ideias! Pelo menos este é um dos segredos do jornalista e escritor norte-americano A. J. Jacobs: manter um fluxo constante de insights.
O autor aconselha que todos os jovens escritores separem alguns minutos do dia para um brainstorm antes de começar a trabalhar. Um momento de reflexão, onde a pessoa deve rever tudo o que está a sua volta e, aliado à sua criatividade e imaginação, construir um universo que será posteriormente materializado pelas suas palavras!
Faça como o “rei do terror”, Stephen King que escreve diariamente mais de 2 mil palavras. Ele segue essa rotina sete dias por semana, mesmo durante as férias ou feriados... Ok, talvez você não precise ser tão "drástico", mas a mensagem importante aqui é: não deixe de exercitar constantemente a sua escrita!
Para King, assim como tudo na vida, a melhoria vem com a prática. Escrever todos os dias, de acordo com o autor, ajuda a não “enferrujar” o seu estilo de escrita.
O talento é algo maravilhoso, mas não é capaz de carregar quem desiste.
O hábito de Khaled Housseni é escrever e reescrever todos os dias. A cada nova reescrita, o autor adiciona novas camadas ao texto, novos nuances, novas perspectivas, novas formas e assim consegue tornar a sua história mais rica e completa.
Housseni ainda dá uma dica importante para os aspirantes a escritor: ESCREVAM! O primordial para um escritor é escrever, por mais óbvio que isso possa parecer (e é!). Housseni sugere que se escreva todos os dias, mesmo quando não estiver se sentindo o “maior dos escritores”.
Ah, e o mais importante, escreva para você mesmo! Não pense num público específico, pois nunca conseguirá agradar a todos os gostos. Reserve-se a escrever uma história que você precisa contar e que gostaria de ler.
(*) EUGENIO SANTANA é Escritor, Jornalista, Gestor editorial, Ensaísta, Redator publicitário, Blogueiro, Biógrafo, Ornitólogo. Onze livros publicados. Autor, entre outros, de "Ventos Fortes, Raízes Profundas", autoajuda, Madras editora. (41) 9.9667-8484 WhatsApp
quarta-feira, 18 de março de 2020
O QUE É O BELO? O QUE SIGNIFICA A BELEZA? (*)
Na Grécia antiga, o pensador Platão foi o primeiro a se arriscar a definir o que é beleza. Para o filósofo, o que era belo também era bom, puro e verdadeiro. Conseguir contemplar a beleza significava que sua alma conseguia se recordar de outras vidas. A beleza nada mais seria do que a cópia de coisas vistas nessas outras vidas. Ele acreditava em uma beleza absoluta que poderia se comunicar com os seres através dessa lembrança e isso os tornava belos, de acordo com o nível dessa ligação. Já para seu discípulo Aristóteles o belo não está vinculado a uma beleza maior e sim a proporção, a grandeza e a harmonia das partes em relação a um todo.
O ideal grego de beleza usado até o século XVII era aquilo que tinha simetria, proporção, equilíbrio e ordem e permaneceu assim, influenciando inclusive a arquitetura das igrejas (que tempos depois usaram o principio da simetria em sua decoração). Só depois desse século é que surgiu o conceito de que o belo é algo subjetivo, relativo, de gosto individual e da maneira como cada um percebe o objeto. Cada pessoa carrega uma bagagem, uma cultura, uma crença que a faz ver as coisas de maneiras diferentes. Logo, a beleza é definida por suas vivências pessoais.
Para o filósofo alemão Immanuel Kant, apesar de a beleza ser definida individualmente, ainda existem conceitos universais que todos nós usamos ao julgar algo. Nossos sentidos e nossa imaginação são comuns a todos os seres humanos e tornam possível a percepção das coisas, ou seja, o juízo estético é induzido através da imaginação (nos dando prazer) e não pelo pensamento lógico. Kant defendeu que é impossível julgar racionalmente o belo. Nós sabemos que cada um de nós tem visões diferentes de beleza, apesar disso todos nós esperamos que os outros concordem conosco sobre o que é belo a nossos olhos. Porém, algo que é belo para mim, também pode ser, embora não obrigatoriamente, para você. E é esse prazer compartilhado por mais de uma pessoa que torna esse conceito universal. Mas será que colocar conceitos sobre o que é belo é certo? Kant escreve que “Quando se julgam objetos simplesmente segundo conceitos, toda a representação da beleza é perdida”.
Georg Hegel, filósofo alemão, defende que a noção do que é belo muda de acordo com a época em que se vive e não é definida em um só conceito. O que é feio agora pode ser belo amanhã. O que é bonito hoje pode ser feio futuramente.
A palavra belo vem do latim bellus, que significa “lindo, bonito, encantador”. Na época clássica era um termo pejorativo para homens, mas algo bom para mulheres.
Na pré-história mulheres obesas tinham o tipo físico ideal, pois significava que eram bem nutridas, o que supostamente as tornava melhores para procriar. Há 28 mil anos, a Vênus de Willendorf possuía a aparência considerada bela. A beleza para os homens gregos, era cuidar do corpo, mantendo a aparência forte e musculosa e cabelos encaracolados. As mulheres gregas evitavam expor-se ao sol (o bronzeado era considerado feio) e seus corpos eram mais cheios (com curvas acentuadas), seios pequenos, pele clara e cabelos longos (melhor ainda se fossem ruivos). Além disso, o belo era definido também pelo intelecto e pelo estilo de vida que eles levavam e não apenas pela aparência do corpo em si.
Na idade média, a aparência não era importante por ser considerada pecaminosa, o foco eram as características morais. A mulher devota, de alma pura, casta, com lábios pequenos e cabelos louros eram belas. Homens tinham que ter poder.
No renascimento a gordura entrava como ideal de beleza e representava o poder aquisitivo da pessoa para comprar alimentos. Para homens e mulheres, ter braços e quadris avantajados era sinal de riqueza. Cabelos longos e barriga aparente eram o ideal para elas.
Na época barroca elegância era sinônimo de beleza, assim como roupas refinadas. No Romantismo o bonito mesmo era ser triste e doente. Quanto mais palidez, olheiras e cabelos bagunçados para as mulheres, melhor. Homens deviam ser boêmios para serem belos.
A mídia criou padrões de beleza inatingíveis, mascarados por efeitos de programas digitais. Tem casos que nem o artista fotografado se reconhece nas fotos. Criando pessoas insatisfeitas com seus corpos e que nunca alcançarão seus objetivos (pois eles são irreais), a indústria da beleza lucra alto com a venda de produtos. Nunca se variou tanto os padrões de beleza em um curto espaço de tempo. O bonito dos anos 40 era ter curvas a la Marilyn Monroe, a regra era se inspirar nos astros de Hollywood, já na década de 60, a magreza de Twiggy era ideal. Nos anos 80 o corpo esculpido por ginástica era belo, mas sem exageros, diferente dos anos 2010, onde a febre era fitness, de corpos musculosos, com horas de academia e com alimentação regrada.
(*) EUGENIO SANTANA é Escritor, Jornalista, Gestor editorial, Ensaísta, Redator publicitário, Blogueiro, Biógrafo, Ornitólogo. Onze livros publicados. Autor, entre outros, de "Ventos Fortes, Raízes Profundas", autoajuda, Madras editora. Radicado em Curitiba, PR. (41) 9.9667-8484 WhatsApp
LIVROS ESSENCIAIS QUE POTENCIALIZAM A SUA BIBLIOTECA (*)
Conhecimento é poder, já dizia Thomas Hobbes antecipando o movimento hacker. A leitura é imprescritível a inteligência dos intelectuais, ler é bom ainda que sejam títulos inócuos e de conhecimento prático letárgico. Todavia, ao bom leitor, selecionar um bom livro torna-se essencial para absorver conhecimentos e assim tecer opiniões críticas sobre seus variados temas e realidades. Justamente pensando nisso que resolvi criar essa lista de títulos compostos por obras-primas e clássicos da literatura e intelectualidade para que você que queira ter uma base intelectual razoável possa ler. Alguns livros como a Bíblia é indicado por nomes como Neil deGrasse Tyson, assim outros são clássicos inquestionáveis como 'O Príncipe' e 'A Revolução dos Bichos'.
'1984', de George Orwell. A ficção científica com contornos quase proféticos é uma feroz crítica a uma ditadura que dominou o mundo. Desse livro deriva-se vários conceitos como a do 'Big Brother' além de ser uma severa crítica ao classismo. Por vezes visceral o livro narra como seu governo manipula tudo, da 'paz' a história constantemente modificada em seus livros para enaltecer o partido.
'O Príncipe', de Maquiavel. Obra essencial para estudiosos de ciências políticas o livro é uma obra prima do pensamento renascentista ao abordar pela primeira vez a política do modo como é. Ainda que dentro do contexto histórico diferente ao atual muito de seus preceitos são ainda hoje utilizados como em estratégias para o poder, ainda que derivando-se dele em sua vulgarização tenha surgido o termo 'maquiavélico'.
'A Arte da Guerra', de Sun Tzu. Ainda que haja dúvidas sobre a veracidade da existência de seu autor esse curto livro traz tratados de estratégia e ética militar mas que apesar disso hoje sua aplicação não limita-se ao militarismo sendo comumente aplicado ao meio empresarial e corporativista. Não confunda com o livro de mesmo nome de Maquiavel.
'Revolução dos Bichos', de George Orwell. Obra clássica da literatura é muito mais que um livro infantil, mas uma crítica voraz de Orwell ao que se tornava o socialismo. Ele sendo socialista e de esquerda não poupa críticas ao que ele mesmo acredita demonstrando como a luta contra o capitalismo e classismo leva, pela corrupção do poder, apenas a perpetuação do mesmo. Assim o livro torna-se não somente uma metáfora a então URSS mas até mesmo a eventos históricos mais atuais como Cuba.
'A Bíblia Sagrada'. O livro mais vendido de todos os tempos é um compêndio de inúmeros outros livros divididos entre o Antigo e Novo testamento. Mas muito mais do que uma busca doutrinária e de credo ler a Bíblia é um exercício de discernimento e interpretação, tanto que disso derivou-se de guerras à verdadeiras histórias de santos. Mas o simples fato de ser o livro que mudou a face da humanidade torna-o único exemplar para um estudo intelectual apurado sobre a essência da própria humanidade em sua busca por um significado na vida e da mais importante religião de todas, o Cristianismo. A bom entendedor desse livro deriva-se mais que doutrina, mas filosofias de vida, principalmente no Novo testamento. Mesmo para aqueles que são ateus é um livro que somente deve ser criticado ao ser lido.
'O livro Perdido de Enki', Zecharia Sitchin. A tradução das tabuletas sumérias feitas por Zecharia Sitchin demonstra uma das mais antigas mitologias da história mas que pela clareza de seus relatos ressoa como história verídica que leva a compreensão de inúmeras outras mitologias posteriores, das grega e mesmo do Pentateuco cristão. Assim para ter uma melhor compreensão da bíblia em suas origens nesse livro anterior ao mesmo torna-se uma leitura de valor inestimável além de remeter aos primeiros conceitos de extraterrestres como seus deuses.
'O Silmarillion', J.R.R. Tolkien. Um dos livros mais importantes da literatura ao lado do 'Senhor dos Anéis' traz um resumo mitológico e linguístico da Terra Média com inúmeros contos da criação até a seus emblemáticos personagens, tendo ricos apêndices com genealogias e detalhes fornecidos por esse gênio da literatura, o linguista Tolkien, homem de sucesso na vida acadêmica e que escrevia nas horas vagas.
'Uma breve história do tempo', Stephen Hawking. Similarmente a Carl Sagan na sua emblemática série Cosmos, o astrofísico Stephen Hawking traz nesse livro uma deliciosa introdução a física numa linguagem acessível sobre os principais elementos da física moderna e astronomia o qual contribuiu avidamente. O livro como um louvor a ciência é obra indispensável ao lado de 'O Universo numa casca de noz'.
(*) EUGENIO SANTANA é Escritor, Jornalista, Gestor editorial, Ensaísta, Redator publicitário, Blogueiro, Biógrafo, Ornitólogo. Onze livros publicados. Autor, entre outros, de "Ventos Fortes, Raízes Profundas", autoajuda, Madras editora. Radicado em Curitiba, PR. (41) 9.9667-8484 WhatsApp
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