terça-feira, 29 de abril de 2025

ENSAIO DO MEU EU LÍRICO: VOSSOS LIVROS NÃO SÃO VOSSOS LIVROS (*)

Sintetizar um texto de valor artístico conservando e até lhe enfatizando a poesia é tarefa difícil. No entanto, movida pelo desejo de partilhar da singular construção ensaística de um artigo de Otto Maria Carpeaux de 1947, arrisco-me aqui a retomar as imagens por ele então criadas, inspiradas num conto de Mark Twain. No ano 9000, arqueólogos descobrem, em meio a ruínas do Rio de Janeiro, restos de livros. Surpreendentemente, na capa de todos, figura o mesmo “hieróglifo misterioso”: “SR”. Estupefatos, os estudiosos concluem que toda a literatura brasileira da época teria sido escrita por apenas um homem. Então, debruçados sobre a questão, novos arqueólogos verificam que o “misterioso SR” contara com colaboradores, os quais, no entanto, necessitavam de várias páginas para construir um sentido que “SR” conseguia sintetizar por meio de um desenho na capa. E tais desenhos garantiram o estudo da literatura brasileira dessa época remota. Por exemplo, os arqueólogos compreenderam A bagaceira, de José Américo de Almeida, e O quinze, de Rachel de Queiroz, graças às imagens do cacto e dos retirantes nas capas. Conheceram, ainda, os negrinhos e meninos impossíveis do Nordeste de Jorge de Lima. Também apreciaram a chaminé “solitária e melancólica”, símbolo de Usina, do colaborador José Lins do Rego, que permitiu a “SR” criar um ciclo de obras sobre sua região. Como se vê, é poética a forma como Carpeaux apresenta aos leitores o papel fundamental do pintor Santa Rosa para a literatura brasileira de sua época. Impossível não transcrever, em especial, duas passagens do ensaio. A primeira é a síntese em que se encontram as artes do crítico Carpeaux, do ilustrador Santa Rosa e do romancista Graciliano Ramos: Outra vez, “SR” se revelou através do personagem complexo de Graciliano Ramos, ao qual foi dado sonhar com brutalidades terríveis, angústias tremendas, idílios trágicos, produtos de imaginação de um grande intelectual isolado no deserto; escreveu Insônia, e logo “SR” desenhou um relógio em meio da escuridão noturna[1]. A segunda passagem é o momento em que Carpeaux aclara o “hieróglifo misterioso”, desvendando, inteligente e sensível, o nome do pintor da poesia de Drummond: E numa hora triunfal que emergira das trevas “SR” desenhou a Rosa do povo, de Carlos Drummond de Andrade, o grupo de populares em torno da rosa que desabrocha no asfalto da rua: a “santa rosa” do povo. Otto Maria prossegue com a sátira aos arqueólogos do ano da “graça ou desgraça” de 9000, apontando a falta de perspicácia da especialização científica: como se dera em relação a Homero, nem acreditavam na existência de um artista enciclopédico como “SR”. O crítico ressalta a riqueza da singularidade do pintor: “um artista plástico de cultura literária, capaz de interpretar os mais diferentes estilos e personalidades”, “mistura encantadora de talento, inteligência, coração e impontualidade”. Relembra que “SR” pintou os cenários de Vestido de noiva e que homéricos foram seus esforços para criar uma escola de artes gráficas. Por fim, Carpeaux destaca outra descoberta dos arqueólogos: simbolizada por uma palmeira e assinada por “SR”, a coleção Documentos Brasileiros, da “época de José Olympio”, tinha por autores Lúcia Miguel Pereira, Octávio Tarquínio de Sousa, Álvaro Lins, Gilberto Freyre, Afonso Arinos de Melo Franco e Sérgio Buarque de Holanda. Assim, de modo comovedor, Carpeaux expressa toda a sua simpatia por “SR”, símbolo do Brasil. Revela como a arte de Santa Rosa foi o “denominador comum das aspirações artísticas da sua geração”. Significativamente, Santa pertenceu ao grupo da Novidade, semanário de Maceió que teve 24 números, de abril a setembro de 1931. Tendo por lema “Novidade não é essencialmente literária nem essencialmente política”, a revista combatia chavões na arte e na política: voltava-se contra o lugar-comum linguístico, a frase feita, e contra a violência e a miséria generalizadas. Criticava a persistência do quadro de miséria depois da chamada revolução de 1930: a seca, a fome, o analfabetismo, a exploração do trabalho, a indústria das santas milagreiras, a política personalista e o banditismo. A Novidade não durou muito tempo, mas reuniu vários colaboradores que se tornariam grandes intelectuais e artistas brasileiros, e se reencontraram posteriormente no Rio de Janeiro, em especial na Livraria José Olympio. Entre os mais velhos estavam Graciliano Ramos e Jorge de Lima, ambos com quase quarenta anos, e José Lins do Rego, com trinta anos. A maioria dos colaboradores eram moços, entre dezoito e vinte anos. Foram chamados de “meninos impossíveis” devido à sua admiração pela poesia moderna de Jorge de Lima, iniciada com “O mundo do menino impossível” (1927). No poema, o menino quebra os brinquedos importados, antigos (como a poesia parnasiana), e cria brinquedos próprios, simples, a partir de objetos do cotidiano. Esses jovens tinham também como central a figura de Graciliano, daí ele ser chamado de “velho Graça”. Os fundadores da revista, autores alternadamente dos editoriais, eram Valdemar Cavalcanti, crítico literário, e Alberto Passos Guimarães, que se tornou historiador. Também contribuíram na Novidade, entre outros, os poetas Aloísio Branco, que faleceu jovem, José Auto, primeiro marido de Rachel de Queiroz, e Aurélio Buarque de Holanda, depois filólogo e contista. É de um companheiro da Revista o artigo “Santa”[2], publicado em livro em 1961, também impregnado de lirismo e de uma afetividade já contida no título. Valdemar Cavalcanti, inconformado com a morte do amigo Santa Rosa (1909, Paraíba – 1956, Índia[3]), imagina que ele logo entrará em sua casa para retomarem uma conversa de mais de vinte anos, cheia então de reminiscências. À medida que faz desfilarem essas recordações, Valdemar presentifica aos olhos do leitor gestos de uma amizade e momentos significativos de um percurso intelectual e artístico, partilhados desde os anos 1930 em Alagoas. A lembrança inicial surge sobre a mesa de trabalho de Valdemar, num monte de papéis e livros, e ele crê que o amigo gostará de vê-la, pois talvez nem se recorde mais dela. Trata-se de seu primeiro ensaio de pintor, uma pequena tela a óleo feita ainda em Maceió, “dia de domingo em quarto de pensão, como um derivativo para o seu tédio miúdo de funcionário do Banco do Brasil”. Tendo Valdemar acompanhado o tédio de funcionário e o entusiasmo de criador de Santa Rosa, revê a primeira exposição deste no Instituto Histórico de Alagoas: os quadros que pregaram juntos à noite, a desconfiança e surpresa dos convidados, a palestra em que apresentava o pintor aos meios artísticos da província, prognosticando-lhe o êxito, com a “arrogância própria dos jovens”. A integração do paraibano Santa Rosa com o grupo em Maceió ocorreu em fevereiro de 1932, por intermédio de Diégues Júnior. A exposição rememorada por Valdemar Cavalcanti integrou a Festa de Arte Moderna, promovida pela Liga contra o Empréstimo de Livros, evento marcante do modernismo alagoano[4]. Diégues Júnior falou na abertura da exposição sobre música moderna, e Valdemar Cavalcanti apresentou Santa Rosa numa palestra sobre o modernismo na pintura. Se a poesia de Santa Rosa Júnior com palavras permaneceu restrita a Alagoas, a poesia dos desenhos expandiu-se do Rio de Janeiro a partir de julho de 1932. Após a exposição modernista de Maceió, ele decidiu deixar seu emprego no Banco do Brasil, no qual recebia dois contos de réis, e embarcou para o Rio, onde dividiu um quarto simples com José Lins do Rego. De 1932 é Cacau, de Jorge Amado, publicado pela Ariel, de Gastão Cruls, com capa e ilustrações de Santa Rosa, as primeiras do desenhista que revolucionaria os livros brasileiros. Valdemar Cavalcanti revela a grandeza humana e técnica do pintor, cuja atuação no cenário artístico brasileiro foi marcada por simplicidade e inteligência, traços de um observador compreensivo. Valdemar imagina novo diálogo sobre soluções artísticas para a capa de um livro: mais uma vez, o amigo ensinaria o que é uma discussão intelectual, não movida por vaidade, mas pelo gosto do exercício da inteligência. O crítico valoriza que Santa Rosa soubesse discutir com tranquilidade, sem querer impor suas ideias, antes predisposto a aceitar as ideias dos outros. Conforme se evidencia em “Das estátuas”[5], desagradavam visceralmente a Valdemar as “estátuas ou bustos”, pessoas marcadas por imobilidade intelectual e por orgulho ou soberba. Ao contrário destas, o desenhista era “unidade humana extremamente sensível”, cuja personalidade se definia pela “ânsia de amar e de compreender, [pel]o espírito de pesquisa e de entendimento, [pel]a gratuita generosidade”. Então, Valdemar Cavalcanti pensa que diria ao amigo – e efetivamente diz aos leitores – como o nome de Santa Rosa, com as famosas iniciais S.R., está de forma definitiva vinculado à história do livro no Brasil, ilustrado ou não, graças a seu papel de inovador. Ressalta que ele impôs aos livros em geral uma “renovação em matéria de bom gosto tipográfico”. Destaca a excelência da apresentação gráfica das publicações oficiais brasileiras, conquista dos esforços do pintor junto aos serviços do Ministério da Educação e Cultura e também do Ministério das Relações Exteriores. Por fim, essencial, a referência às capas criadas pelo desenhista para as “velhas edições José Olympio”: a primeira fora a de Banguê, de José Lins do Rego, em 1934; e, ao todo, mais de 220 capas para a editora[6]. Os amigos folheariam as primeiras edições de José Lins, as de Graciliano, de Lúcio Cardoso, de Jorge Amado, também de Alencar e Dostoievski e de várias coletâneas de poesia. Até que, noite alta, Santa resolva ir embora e me diga (é assim que sempre faz): “Vai lá no meu ateliê ver as coisas que estou fazendo agora”. Depois que ele sair, estou certo de que a casa ficará como neste momento, impregnada de sua voz, de seu espírito de compreensão e de sua grandeza humana como a indestrutível presença. Dessa forma, os retratos pintados por Otto Maria Carpeaux e Valdemar Cavalcanti expressam o valor humano de Santa Rosa, síntese de sensibilidade e “espírito de compreensão”, sublinhando a importância desse artista para a cultura do país, principalmente para a história do livro no Brasil. Poeta na revista alagoana em 1931, como criador das capas da José Olympio Santa Rosa condensou o espírito da literatura brasileira dos anos 1930 e 1940, o que sinaliza o valor da geração da Novidade no quadro intelectual e artístico brasileiro. Na Apresentação d’ A vida ilustrada de Tomás Santa Rosa, de Cássio Emmanuel Barsante[7], Rachel de Queiroz sublinha como o desenhista era adorado e respeitado por todos. Professor de estética, era “mestre nos vários ofícios que lhe demandassem talento e informação”, “homem de pensamento e estudo, de opiniões brilhantes e inovadoras”. E do retrato de Santa Rosa traçado pelo amigo e inspirador Portinari, a quem auxiliou no acabamento de vários murais, sobressai a conjugação de talento e trabalho, voltados para a renovação cultural brasileira: Foi o renovador do livro nacional como de nossa cenografia, dando às edições literárias e ao teatro a contribuição do seu talento e bom gosto. Na pintura, na ilustração e na crítica, Santa Rosa foi sempre o trabalhador honesto e infatigável. Como crítico, destacou-se pela maturidade e segurança de seus juízos, mantendo-se à altura de um homem empenhado, honradamente, em servir à arte e à nossa cultura[8]. Esse talento avultou logo aos nove anos: finda a Primeira Guerra, Santa Rosa homenageou os aliados desenhando as bandeiras dos países. Impressionado, o governador da Paraíba propôs pagar-lhe os estudos na Europa, porém a mãe do menino teve de recusar, não querendo longe o único filho homem vivo. Aos doze anos, mesmo sem educação artística formal, ele ganhava dinheiro pintando bandeiras para procissões religiosas[9]. Trabalhador “honesto e infatigável”, Santa Rosa fundou em 1938 o grupo teatral Os Comediantes, do qual foi cenógrafo, pintor, diretor artístico e coordenador; e, em 1944, integrou o Teatro Experimental do Negro. Primeiro cenógrafo moderno brasileiro, foi premiado pela Associação Brasileira dos Críticos de Arte pelos cenários das peças Vestido de noiva (1943, Nelson Rodrigues, direção de Ziembinski), A morte do caixeiro viajante (1951, Arthur Miller, direção de Esther Leão, Companhia de Comédias Jaime Costa) e Senhora dos afogados (1954, Nelson Rodrigues, direção de Bibi Ferreira, para a Companhia Dramática Nacional). Segundo Álvaro Lins, sem a colaboração de Santa Rosa e de Ziembinski, Vestido de noiva não teria o enorme êxito que alcançou. O crítico destaca Santa Rosa como “artista puro” e também “homem de ação na vida artística”: era o centro vital do grupo Os Comediantes, empenhado somente pela seriedade na arte, dedicado a criar um autêntico teatro brasileiro[10]. Em 1945, Santa Rosa trabalhou como crítico de arte para o Diário de Notícias. Imaginou para Sérgio Porto o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta, inspirado no personagem Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade[11]. Em 1946, dirigiu o curso de artes gráficas na Fundação Getulio Vargas, onde Fayga Ostrower estudou. Lecionou ainda na Escola Nacional de Belas Artes e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde também dirigiu o Departamento de Teatro. Entre 1952 e 1954, integrou a Comissão Nacional de Belas Artes, dirigindo o Conservatório Nacional de Teatro. Além da obra teatral, foi considerado o maior produtor gráfico de livros do Brasil, “responsável, quase sozinho, pela transformação estética do livro brasileiro nos anos 30 e 40”[12]. Conforme Hallewell, autor de O livro no Brasil, o desenhista exerceu uma “influência tríplice”: a contribuição como produtor gráfico e ilustrador, sobretudo para as editoras Schmidt e José Olympio; a revolução no aspecto físico das publicações do governo federal, principalmente do Serviço de Documentação do Ministério da Educação; a influência como professor de artes gráficas. Santa Rosa deixou inéditas as ilustrações para o livro infantil O pinto pelado, velho conto popular. Em 1939, venceu o concurso do Ministério da Educação com o livro O circo. Em carta a Heloísa, de 3 de março de 1937, passado exato um ano de sua prisão, Graciliano elogia as ilustrações desse livro: Depois do almoço caí no ramerrão diário. Fui à livraria, encontrei Zélins, Santa, Jardim. Fomos ao Ministério levar os álbuns de figuras dos dois últimos e os contos de Bárbara [Julieta Bárbara, mulher de Oswald de Andrade]. Os desenhos de Santa, um circo de cavalinhos, estão maravilhosos, mas também gostei dos de Jardim, uma história de bichos muito engraçada. José Olympio acha isso admirável, o que já se fez de melhor para crianças no Brasil[13]. Mas a amizade entre Graciliano e o desenhista iniciou-se nos anos 1930 em Maceió, tanto que Caetés (1933) lhe foi dedicado, bem como a Jorge Amado e a Alberto Passos Guimarães. Impossível não citar esta saborosa narrativa de Jorge Amado, em que se descobre outro motivo por que Santa Rosa foi fundamental para a literatura brasileira: O poeta e desenhista Santa Rosa, risonho mulato paraibano recém-chegado ao Rio – via Maceió, onde servira no Banco do Brasil – trouxera notícia de um literato alagoano, ex-comerciante, ex-prefeito de cidade do interior, por fim funcionário público, na ocasião, se não me engano, Diretor da Imprensa Oficial. Os textos dos extraordinários relatórios, apresentados por ele ao deixar a Prefeitura de Palmeira dos Índios, circularam de mão em mão no limitado território literário da então capital da República e das letras pátrias (Maceió, 1933 – visita)[14]. Unindo as pontas da vida de Graciliano, veja-se como a história de Santa Rosa se prende também à da Livraria José Olympio. Como já dito, fez mais de 220 capas para a editora, na qual não só ilustrava como paginava, diagramava e escolhia os tipos de letras. Partilhando do pensamento de outros companheiros da Novidade, desagradavam-lhe os excessos do modernismo: julgava que a abolição da letra maiúscula em títulos e nomes próprios redundava numa “socialização dos caracteres, sem gosto e sem engenho”[15]. Na crônica “A livraria José Olympio”[16], Graciliano desnuda-a como matéria excelente para um romance. O escritor destaca que, desaparecidas as fronteiras sociais, havia camaradagem, um ar de família entre os críticos, ficcionistas, sociólogos, ensaístas e pintores que se encontravam à rua do Ouvidor 110. Fervilhavam discussões no fundo do estabelecimento, que reunia homens de diferentes crenças e partidos, “em carne e osso” ou nas paredes cobertas de livros. Com sua expressão compreensiva e crítica, Graciliano reconhece a importância do editor “liberal” José Olympio, que publicava livros da esquerda, da direita e do centro e acolhia amigavelmente “pessoas de cores diferentes ou sem nenhuma cor”. Realça os nomes de Santa Rosa e Portinari, além de Octávio Tarquínio, Amando Fontes, José Américo, Lins do Rego, Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz, Lúcio Cardoso, Luís Jardim, Murilo Mendes. E os amigos alagoanos Valdemar e Aurélio também frequentavam a livraria. Desse modo, o percurso de Santa Rosa é revelador de uma história de amizades iniciadas no grupo de Maceió nos anos 1930 e continuadas no Rio de Janeiro nos anos 1940, especialmente na Livraria José Olympio. A capacidade do pintor de ser amigo e de condensar a literatura brasileira nas capas dos livros, flagrada por Carpeaux e Valdemar Cavalcanti como a “indestrutível presença” inscrita nas iniciais “SR”, foi também sintetizada pela poesia de Drummond, de que recolho estes versos: Ideal seria apreender o estilo de Santa Rosa analisando conjuntamente as capas e o teor dos livros por ele ilustrados. Constituiria inspiração para esse estudo a leitura que Antonio Candido fez da capa de Caetés. O crítico percebeu como o desenhista exprimiu graficamente as ambiguidades que estruturam o romance, decorrentes da “ironia criadora” de Graciliano[18]. No entanto, nos limites deste artigo, o caminho trilhado foi descobrir a trajetória do pintor por intermédio de ensaios poéticos de Carpeaux e de Valdemar Cavalcanti e de depoimentos de Rachel de Queiroz, Jorge Amado, Portinari, Graciliano Ramos e Drummond. Delineado o perfil do desenhista, é instigante ler na Novidade o poeta Santa Rosa Júnior: “Bucólico” (n. 11, p. 11); “Momento”, “Memória” (n. 9, p. 11). “Bucólico” é bem o poema de um pintor, atraído pelas cores e luzes da natureza, e de um jovem da Novidade, dotado de olhar crítico para as incongruências do mundo. A vocação inserida no poema, Santa Rosa parece desenhar com as palavras um quadro, em que ressalta, desde o título – “Bucólico” –, a integração feliz do eu lírico com a natureza. Tal desejo pelo pictórico e harmonioso se confessa em primeira pessoa nos versos iniciais: Eis que, entre parênteses, o poeta imagina uma combinação de movimentos cujo brilho reforçaria a completude da paisagem: ante o alarido de cores de um trem passando, os homens que trabalhavam ao sol ergueriam seus corpos reluzentes. Entretanto, sendo o trem desejo do poeta, o que seus olhos acompanham é a placidez do contorno verde dos morros, que se encontram com o branquejar das casas. Tal panorama luminoso mas estático, de montanhas e casas, somente em cujo fundo estão caboclos suando com enxadas, proporciona uma “alegria campestre” ao eu lírico. Novamente em primeira pessoa, ele se declara encantado pela claridade do verde. Veja-se a sequência de versos: Mas a quietação ondula pelos morros verdoengos e bate de encontro às casas branquejando na luz. Apenas quebra a vista das cousas paradas o movimento rítmico das enxadas dos que estão trabalhando longe… Sinto a alegria campestre do verde bem claro. Finalmente, na última estrofe, vem a síntese dessa composição pictórica, com verdadeira pincelada de lirismo. Inebriado da feliz comunhão com a paisagem, o poeta pisa sem querer nas “flores pequeninas”. Ao gesto involuntário de ferir o belo da natureza, o tempo todo visceralmente apreciado, sucede um vocativo a Deus – singelo desejo de redenção de um inocente que então se culpa: Vou tão feliz que piso nas flores pequeninas, meu Deus, até sem ser por maldade. Sensível e crítico, Santa Rosa expõe o dilema dos artistas que, na busca pelo Belo, não podem ignorar as mazelas da realidade. Mais do que isso, seu poema condensa como a potencialidade da beleza e a consciência dos limites / da fragilidade compõem a força da arte. Paradoxo da poesia, o “gosto bom dos sentidos” carrega as “flores pequeninas” pisadas. Nesse sentido, é possível reler a imagem dos caboclos, identificando a tensão nela contida, que quebra o quadro bucólico. Traduz o apreço do artista pela beleza plástica – a luminosidade solar, refletida nos corpos suados – e, a um tempo, a sensibilidade crítica do poeta quanto aos conflitos dos trabalhadores. Ele se aproxima deles, ávidos de distração, de fuga (“Se o trem passasse agora / os caboclos empinariam os torsos lustrosos / brilhando no sol!”), mas sabe que permanecem trabalhando ao longe, maquinalmente (“o movimento rítmico das enxadas”). Assim, a marca de Santa Rosa parece ser uma tensão entre a satisfação pictórica, com as cores e formas da natureza, e o pesar pelos seres pisados, pela fragilidade da vida. E os versos de Drummond o confirmam: Essa alegria de criar, que é tua explanação maior e mais tocante, fica girando no ar, enquanto avulta, em sensação de perda, teu semblante[19]. Entre o entusiasmo de criador e o tédio de funcionário de banco, Santa Rosa Júnior também escreveu “Memória” e “Momento”. Igualmente o motor desses poemas, versos livres que flagram cenas cotidianas, é a inquietação entre a amplitude da natureza e os limites humanos. Em “Memória”, é no “azul feliz do céu indiferente” que a lembrança do amor distante “palpita”. Essa oposição entre o “espaço imenso” da natureza, feito de brandura e paz, e a “terra cansada” dos homens se reencontra em “Momento”. O poeta passeia “ao largo” pelos campos que “se estiram sem fim”, acompanhado da tarde “calada” e de um “perfume de rosas bem perto,/ bem perto…”. Momento (Especial para Novidade) Passeio ao largo! A tarde me acompanha calada. Nem há rumores aqui. Somente um perfume de rosas bem perto, bem perto… Os campos se estiram sem fim, A combinação entre o silêncio largo do ambiente e a proximidade afetiva do perfume das flores – sugerindo o misto de indiferença e generosidade da natureza – leva à imagem central do poema, que vem entre parênteses: o apagar da árvore grande quando do retorno do eu lírico. (Se apagou aquela árvore grande quando eu voltei!) Ah! foi a noite. Foi a noite que desceu vertical por sobre os campos por sobre as casas por sobre os homens fatigados. Novamente aqui se entreveem no poeta o pintor e o intelectual crítico. Com o fechamento dos parênteses, ele cria o efeito da escuridão sobre a árvore; e, com a corriqueira e modernista próclise pronominal e o verbo “apagar” tendo por objeto uma árvore, parece desenhar um abajur e insinuar o que há de artificial no hábito moderno de se conceber a luz como elétrica. Então, reconhecendo a primazia da natureza (“Ah!/ foi a noite”), ele tece a verticalidade da noite por sobre os campos e as casas, por meio de um movimento anafórico que culmina em “por sobre os homens fatigados”. Desse modo, revela a profundidade do anoitecer como o apagar-se, oferta temporária – e definitiva – de descanso para os homens, consumidos em seus trabalhos. Mais uma vez, o artista se curva à natureza, dadivosa e indiferente, e se inquieta com a sorte dos homens, pequeninas flores pisadas. Mais uma vez, Santa Rosa defronta o impasse de criar beleza conhecendo as fragilidades da vida. A geração da Novidade: o empenho pela arte, contra preconceitos Publicado em 1952, o Roteiro de arte[20], de Santa Rosa, confirma-o um artista enciclopédico, empenhado em aprimorar sempre sua cultura literária e sua técnica, para ser autenticamente ilustrador, ou seja, um intérprete sensível, capaz de encontrar a “ressonância expressiva” do espírito dos textos. Seu roteiro inclui a busca do novo, atento às necessidades do presente, ao valor da tradição e à formação cultural das crianças e dos jovens do país. Combatendo o preconceito segundo o qual a ilustração seria uma arte subordinada à verdade alheia, Santa Rosa defende-a como arte autônoma e autêntica, paralela à literatura. Sublinha que o desenhista deve fixar o tema sugerido no livro com a força de sua personalidade. Sua difícil tarefa é captar, no tumulto das frases, as imagens plásticas que correspondam ao mesmo sentimento. Às vezes, tem de ir às fronteiras da imaginação e até esclarecer certos mistérios das palavras. Lamentando que o gosto pelo livro ilustrado fosse quase inexistente no Brasil, julga enorme a tarefa dos “artistas intérpretes, sugestionadores do leitor transeunte”. Alerta para as diferenças entre prosa e poesia, que devem estabelecer modos diversos de se conceber a imagem, expressão da substância do texto. Enquanto o desenho pode apreender da prosa minúcias, uma visão mais concreta das coisas ou a expressão do rosto das personagens, a poesia se afirma por meio de “cristalizações do espírito” em imagens sensíveis, imponderáveis e indiretas. Explica que, para o ilustrador, o que conta não é o descritivo do poema, do conto, do romance, mas a atmosfera espiritual em que se movem os personagens, os ritmos, os sentimentos. Como um cineasta, busca o ângulo em que o assunto mais avulta, melhor se define. Em seu trabalho de análise, cerca os personagens de um romance, para lhes transpor com verdade o caráter e a força e conquistar-lhes a psicologia. Santa Rosa explicita todo o seu amor aos livros, que para ele são um “milagre da continuidade, da preservação, da comunhão de ideias e sentimentos, chamas vivas do espírito humano” (p. 35). Inquieta-o a baixa qualidade dos livros para crianças e a despreocupação com os meios de trabalho, com as técnicas da ilustração. Critica que os ilustradores trabalhem sobre fotografias, como nos estúdios norte-americanos, o que mata a imaginação e debilita a arte de ilustrar. Considerando a letra uma das mais belas entre as formas criadas, preocupa-se com a escolha dos caracteres, com a necessária harmonia nas capas dos livros, que representam um convite para o leitor. Dessa forma, enfatiza a necessidade de se encarar seriamente o papel do ilustrador: ao lado da aprendizagem do desenho e das técnicas gráficas, a sua questão prioritária deve ser o “não muito simples problema da cultura”. Como cabe ao artista interpretar as obras, precisa aplicar-se e se identificar profundamente com as suas essências. Seu guia mais seguro é desenvolver o gosto literário. Assim, Santa Rosa julga que o bom ilustrador deve ser de certa forma um literato e traduzir com sua arte somente as obras com as quais tiver afinidade, para que suas criações possuam equivalente força expressiva. Significativamente, sua principal eleição artística foram as obras de Graciliano Ramos e de José Lins do Rego. Conforme salientado, a livraria José Olympio permitiu à sociabilidade do grupo da Novidade reencontrar-se e se enriquecer com outros artistas e intelectuais no Rio de Janeiro, a partir de meados dos anos 1930 e sobretudo dos anos 1940. É necessário então registrar que vários escritores da Novidade estavam próximos também como colaboradores da Revista do Brasil, em sua terceira fase. Esta durou de 1938 a 1943, com um total de 56 números. Assis Chateaubriand a relançou e entregou sua direção ao historiador Octávio Tarquínio de Sousa. Resgataram-se características da primeira fase (113 números, de 1916 a 1925, adquirida em 1918 por Monteiro Lobato), como a diversidade de assuntos e a preocupação com os problemas nacionais, encarados sob perspectiva ampla[21]. Na seção “Artes Plásticas” desse periódico, no número 8, de fevereiro de 1939, Santa Rosa expõe sua atitude crítica contra vários “Preconceitos” comuns no Brasil[22]. A princípio, combate os preconceitos voltados aos artistas que buscam inspiração no lirismo da vida popular ou nos aspectos vivos da terra. Denuncia a recomendação, sempre feita na ocasião de convites para mostras de arte fora do país, de não se enviarem trabalhos cujo tema fosse a vida do povo, por conterem, consequentemente, negros e mulatos. Ironiza esse “refinado escrúpulo” nacional de não incluir quadros com motivos de negros em amostras de arte destinadas ao estrangeiro. Repudia tal preconceito, reputando-o um “requinte de culpados”, de quem deseja “encobrir uma verdade das mais simples”. Enfatiza-o incompreensível sobretudo num salão de arte e ressalta a grandeza de caráter da música e da poesia dos negros. Relata uma anedota terrível: o Brasil não figurou com obras de arte na Exposição Internacional de Paris, porque estava entre as telas destinadas ao evento o Café, de Candido Portinari. A recusa pelos próprios brasileiros decorreu de o quadro trazer a representação de negros no rude trabalho de produzir a riqueza nacional[23]. Expressando justa indignação, Santa Rosa desmascara ser esse preconceito frequente entre os administradores do Brasil. Considera-os homens de semieducação, cujas boas maneiras disfarçam enormes lacunas de conhecimentos, de cultura. Condena que esses sejam os destinados a superintender questões de arte, mesmo desconhecendo sua importância e até os pormenores mais simples. Alheios à natureza da obra de arte, esses administradores, com seu padrão arbitrário de julgamento, trazem consequências desmoralizantes para os artistas. Então, Santa Rosa indaga por que os próprios artistas, que conhecem os duros momentos do seu trabalho, o seu valor e as suas necessidades, não são chamados para resolverem seus problemas. Com consciência crítica quanto ao papel dos intelectuais e artistas, reclama já ser tempo de se unirem para conquistar seus postos. Mais um preconceito condenado pelo ilustrador é o dos críticos de arte que, para enaltecer um artista, o afirmam isento de influências. Santa Rosa contesta que exista na história da arte um artista descompromissado com quaisquer escolas. Entende que sempre houve mestres e discípulos, os quais se tornaram mestres carregando muito de seus antecessores. Para ele, o descompromisso decorreria de ignorância e insensibilidade, já que a influência começa na admiração. Outro preconceito que Santa Rosa combate é a rígida separação entre arte antiga e arte moderna. Segundo entende, não há antigos nem modernos. Existem os estagnados em preconceitos, paralisados em fórmulas que não se ligam com o passado nem com o presente. E há os que, numa “pesquisa incessante”, levam a arte para o futuro, criam obras com os motivos e as formas de seu tempo, com um “espírito de universalidade comunicativo e amplo”. Em agosto de 1939, Santa Rosa publica um artigo em que retoma o de fevereiro, para comemorar, já no título, “A derrota dos preconceitos”[24]. Após recordar o absurdo veto a telas que incluíssem gente negra, como as de Portinari, conta que esses preconceitos sofreram uma “derrota espetacular” na Exposição do Riverside Museum, de Nova York. O propósito dessa exposição era dar, em seu conjunto, uma ideia da arte nos países latino-americanos. Em busca de triunfo, não foi escolhido para o evento nenhum modernista brasileiro, e sim um grupo homogêneo, de arte muito comedida e bem educada, intérprete da nossa natureza, “com os seus amarelos de cromo e os seus céus de cobalto, os amantes das belezas do Corcovado e da Lagoa Rodrigo de Freitas, dos flamboyants incendiados, das naturezas-mortas com presunto e tachos de cobre”. Santa Rosa ironiza a crença equivocada desses expositores: enfim, a pintura seria muito bem representada “pelos artistas do Salão, pelos conquistadores, em lutas de café, dos valiosos diplomas que conferem medalhas de ouro e de prata”. E imagina suas falas preconceituosas, convictas de êxito em sua ignorância: “eles iam ver, esses pintores de monstros, de gente suja, do morro!”. Contudo – para o regozijo, embora de origem melancólica, de Santa Rosa –, ao contrário do que esperavam os expositores, as obras receberam severas críticas: foram chamadas de falsas, convencionais, fora de seu tempo, imitadas do academismo francês, “escolhidas por um taberneiro míope”. Santa Rosa revela que um crítico do New York Herald elogiou a arte da Argentina, do Chile e de Cuba, em contraste com a amostra brasileira, e explicou não se tratar de deficiência dos nossos artistas, porém dos administradores que fizeram a seleção. E foi um crítico do Time quem criticou a seção brasileira, imitação do academicismo europeu, afirmando-a escolhida por um “myopic bartender” – “taberneiro míope”, segundo a pitoresca tradução de Santa Rosa. O crítico expressou toda a sua decepção por não constar da exposição a obra de Portinari, cujos murais do Rio de Janeiro já conhecia. Santa Rosa partilha com os leitores o entusiasmo dos críticos de Nova York em relação à arte de Portinari e ao “caráter bem brasileiro” que ela lhes revelou. Rejubila-se com a “excelente lição” dada a um meio onde avultam os preconceitos de arte. Agrada-lhe que, enquanto a arte oficial “empalidecia e desafinava a representação do Brasil”, a música de Villa-Lobos, a arquitetura de Oscar Niemeyer e Lucio Costa e a pintura de Candido Portinari conquistavam seu merecido lugar de relevo. Ressalta que Portinari recebera no Museu de Arte Moderna, ao lado de Cézanne, Renoir, Degas e Picasso, as homenagens que no seu próprio país lhe haviam sido recusadas. Well, well, well! Candido Portinari, o renegado, o pintor dos morros, das festas populares, dos jogos da infância, do café, dos pretos e mulatos, marcou, felizmente, para o Brasil, o único ponto, revelando bem alto, com a sua arte recusada, o nível real da nossa cultura artística. Assim, esses artigos de Santa Rosa formalizam uma inquietação determinante para a geração da Novidade: a consciência crítica quanto à necessidade da arte de combater estereótipos, conciliando a busca de novas formas de expressão com a representação dos problemas brasileiros. Reprovando a arte interessada em encobrir as realidades da vida, o ilustrador se solidariza com Portinari, com os “pintores de monstros, de gente suja, do morro”. Impossível não recordar aqui a crônica “Norte e sul”, de abril de 1937[25], na qual Graciliano Ramos ironiza os defensores do “espiritismo literário”, incomodados com a revelação da miséria pelos romances nordestinos: […] Vamos falar mal de todos os romancistas que aludem à fome e à miséria das bagaceiras, das prisões, dos bairros operários, das casas de cômodos. Acabemos tudo isso. E a literatura se purificará, tornar-se-á inofensiva e cor-de-rosa, não provocará o mau humor de ninguém, não perturbará a digestão dos que podem comer. Amém. Agora se entendem melhor as imagens dos trabalhadores ao sol e das flores pisadas, responsáveis pela poesia de Santa Rosa. Sua felicidade com a criação pictórica não se desvinculava do olhar sensível e culpado em relação aos sofrimentos dos homens. Frequente em sua pintura era o tema dos trabalhadores, como os pescadores. Para ele, eram fundamentais e indissociáveis a arte e a denúncia de misérias. Daí a veemência com que defendeu o Café, de Portinari. Nesse contexto, vêm à mente as palavras de Graciliano Ramos numa carta de fevereiro de 1946 justamente a Portinari, cuja tela Retirantes é de 1944: A sua carta chegou muito atrasada, e receio que esta resposta já não o ache fixando na tela a nossa pobre gente da roça. Não há trabalho mais digno, penso eu. Dizem que somos pessimistas pois exibimos deformações; contudo as deformações e a miséria existem fora da arte e são cultivadas pelos que nos censuram. O que às vezes pergunto a mim mesmo, com angústia, Portinari, é isto: se elas desaparecessem, poderíamos continuar a trabalhar? Desejaremos realmente que elas desapareçam ou seremos também uns exploradores, tão perversos como os outros, quando expomos desgraças? […][26]. A um tempo, Graciliano demonstra consciência crítica quanto a seu papel de artista, de apontar as misérias da realidade, e sofre o impasse de dedicar a vida a dar forma estética às desgraças que afligem os homens. Santa Rosa partilhava das angústias do romancista. Ele o confessa num pequeno mas significativo bilhete de outubro de 1942, por ocasião do aniversário de cinquenta anos do escritor: Graça querido: Senti muito não ir ao jantar que os amigos te ofereceram. Não estive entre eles, mas estou entre os que mais te estimam. Esse meio século que cobriste ontem, sei o que te vale, de lutas, sofrimento e angústia. Sinto bem tudo isso e talvez esteja mais perto de ti, por isso mesmo. Hoje, te envio o meu abraço, nesse começo de posteridade a que já chegaste. Recebe-o como o do verdadeiro amigo Santa Rosa 28/10/1942[27]. Por fim, novamente recorro às palavras de Drummond, que definem o Santa, a existência da arte e da amizade verdadeiras, a felicidade em meio aos sofrimentos da vida: Por outro lado, não se tratava [a Casa José Olympio] apenas de uma loja simpática. Era também uma editora revolucionária, que lançava com ímpeto nomes conhecidos de pouca gente ou de ninguém. Apresentava um livro diferente e elegante, formato padronizado, capa desenhada por Santa Rosa (o que nem sempre era fácil de conseguir, pois o Santa, como a felicidade, não estava onde o procurassem, ou nunca o procuravam onde poderia estar), e o aspecto gráfico e o prestígio da casa acendiam nos escritores o desejo de figurar em seu catálogo. Carlos Drummond de Andrade[28]. [1] CARPEAUX, Otto Maria. “Significação de ‘SR’” (de Retratos e leituras, 1953). In: Ensaios reunidos 1942-1978, Rio de Janeiro: UniverCidade & Topbooks, 1999, vol. I, pp. 633-6. O ensaio saiu com o título “SR” na Folha do Norte, de Belém, a 28 de setembro de 1947. [2] CAVALCANTI, Valdemar. “Santa”. In: Jornal literário. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960, pp. 143-7. [3] Em 1956, Santa Rosa foi para a Índia, participar da Conferência Internacional de Teatro, em Bombaim, e, como observador, da Conferência Geral da Unesco para a Educação, a Ciência e a Cultura, em Nova Délhi. [4] Cf. LEBENSZTAYN, Ieda. Graciliano Ramos e a Novidade: o astrônomo do inferno e os meninos impossíveis. São Paulo: Hedra, 2010, capítulo 3, “A terra dos meninos impossíveis”; SANT’ANA, Moacir Medeiros de. História do modernismo em Alagoas (1922-1932). 2. ed. rev. e aum. Maceió: Edufal, 2003, pp. 235-6; BARSANTE, Cássio Emmanuel. A vida ilustrada de Tomás Santa Rosa. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil: Bookmakers, 1993, p. 17. [5] CAVALCANTI, Valdemar. “Das estátuas”. In: Jornal literário. cit., pp. 30-1. [6] Tempos depois da primeira versão deste texto (no capítulo 6, “Novidade literária”, de LEBENSZTAYN, Ieda. Graciliano Ramos e a Novidade: o astrônomo do inferno e os meninos impossíveis, cit.), saiu o livro Capas de Santa Rosa, de Luís Bueno (Cotia, SP; São Paulo: Ateliê Editorial; Edições Sesc, 2016). [7] BARSANTE, Cássio Emmanuel. A vida ilustrada de Tomás Santa Rosa. cit. [8] Idem, p. 9. [9] Idem, p. 15. Cf. também HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. Tradução de Maria da Penha Villalobos e Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: T.A. Queiroz, Edusp, 1985, pp. 377-8. [10] LINS, Álvaro. “Momento de plenitude: ‘Os Comediantes’” (Janeiro de 1944). In: Os mortos de sobrecasaca. (1940-1960). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963, pp. 301-9. [11] “Por que Stanislaw Ponte Preta? Ele mesmo contou, em crônica publicada no jornal do Rio Última Hora, a 4 de dezembro de 1956 – crônica de homenagem à memória de Santa Rosa –, que partiu desse artista admirável a ideia da criação desse tipo literário. Na redação do Diário Carioca ele um dia disse a Sérgio Porto: ‘Vamos criar um personagem novo, um tipo cabotino, para comentar notícias sofisticadas, uma mistura de crítica teatral e café society’. E diz Sérgio Porto que Santa Rosa se tomou do maior entusiasmo pelo tipo, fazendo ilustrações para as crônicas e até escrevendo alguns tópicos”. CAVALCANTI, Valdemar. “Dados biobibliográficos do autor”. In: PONTE PRETA, Stanislaw. O melhor de Stanislaw: crônicas escolhidas. Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti. 5 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1994, p. viii. [12] HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. cit. [13] RAMOS, Graciliano. Carta a Heloísa de Medeiros Ramos. Rio de Janeiro, 3 de março de 1937 (n. 95). In: Cartas. 7 ed. Rio de Janeiro: Record, 1992, p. 184. [14] AMADO, Jorge. Navegação de cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 1994, p. 24. [15] Cf. ROSA, Santa. “Sobre a arte do livro”. In: Roteiro de arte. Os Cadernos de Cultura. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação, Ministério da Educação e Saúde, 1952, p. 37; BARSANTE, Cássio Emmanuel. A vida ilustrada de Tomás Santa Rosa. cit., p. 118. [16] RAMOS, Graciliano. “A livraria José Olímpio”. In: Linhas tortas. 14 ed. Rio de Janeiro: Record, 1989, pp. 118-9. [17] ANDRADE, Carlos Drummond de. “A um morto na Índia”. (A vida passada a limpo). In: Obra completa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964, pp. 297-8. [18] Cf. CANDIDO, Antonio. “No aparecimento de Caetés”. In: Ficção e confissão: ensaios sobre Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992, pp. 92-101. [19] ANDRADE, Carlos Drummond de. “A um morto na Índia”. (A vida passada a limpo). cit. [20] ROSA, Santa. Roteiro de arte. cit. Cf. os capítulos “Sobre a arte da ilustração”, pp. 25-33, e “Sobre a arte do livro”, pp. 34-44. [21] Cf. DE LUCA, Tania Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a (N)ação. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 1999; Idem. “Revista do Brasil (1938-1943): um projeto alternativo?”. In: DUTRA, Eliana de Freitas; MOLLIER, Jean-Yves (orgs.). Política, nação e edição: o lugar dos impressos na construção da vida política no Brasil, Europa e Américas nos séculos XVIII-XX. São Paulo: Annablume, 2006, pp. 315-334. [22] ROSA, Santa. “Preconceitos”. Revista do Brasil, fev. 1939, ano II, 3ª fase, n. 8, pp. 96-7. [23] E essa obra recebeu um prêmio muito honroso para a arte brasileira na Exposição do Instituto Carnegie, em Pittsburg, um dos mais famosos centros de arte do mundo. [24] Idem. “A derrota dos preconceitos”. Revista do Brasil, ago. 1939, ano II, 3ª fase, n. 14, pp. 95-6. [25] RAMOS, Graciliano. “Norte e sul”. In: Linhas tortas. cit., pp. 131-2. [26] Carta de Graciliano Ramos a Candido Portinari. In: RAMOS, Clara. Mestre Graciliano: confirmação humana de uma obra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979, pp. 130-1. [27] Correspondência passiva, Arquivo Graciliano Ramos – Instituto de Estudos Brasileiros, IEB/USP. [28] ANDRADE, Carlos Drummond de. “A Casa”. (Fala, amendoeira). In: Obra completa, cit., pp. 740-1. Copidesque EUGENIO SANTANA, FRC Niterói, RJ, Verão, 2022

quinta-feira, 24 de abril de 2025

CAÇADOR DO DESENCANTO (*)

Um homem calado, de olhar perdido e vago desce do automóvel e senta-se à mesa do Bar. Em cada canto vê desfilar os fragmentos que foram o microcosmo de sua vida atormentada. Com as mãos sobre a mesa, pede uma bebida qualquer e começa a recordar. Assiste o desfile das cenas dos velhos tempos. No olhar inexpressivo, delineia-se uma ponta de amargura, e a dor perpassa as barreiras do coração: sentimento de angústia na asa da saudade e da memória. Visão da janela do casarão: vilas perdidas, de casinhas brancas e portais azuis, perdidas nas asas do tempo e da recordação tardia. Cicatrizes contundentes na alma provocara aquele antigo amor. Quisera fosse quimera e jamais uma obstinação. Hoje vem reaver pedaços de si que deixara nesta rua, nesta cidade, nesta mesa de Bar. Tentativa inútil de recompor a vida que se fora e se perdera nos labirintos de tarântulas e nos túneis azulados de uma existência de névoas e neblinas. É como seu eu estivesse, novamente, apreciando a arquitetura gótica de Barcelona... Há anos guarda consigo estilhaços daquele estranho e perdido amor. O ser amado se fora como os peixes que se vão e se perdem nas enchentes de imensos rios. O homem cabisbaixo termina a bebida e pára a reflexão como num breve sussurro do vento. Sorvera doses em goles de velhas e carcomidas lembranças, arraigadas no passado recente, já que a vida é feita mesmo de chegadas e partidas. perdas e ganhos. Despede-se do amigo do Bar num aceno que traduz alívio, alento, serenidade e repentina paz interior. Entra no automóvel e ganha o calor da rua central. Nas Asas da Noite Imensa, difusa e misteriosa, desaparece a figura algo lírica e mitológica de um Caçador do Desencanto!... (*) EUGENIO SANTANA é filósofo, jornalista, escritor, ensaísta e consultor em gestão de pessoas/RH . Membro efetivo e co- fundador da ALNM – Academia de Letras do Noroeste de Minas, cadeira 2. Sócio correspondente do Centro Artístico e Literário de Portugal; Autor de 20 (vinte)livros publicados, inclusive a Biografia "João de Deus – o paranormal de Abadiânia". E do best-seller, "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora/SP. WhatsApp (62) 99635-8005

segunda-feira, 21 de abril de 2025

A BELEZA TORNA ALEGRE A MINHA SOLIDÃO (*)

Parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxuleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis. Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, esta é a que mais amo: “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você”. Pare. Leia de novo. E pense. E reflita. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim. Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas! Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões de saúde, incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em sintonia com a Natureza. Elas não veem as árvores, nem as flores, nem as nuvens, nem sentem a asa do vento acariciar o rosto. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo diálogo prolixo e vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um subterfúgio para evitar o contato com nós mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que “o inferno são os outros”. Eis o que Nietzsche escreveu sobre a solidão: “Ó solidão! Solidão, meu lar!... tua voz – ela me fala com ternura e felicidade! Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas. Pois onde quer que estas, ali as coisas são abertas e luminosas. E ate mesmo as horas caminham com pés saltitantes. Ali as palavras e os tempos, poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim falar”. Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: “As obras de arte são de uma solidão infinita”. E na solidão que elas são geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo pela primeira vez e se transformou em poeta. O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kierkegaard, um solitário que me faz companhia ate hoje, observou que o inicio da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria pele. Foi quando eu, menino do interior de uma cidadezinha de Minas Gerais, me mudei para o Rio de Janeiro que conheci as dificuldades. Comparei-me com eles: cariocas, perspicazes, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca convidei nenhum deles a ir onde eu morava: no apartamento do meu tio, na Rua Senador Vergueiro, no bairro do Flamengo. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. Nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão... Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, biógrafo, redator publicitário, copidesque, revisor de textos e relações públicas. Sócio da Academia de Letras de Uruguaiana-RS, colaborador da ADESG-DF – Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, Comendador (honorário) da Ordem Ka-huna do Poder Mental, membro ativo e grau superior da AMORC – Ordem Rosacruz. Autor de nove livros publicados e detentor de dezoito prêmios literários, em âmbito nacional. Autor CONTRATADO pela MADRAS Editora, de São Paulo.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

MAR DE VIDRO (*)

Ao concluir a leitura de “Imitação de Cristo”, de Tomas de Kempis, livro publicado por volta de 1480 e, para minha surpresa, o autor da apresentação informa que depois do Livro da Vida, a Bíblia, fica em segundo lugar no ranking dos leitores cristãos. Até o Capítulo concernente ao Apocalipse, terminei a leitura ontem. Eu prometi a mim mesmo que faria essa leitura e posterior reflexão há mais de 25 anos. Há evidências inquestionáveis com o caos em que estamos mergulhados e não sei se existirá saída para essa situação-limite. Afinal os escritores que se prezem têm a obrigação de ler os Clássicos: Dom Quixote, Shakespeare, Spinoza, Aristóteles, Machado de Assis, Ruy Barbosa, James Joyce, Érico Veríssimo, Rousseau, Goethe, Voltaire, entre outros. Quando eu tinha cerca de 37 anos eu prometi: “se acontecer isso comigo, a vida acabou para mim”. Eis o fim. E há três dias o fato efetivamente aconteceu de maneira covarde, selvagem e cruel. Por enquanto estou até o presente momento na plenitude da angústia, tristeza e depressão; e vem o sentimento de culpa e o remorso: porque eu fui àquele local. Não há desculpa e nem perdão, sou eu o culpado. Em maio de 2011, minha mãe faleceu. Eu senti que, visceralmente, 50% de mim foi enterrado junto com ela: a mãe-amiga, confidente, a mãe que, sobretudo, por meio de suas orações intermináveis me protegia porquê sei que Deus a ouvia e atendia suas preces e novenas, principalmente, quando eu pegava a estrada de Anápolis ao Rio de Janeiro para trabalhar como jornalista (Superintendente de Imprensa), dirigindo sozinho o meu próprio carro. Sei que passei por situações graves na estrada mas, a minha fé no Senhor Jesus e São Judas Tadeu, evitaram graves acidentes. Agora depois deste episódio recente, não sei se zerei a minha vida, após os 50% que deixei enterrados no túmulo de minha mãe. Agora, hoje, aqui talvez eu tenha apenas 9% para resgatar tantos karmas acumulados na contabilidade espiritual. Há, até hoje, o mar morto... e sei por meio de fonte fidedigna que este mar jamais morreu... as suas águas são grossas e rasas. Dizem que os homens de letras que assumem uma cadeira numa Academia de Letras, torna-se, automaticamente, “imortal”. Fico feliz por esta imortalidade ter acabado: num gesto extremista, xiita e radical, a nova presidenta demitiu todos os escritores que não têm residência fixa em Paracatu, MG. O ser humano não tem credibilidade, são mutantes, atendem apenas aos seus interesses próprios que os benefície. Em 1997 quando fui convidado a compor o quadro de membros efetivos daquele sodalício, só haviam 7 (sete) escritores com livros publicados; um deles sou eu. Vocês da diretoria atual e anterior, são seres abjetos, arrivistas, interesseiros e sem caráter, tal como macunaíma. Estou com um portfólio e/ou dossiê para entrar na justiça e condená-los pelo ato espúrio e ilegal. Um membro quando é empossado numa Academia de Letras, justamente por ser considerado “imortal”, ele só pode ser afastado por um único motivo: quando morre. Hoje, quando eu me lembro que, com 13 anos meus pais mudaram para Anápolis, com todos os meus irmãos, foi a melhor decisão que eles tomaram. Ambos sabiam que essa cidade escravocatra é uma urbe de fofoqueiros, invejosos, falsos, cruéis com os trabalhadores, invejosos e medíocres; hipócritas. Joaquim Barbosa, um filho ilustre?! Definitivamente mostrou, recentemente, que não é um homem confiável, uma raposa interesseira e aparece na mídia para emitir opiniões contraditórias, covardes e equivocadas. Quando eu ia lançar meus livros, um tapete vermelho era estendido. E elogios de toda ordem. Quando publiquei, em 2006, o “Crepúsculo e Aurora”, tive a presença ilustre do Prof. Químico, Empresário, cientista político e escritor Osvaldo Costa. Por incrível que pareça, ele nasceu em Paracatu e morava também há muitos anos em Anápolis, onde dirigia o seu próprio laboratório na rua 7 de setembro. No discurso do amigo Osvaldo Costa algo me surpreendeu pela sua generosidade e autenticidade, num trecho do discurso”: “Paracatu deve muito ao escritor Eugenio Santana!” Tenho enorme saudade da infância naquela cidade que tive a felicidade de nascer: a infância, com meu irmão Eustáquio, irmã Maria Lúcia e, especialmente, Maria das Graças, que me acompanhava pelos arredores da cidade, principalmente junto a Natureza, já que eu gosto dos pássaros e da pesca. E quanto ao Mar Morto? Será um Eugenio Santana ignorado, esquecido, abandonado e vivendo o seu mais elevado ostracismo? Restará os 9%? Creio em Milagre e Superação mas, confesso que a minha resiliência está lá embaixo num vale de difícil acesso. Mar de vidro... minha danação? Tive muitos cortes, nos braços, pernas, mãos, dedos, joelhos, pés e na alma e no coração. Feridas agudas, quase irremoviveis. Aprecio tanto as águas correntes... das fazendas esvoaçantes que, obstinadas, não me saem da lembrança: “Fazenda Aldeia de Cima”, do meu avô materno José Ulhoa Santana, onde nasci e depois desfrutei, do mesmo avô, a fazenda “Forquilha” e mais tarde, a “Fazenda Rio das Pedras”, em Pirenópolis... o período mais feliz do meu pai e de minha mãe... Paracatu, sequer tenho o seu retrato na parede, como diria Drummond. Em Anápolis, fiquei morando sozinho aos 16 anos e conquistei nesta mesma idade o primeiro emprego de auxiliar administrativo; aos 18, fui promovido a Chefe Administrativo do Grupo Empresas Constante; terminei o ginásio e o segundo Grau aqui na querida Anápolis e já com a tendência natural para a escrita, foi nesta cidade em que publiquei o meu primeiro texto no jornal “Correio do Planalto”. Por baixo do “Mar de Vidro” existe um oceano paralelo: medonhos animais marinhos; e indescritíveis feras, tais como Vespa-do-mar, Serpente marinha, Peixe pedra e Polvo-de-anéis-azuis. Quem sabe o “meu mar de vidro”, venha a ser o meu sombrio oceano de dentro? O “mar de vidro” oportunizou que eu passasse por quase todos os sofrimentos: expectativas inúteis, adversidades, frustrações, sonhos inalcançáveis, convicções mutiladas, incertezas, solidões, torturas físicas e morais, saudades de filhos/filhas biológicos? Resta o moço-velho esquecido mergulhado no ostracismo tal qual Rimbaud na Abissínia, E.M.Cioran exilado em Paris; e, por fim, vejo Edgar - O Allan Poe - sussurando Lenora, Lenora e na janela pousado, o Corvo - com olhar melancólico. Assim como nasce, o ser fenece como o Crepúsculo e a Aurora embora eu tenha dúvidas sobre a imortalidade da alma. Holístico, tenho a face da Natureza humana tatuada em meus olhos embaçados. Ajoelho e choro. Oro. Sei que o Arquétipo de Hórus é meu seguidor e me persegue uma vontade irresistível de voar e transcender. Gratidão à Terra pelo retorno ao pó... O “mar de vidro”, em 9% de vida, talvez me dê dicas sólidas de errar menos e acertar mais, assertividade, humildade, paciência, gratidão e jamais revidar ofensas e calúnias. Que o “mar de vidro” me permita o Voo para o Céu... Afinal, uma das coisas mais belas da vida é olhar para o céu, contemplar uma estrela e imaginar que muito distante existe alguém olhando para o mesmo céu, contemplando a mesma estrela e murmurando baixinho: "Que Saudade!” A Cura do Mundo está na união de amor entre os Céus e a Terra – um pertence ao outro, um é parte do outro, como um todo, inseparável. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, filósofo, jornalista, gestor editorial e ensaísta. Autor de 20 (vinte) livros publicados. “Ventos fortes, Raízes profundas”, madras editora, entre outros. Ganhador de 18 prêmios literários de projeção nacional. Email: es.escritor1199@gmail.com - (62) 99635-8005 WhatsApp

sexta-feira, 4 de abril de 2025

O ESQUECIDO

Chega o Ciclo, provavelmente, o último. Eis um novo cenário. a peça teatral é a mesma, o protagonista, idem. E começamos, inevitavelmente, a gritar em silêncio, a manifestar-se em desacordo, o contraditório, (sutil) da frieza humana. E nas últimas três décadas o aumento (inacreditável?) de "pet shops"... E Saramago? Me salve, por favor! Da vida ávida, insossa, sem sabor: indolor, a física dor e moralmente sentimos tropeços lancinantes; dores na alma... Vai passar? E daí? Apenas, cinzas, névoas, neblinas e fascinação pelo insólito? Sigo assim, o mineiro-menino, moço-velho... Agora? Sem iusões, utopias e muito menos o sonho de consumo do "Santuário dos Pássaros"... Nesse "Ciclo", perdi os círculos rosacruzes, maçônicos, católicos, kardecistas, daimistas etc. Resta o olhar vago e o andar lento e trôpego. Minhas três referências? Foram enterradas e seus túmulos? Não visitados pelo velho andarilho da "florestrela": Pai Fabião, mãe Adília e o meu padrinho literário, "meu velho guru",meu melhor amigo, fráter cósmico Paulo Nunes Batista. Os três fazem tanta falta ao Planeta blue e, especialmente, ao meu coração. O fator trino, minha trilogia desfeita no que restou de mim. Um homem fragmentado. Machucado em suas próprias feridas e armadilhas promovidas pelo "si mesmo", Silêncio e Aurora e o meu Crepúsculo (minha página crepuscular), inauditas vozes silentes... E por quê sofremos? E tanto medo? E receio e incuráveis dúvidas. Não obstante, a vastidão de experiências e conhecimentos! De empresário editorial, dono de revista e jornal; eis-me aqui: operário industrial. Aposentei-me de mim? E por que tanto desapego antes da reta final? Concordo com o vale de lágrimas da poeta Adélia Prado, um misto de São Francisco de Assis (um dos maiores representantes de Cristo Jesus) e, por fim, santa Teresa de Calcutá: "O que importa não é entre você e o povo mas, entre você e Deus - O Altíssimo. Me apego. Apago? Oro. Choro. E lembro há tanto tempo de meus devaneios com Hórus - o filho de Ísis e Osires, meu Egito de Luzes e sombras na história humana; greco-romana. Eu me recordo mais da fazenda "Aldeia de Cima" que me basta. Paracatu? Já superei. Quando colaborei com a criação fundação da ALNM - Academia de Letras do Noroeste de Minas... Fui usado até ao ponto em que, com o passar dos anos, não fui mais útil. Ainda que, ocupei a cadeira número 2, acadêmico empossado em 20 de outubro de 1997, um dia antes de papai ir para o Plano Infinito. Drummond? Fez bem em não aceitar o convite! Guimarães Rosa? Aceitou! E três dias depois, estava morto! Senhores acadêmicos medíocres e hipócritas: não há imortalidade. Nesse sentido, e sem academicismo espúrio, deixei um legado: a publicação do meu livro de autoajuda e meu único best seller, encontrável em todo o país, mormente nas Capitais, "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras Editora, São Paulo, capital. Agora? A tela branca e as letras escuras em meu notebook, ouvindo Debussy. Avoé, São João da Cruz e a sua inquietante "Noite Escura da Alma", transformada em música pela notável Loreenna, de descendência celta. A noite chega. E amanhã eu trabalho. Labor? Lembro Rimbaud. Sonhos azuis? Pouco provável. Sonhando com a minha trilogia "mágica", já é um enorme ganho insólito e inigualável. Um prêmio inesperado da "mega" da virada. Seres na Luz compõem a minha sinfonia do inefável! Gratidão a Adília Santana, Fabião Couto e Paulo Nunes Batista. Protagonistas. Sei que eu também tenho o direito de embarcar na Nave-Mãe, eternamente anonymmous e coadjuvante. (Escritor/ jornalista/filósofo Eugenio Santana, FRC)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

NASCI PARA AMAR OS OUTROS E ESCREVER...

Necessitamos dar sentido à vida ávida para que o medo da velhice não nos aterrorize. Volto às emoções precárias. O medo da velhice vai chegar a algum momento para cada um de nós. Na minha modesta opinião, não há como trancar a porta e perder a chave. Ele virá quando menos se espera. Uma amiga, Nazareth Oliveira, que falava compulsivamente sobre a velhice, não tinha sequer 60 anos. Mas o medo chegou, voraz. E agora, Maria? Parafraseando Drummond. E agora? O que se faz com esse medo incontrolável de envelhecer? Lamentar o tempo que se foi e temer o que há de viver, ou viver sem pressa, reformando o novo lar? Não quero parecer ingênuo, mas não podemos fazer concessões a essas emoções fugazes. Que venham, já que virão. Mas que nos encontrem dispostos a dar significado aos nossos encontros nas varandas que se abrem para aqueles que não temem a novidade do encontro e do recomeço. Chegadas e partidas. O livro de Tolstói está aí, solitário em alguma livraria, no meio de tantas guerras que travamos com as nossas emoções precárias. Clarice Lispector confessou certa ocasião que havia nascido para três coisas: "Nasci para amar os outros, nasci para escrever e nasci para criar meus filhos". Incluindo os livros, grifo meu. E prosseguiu: "As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Não posso perder um minuto do tempo que faz minha vida. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca." O tempo é como um rio que inexoravelmente ruma ao mar. E o rio às vezes frequenta cenários exuberantes e não pode parar, nem assim, para contemplá-los melhor; outras vezes penetra em paragens enigmáticas e tem de percorrê-las sem o poder da pressa. É o curso. É o tempo, é o espaço. Penoso e feliz. Desconhecido. O dia é uma página em branco que escrevemos. E o outro dia haverá de vir com a mesma fome de palavras de luz, de atitudes altruísticas. O medo não pode nos roubar a tinta, a inspiração, o texto já elaborado na tela mental. A vida segue o seu rumo, inapelavelmente. Qual a melhor idade? Talvez aquela que supera o medo de ter qualquer idade. E, se não vencê-lo, que tenha a coragem de enfrentá-lo com esperança e fé. A esperança reacende a chama do comprometimento com o outro. É o outro, com suas imperfeições, limitações, fraquezas e estranhamentos, que reanima a minha existência no planeta-escola. Meu ofício de ESCRITOR é meu instrumento de vida. (Escritor/jornalista/ensaísta/filósofo EUGENIO SANTANA)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

BREVE VOO DO TEMPO (*)

Quanto tempo é para sempre? É o tempo em que ficamos ou a promessa de partirmos? É nunca mais; até à próxima, um instante? Um até já; um momento, um breve fragmento? É um raio de sol que nos cega num morno fim de tarde de Agosto? É a realidade captada pela tua lente: para sempre? É uma ausência que dói; uma gota que se faz mar; um acorde perfeito; uma sinfonia; um choro; um grito? É uma porta que fechas; mais um degrau que avanças; um capítulo encerrado num livro escrito pelo vento ou pintura improvisada na tela quente do teu corpo? Uma reta; uma espera; um passeio? A espuma do nosso banho; a chama daquela vela; a chuva a bater na janela? É a distância que a tua boca demora? Uma carta de despedida, escrita a tinta permanente? Uma árvore que plantas; uma estrela que prometes; uma nuvem que ofereces? Um poema roubado; um fim de tarde inventado? Um banco de jardim e um livro? São memórias, lembranças e histórias, bilhetes confessados em pedaços de papéis rasgados? Para sempre é o tempo suficiente; o tempo que não chega - o tempo que perdemos. Todo o tempo do mundo. Para sempre é um lugar onde moram as promessas, os planos, os sussurros, os pecados; nas madrugadas que não terminam, com corpos que não são nossos em vidas que não nos pertencem. Quanto tempo é para sempre? É hoje: agora - o presente. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, filósofo e gestor editorial. 20 livros publicados, entre os quais, o best seller, "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora, São Paulo. (62) 99635-8005 WhatsApp

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

ROSTO DESFIGURADO...

Restam-me as mãos imensamente vazias. Resta-me o olhar preso ao horizonte onde não existe mais você. Resta-me um "Rosto Desfigurado", a lembrança de uma silhueta alta que comigo criou pedaços de vida, hoje soltos e jogados ao vento. Resta-me o olhar perdido, incontido a explodir migalhas. Fragmentada ausência de espaço físico de um ser amigo, chamado mulher. Mulher sensual dos vividos, sofridos e revisitados vinte e poucos anos... de solidão, repressão e implosão. Amalgamados nos sentimentos que exprimem e deprimem esse vai-e-vem inconstante: o amor. Resta-me a libido corroída, lasciva na dor da perda de um corpo, de um ser . Corpo no qual meu coração tentava criar asas para voar... voar... voar... Resta-me, no âmago, a saudade amordaçada, presa e vencida, inserida na dor da flor que murchou e dividiu nossos camnhos. Resta-me esse louco e incontrolável desencontro ou desencanto? ( by Eugenio Santana - In "Asas da Utopia", Santana Edições, Brasília-DF, 1992)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

SINFONIA INACABADA... (*)

Vivemos sendo colocados à prova. Dia sim, dia também, a vida nos cobra decisões, posições, atitudes. Escolhas feitas no passado, estão sempre prontas, transformadas em consequências e embrulhadas num pacote de presente a nos esperar, na próxima esquina, no travesseiro onde tentamos repousar nossas confusas cabeças à noite, no despertar da manhã. Ao contrário do que vivemos querendo acreditar, muito poucas vezes nos cabe o papel de vítima. Em uma maioria esmagadora de vezes, o que nos acontece é fruto, consequência, resultado de nossos próprios atos, tenham sido eles gestos honrados, atitudes covardes ou rompantes de bravura. Nada é capaz de nos proteger de nós mesmos. Nada! Viver não é um risco calculado. Está longe de ser um projeto idealizado. É a cada dia da vida, com pequenos passos e gestos miúdos que vamos delineando a nossa própria sorte. Construímos nossa história lá na frente com tijolinhos colecionados lá atrás. Juntamos aos tijolinhos, pedrinhas que colhemos no caminho; algumas escolhidas em momentos bem vividos, outras tantas atiradas sobre nós. E, o que dá a liga nessa sempre interminada obra, é a nossa essência, pautada em nosso caráter e moldada por nossa capacidade de interpretar cada obstáculo como um sedutor desafio. E, a cada página escrita desse conto desconstruído, vamos nos vendo em pequenas frestas de luz e de sombras. Vamos experimentando a glória do protagonismo, a secundária presença do coadjuvante, a plácida alienação do cenário, a silenciosa participação dos figurantes. O drama nos pega pelas veias mais intensas e nos confronta com a interpretação do real, inundando a tela de tons opacos e, ao mesmo tempo, carregados das cores primitivas das emoções que nos movem nas desencontradas melodias da vida. E, entre notas, compassos, timbres e tons, não nos esqueçamos que a sinfonia pode sair completamente distorcida, caso descuidemos desse instrumento multiforme e perfeitamente arquitetado que nos serve de morada à alma. Olhemos para os nossos pés, com o devido respeito que merecem os alicerces. Contemplemos nossas mãos com a humilde reverência destinada aos milagres. Dediquemos aos nossos olhos e ouvidos a atenção devida aos portais de sabedoria. Que a nossa boca seja provida e provedora de delicadezas puras. Que nossa pele seja proteção e contato com o sentimento antes do toque. Que nosso prazer seja alimento e alento para nos ensinar que, ao nos diluirmos uns nos outros, é que nos reencontramos inteiros no líquido universal da vida. E, então, talvez um dia, com todos nossos sentidos despertos e confessos, sejamos capazes de compreender que essa nossa transitoriedade é tanto assustadora quanto maravilhosa. Morremos um pouquinho a cada instante; a cada beijo de amor que nos rouba o fôlego; a cada desencanto que nos reduz a lágrimas; a cada limitação vencida que nos convence e insistir, persistir, superar. Que a nossa data de validade seja a nossa compreensão, enfim, de que é em nossa finitude que reside a razão de ainda estarmos vivos, e não apenas respirando. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, agente literário, biógrafo, copidesque , revisor textual e filósofo Rosacruz. Autor de 20 livros publicados, "Ventos fortes, raízes profundas", é o best seller, Madras editora, SP. (62) 99635-8005 WhatsApp e (62) 3311-5532 - E-mail: es.escritor1199@gmail.com

domingo, 1 de dezembro de 2024

SOMOS TODOS DIFERENTES

Contudo, paradoxalmente, um dos maiores desafios que enfrentamos em nossos relacionamentos é justamente o fato de diferirmos uns dos outros. Podemos perceber o mundo de várias maneiras. Um grande obstáculo com o qual certamente deparamos quando tentamos construir relações é o desejo, ou a expectativa, de que o outro pense do mesmo modo como nós, o que criaria maior afinidade entre as partes. Em geral nos sentimos mais confortáveis quando percebemos que o outro “entende” o modo como pensamos e compreende nosso ponto de vista. Todavia, se todos fossem iguais a vida do ser humano seria bastante monótona. E embora isso pudesse, a princípio, facilitar as coisas, a novidade dessa “igualdade” logo se dissiparia. Portanto, a despeito de ostentarmos personalidades distintas, o primeiro passo para construirmos relacionamentos é aceitarmos o fato de que todos nós somos realmente diferentes uns dos outros. Cada pessoa conta com seu próprio conjunto de pontos positivos e negativos. Neste sentido, será bem melhor e mais produtivo investir tempo e esforços no aprimoramento das próprias limitações, que desperdiçá-lo criticando características alheias. Também é fundamental nos concentrarmos nos pontos positivos das pessoas, e aceitarmos o fato de que para cada um deles sempre haverá um contraponto negativo. Focalizar as qualidades do ser humano, celebrá-las e inclusive alimentá-las, são maneiras de reforçar futuros comportamentos positivos. Muitos relacionamentos acabam pelo simples fato de as pessoas investirem tempo demais corroendo a autoestima alheia por meio de críticas negativas, e tentando fazer com que o outro se transforme em algo que não é. Também é crucial reconhecermos que, às vezes, o que não gostamos ou aceitamos no outro é justamente algo que não apreciamos em nós mesmos! (Escritor/jornalista/ensaísta EUGENIO SANTANA)

VÊNUS-AFRODITE

Conta o mito que Urano, o céu estrelado, e Gaia, a Terra, eram o casal primordial do mundo, tendo gerado muitos filhos. Urano, temendo ser destronado por algum deles, devolvia-os com rapidez ao ventre materno assim que nasciam. Gaia, cansada de parir incessantemente, conseguiu salvar seu filho caçula: Saturno (também conhecido por Cronos). Este, revoltado com a volúpia do pai, acabou por cortar os órgãos sexuais com uma foice. O esperma e o sangue de Urano caíram no mar, formando uma bela espuma branca, da qual se originou Vênus (ou Afrodite para os gregos). Dentro de uma grande concha de madrepérola, essa divindade foi levada por Zéfiro, o Vento, sobre as ondas do mar até a ilha de Chipre. Vênus (ou Afrodite) tornou-se conhecida na antiga Grécia não só por sua rara beleza, mas também por suas explosões de ódio e terríveis vinganças contra os que ousavam desafiá-la. Ela era a deusa do amor no sentido amplo da palavra, estando associada ao amor físico e carnal, e também a seu poder fertilizador e reprodutor na natureza em todas as suas manifestações: humanas, animais e vegetais. A preservação das espécies encontrava-se sob seu domínio. A chuva da primavera era o elemento fecundante enviado à terra por essa divindade. Outras deusas, de outras culturas, também tinham características simbólicas semelhantes à Vênus. São elas: Inanna na antiga Suméria; Ishtar na Babilônia; Lakshmi na Índia; e Ísis no antigo Egito. O arquétipo de Vênus surgiu em todas as mitologias antigas como ícone da eterna feminilidade, representando desde sempre o tipo perfeito de beleza feminina. Dizem que Vênus era mãe de Eros, o deus do amor, que, com a evolução do mito, transformou-se em Cupido. Este é geralmente representado como um garotinho alado, que se diverte ao ferir o coração dos homens com suas flechas envenenadas de amor e paixão. Muito travesso e caprichoso, jamais cresceu, deixando sua imprevisibilidade e irracionalidade, muitas vezes marcadas nos corações apaixonados. Quem já ficou cego ou louco de amor bem conhece seu poder. Eros na verdade é uma projeção de Vênus; vale dizer: ambos representam a mesma coisa. Neles estão simbolizados a força universal da atração, o desejo do amor, da relação e da comunhão amorosa. Seu poder é imenso, pois interferem na vida das pessoas e no destino do mundo. (Escritor/jornalista/ensaísta/filósofo EUGENIO SANTANA)

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

ETERNO NO TRANSITÓRIO...

A VIDA É BREVE e tudo é passageiro. Tudo é lição. Cada dia abre novas possibilidades para o encantamento de quem olha a vida com mente arejada e coração esperançoso. Nesse mundo de vaidades efêmeras, rico é quem vê o Eterno no transitório. (Escritor/jornalista/ensaísta/filósofo Eugenio Santana, FRC)

domingo, 24 de novembro de 2024

PASSOU TUDO...

Sofrimento, remorso, expectativa, ilusões, crenças, convicções, incertezas, solidões, saudades. Resta o homem velho ESQUECIDO, abandonado, ignorado; mergulhado no ostracismo. Um Rimbaud na Abissínia, um E.M.Cioran exilado em Paris; e, por fim, vejo Edgar - O Allan Poe - sussurando Lenora, Lenora e na janela pousado, o Corvo - com olhar melancólico. Assim como nasce, o ser fenece como o Crepúsculo e a Aurora embora eu tenha dúvidas sobre a imortalidade da alma. Holístico, tenho a face da Natureza humana tatuada em meus olhos embaçados. Ajoelho e choro. Oro. Sei que o Arquétipo de Hórus é meu seguidor e me persegue uma vontade irresistível de voar e transcender. Gratidão à Anna Lopez. Gratidão à Terra pelo retorno ao pó?!... (Escritor/Jornalista/Ensaísta EUGENIO SANTANA)

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

QUEM SOU EU? UM AUTOR VAGALUME! (*)

Para definir meu trabalho, preciso primeiramente saber quem é você. Se você é um amante da literatura, me apresento como escritor romancista, contista, poeta e cronista. Se é um empresário, sou um redator publicitário, Analista de negócios, Consultor em mídias sociais, Gestão de Pessoas/RH, Relações públicas, palestrante motivacional e Assessor de imprensa. Se tem uma grande história de vida que gostaria de compartilhar com outros, sou um biógrafo com toques sutis de melancolia e filosofia mística. Iniciei meus trabalhos literários de forma efetiva, na década de 1980, escrevendo poemas, contos e crônicas para diversos jornais do país: de Porto Velho a Porto Alegre. Em 2010 criei o meu Blog "Guardião da Palavra", onde passei a publicar meus textos: crônicas, contos, artigos, silogismos, neuroforia, catarsis e ensaios, além de apresentar dicas, como Gestor da Hórus/9 editora, para escritores neófitos. Inútil dizer onde vivo. Não sou capaz de morar mais do que cinco anos em uma mesma cidade. Um homem de chegadas e partidas. Um Andarilho da flor estrela... Aquele que deambula à sombra da inquietude. Fácil a estratégia inconsistente ao mencionar que sou jornalista profissional. Sei que, por meio desse argumento jamais consegui ser convincente. A estrada me encanta e fascina. E o "sabor" do Crepúsculo e da Aurora? Indescritível. Instigante! Durmo de dia, escrevo a noite, e sonhos azuis e alados ocorrem em uni/versos paralelos e oníricos. Sei que já vivencio a Quinta Dimensão... Já quis viajar o mundo. Principalmente, morar no Egito, na França, na Espanha e na Alemanha. Já quis desaparecer. Perambulei a procura do meu "par ideal", e na volta, procurava por mim. Fiz boas ações. E algumas imbecilidades. Não insisto em ser, mas me orgulho de estar. A missão de ser escritor me fez atingir o nirvana, o self; a transcendência. Voei. Ícaro na Asa do tempo... O osso acima dos meus olhos chama-se frontal. A camada enrugada, azulada e cansada que o reveste, pele. O objeto de sua proteção chama-se cérebro. E no conjunto da obra, tenho um "rosto desfigurado" que já viajou nas asas da utopia e já foi guiado pelos pássaros. Este, resguardado, produz aquilo que me cansa e extenua, dia após dia: minhas ideias criativas, cósmicas e, algumas vezes, a economia verbal revela meu ciberespaço na magia encantadora da Língua Portuguesa. Escrever? Meu Vício Visceral! (*) Escritor, filósofo, jornalista e ensaísta EUGENIO SANTANA. Autor de 20 livros publicados, "Ventos Fortes, Raízes Profundas", meu bestseller, Madras editora, entre outras preciosidades. Radicado, atualmente, em Anápolis, Goiás, desde maio de 2023. Contato: (62) 99635-8005 WhatsApp. E-mail: es.escritor1199@gmail.com

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

CAÇADOR DO DESENCANTO (*)

Um homem calado, de olhar perdido e vago desce do automóvel e senta-se à mesa do Bar. Em cada canto vê desfilar os fragmentos que foram o microcosmo de sua vida atormentada. Com as mãos sobre a mesa, pede uma bebida qualquer e começa a recordar. Assiste em flash back as cenas dos velhos tempos. No olhar inexpressivo, delineia-se uma ponta de amargura, e a dor perpassa as barreiras do coração: sentimento de angústia na asa da saudade e da memória. Visão da janela do casarão: vilas perdidas, de casinhas brancas e portais azuis, perdidas nas asas do tempo e da lembrança tardia. Cicatrizes contundentes na alma provocara aquele antigo amor. Quisera fosse quimera e jamais uma obstinação. Hoje vem reaver pedaços de si que deixara nesta rua, nesta cidade, nesta mesa de Bar. Tentativa inútil de recompor a vida que se fora e se perdera nos labirintos de tarântulas e nos túneis azulados de uma existência de névoas e neblinas... Há anos guarda consigo estilhaços daquele estranho e perdido amor. O ser amado se fora como os peixes que se vão e se perdem nas enchentes de imensos rios. O homem cabisbaixo termina a bebida e pára a reflexão como num breve sussurro do vento. Sorvera doses em goles de velhas e carcomidas e indormidas lembranças, arraigadas no passado recente, já que a vida é feita mesmo de chegadas e partidas. Despede-se do amigo do Bar num aceno que traduz alívio, alento, serenidade e repentina paz interior. Entra no automóvel e ganha o calor da rua central. Nas Asas da Noite Imensa, difusa e misteriosa, desaparece a figura algo lírica e mitológica de um Caçador do Desencanto!... (*) EUGENIO SANTANA é jornalista, escritor, ensaísta e consultor em gestão de pessoas/RH e filósofo. Membro efetivo da ALNM – Academia de Letras do Noroeste de Minas, cadeira 2. Sócio correspondente do Centro Artístico e Literário de Portugal; Autor de 20 (vinte)livros publicados, inclusive a Biografia "João de Deus – o paranormal de Abadiânia". E do bestseller, "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora/SP.WhatsApp (62) 99635-8005

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

JARDIM DA ALMA

Há um jardim secreto, um jardim interior dentro de cada um de nós, em nossa Alma! Todas as vezes que precisamos de força, coragem, fé e esperança, então nos recolhemos em nosso silêncio, em um momento de oração, e introspecção, com os olhos fechados, respirando calmamente, e imaginamos o nosso caminhar no mais belo dos Jardins, o Jardim da Alma. Nesse momento, não devemos pensar em nossos problemas, mas focar nossa energia vital na resolução dos problemas, na Alegria, na Luz e na Paz. O Jardim da Alma é um espaço interior que conecta nossa Alma à Natureza e à Essência da Vida! (Eugenio Santana)

terça-feira, 15 de outubro de 2024

CONFISSÕES DE OUTONO...

E se algum dia, ajoelhado diante de seu túmulo, sentir que o fogo da raiva está tentando se apoderar de você, lembre-se de que na minha história, como na sua, há um anjo que conhece todas as respostas. E que tudo quanto era decente e limpo e puro nesse mundo e tudo por que valia a pena continuar respirando estava naqueles lábios, naquelas mãos e no olhar daqueles dois felizardos que, eu soube com certeza, ficariam juntos até o fim de suas vidas. Um homem jovem com uns poucos cabelos brancos e ligeira calvície e uma sombra no olhar caminha ao sol do meio-dia entre as lápides do cemitério, sob um céu preso no azul do mar. Leva nos braços um menino que mal pode entender suas palavras, mas que sorri quando encontra seus olhos. O homem permanece ali por um momento, em silêncio, as pálpebras apertadas para conter o pranto. A voz de seu filho, Enzo Gabriel, o traz de volta ao presente e quando ele abre os olhos vê que o menino está apontando para uma estatueta que desponta entre as pétalas de flores secas, à sombra de um vaso de cristal. Sua mão procura entre as flores e pega uma figurinha de gesso, tão pequena que cabe na mão fechada. Um anjo. As palavras que pensava esquecidas se reabrem em sua memória alada como uma velha ferida. O menino tenta pegar o anjo que repousa na mão do pai e, ao tocá-lo, seus dedos o empurram sem querer. A estatueta cai sobre o mármore e se quebra. E então ele vê. É um papelzinho dobrado escondido no interior do gesso. O papel é fino, quase transparente. Ele abre com a ponta dos dedos e, na mesma hora, reconhece a caligrafia... Guarda o papel no bolso. Em seguida, deixa uma rosa branca em cima do túmulo e retorna sobre seus passos com o menino nos braços, até a galeria de ciprestes onde a mãe de seu filho espera por ele. Os três se fundem num abraço e quando ela o encara no fundo dos olhos, descobre neles alguma coisa que não estava lá antes. Algo turvo e escuro que lhe dá medo. - Você está bem, Eugenio? Ele olha para ela longamente e sorri. - Eu te amo – diz, e a beija, sabendo que a história, sua história, ainda não terminou. Acabou de começar. (Por EUGENIO SANTANA, FRC, Escritor, filósofo, jornalista; gestor editorial)

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

PÁSSAROS DA AURORA (*)

Estar vivo é milagre permanente. Por muito pouco a vida se esvai: um coágulo de sangue no cérebro, um tropeção, o vírus, a bala perdida, o acidente de trânsito. A cada aurora, o renascer. Agora sei por que o bebê faz manha à hora em que o sono começa a vencer-lhe a resistência. Teme a morte, a segregação do aconchego, o retorno às cavernas uterinas. O sono apaga-lhe os sentidos, a consciência, o (con)tato com mãos e olhares afetuosos. De minhas ranhuras brota delicado som de flauta e violino. Não sou dado ao absinto e sei que a vida é aposta. Todas as minhas fichas estão postas no tabuleiro dos deserdados e excluídos e na felicidade compartilhada. Jogo ao lado dos perdedores. É apenas isto que me interessa: ao faminto, o pão e a paz. De que valem todos os poderes do mundo se não enchem um prato de comida? De que valem todos os reinos se não plenificam a alma com o sabor do morango? Não sou predador de pássaros. Quero-os vivos, livres, o vôo esperto atravessando as asas do vento. Quero-os saltitantes entre as flores que cultivo no jardim da memória. Quero-os gorjeando sinfonias matutinas. Quero-os despertando-me, sem, contudo me provocarem a vertigem das alturas. Chega de abortos! Quero a vida despontando na cidadania plena, na obstinação dos inconformistas, na ociosidade intemporal dos mendigos, nas mulheres condenadas a bordar dores incolores, na despossuída humilhação dos que suplicam por um pedaço de terra, de chão, de casa, de direito. Tenhamos todos acesso à vida, distribuída com fartura como pão quente pela manhã, sem jamais temer as intermitências da morte. D/amor/te. Quero um tempo de livros saboreados como pipoca, o corpo saciado de apetites, a mente livre de dúvidas, a alma matriculada num corpo de baile, ao som dos mistérios mais profundos. E de pássaros orquestrados pela aurora, rios desnudados pela transparência das águas, pulmões exultantes de ar puro e mesa farta de manjares dionisíacos. Reparto meu pão com (sol)dados de afetos, dançarinos trôpegos de incertezas, duendes que povoam alucinados meu imaginário, musas incorrigíveis de meu fragmento literário, anjos protetores de minha frágil fé e místicos que revelam o pior de mimesmo. Neste mundo desencantado, mas não redimido, neles sorvo a minha regeneração como as anfípodas que, no fundo mais profundo dos oceanos, se banqueteiam de flocos de matéria orgânica. (*) EUGENIO SANTANA é Escritor, Filósofo, Ensaísta, Biógrafo, Jornalista MTb 001319. Membro da ADESG-DF – Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra, colaborador do Greenpeace-SP. Autor de 20 Livros publicados. "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora, SP, é o seu best seller. E-mail: es.escritor1199@gmail.com - WhatsApp: (62) 99635-8005