segunda-feira, 30 de julho de 2018

HELENA KOLODY: RÉQUIEM OU ENSAIO; MEMÓRIA OU SAUDADE? (*)

Helena Kolody, um dos nomes mais expressivos da poesia contemporânea do Paraná, nasceu em Cruz Machado, Paraná, no dia 12 de outubro de 1912. Filha de imigrantes ucranianos que se conheceram no Brasil, com um ano de idade mudou-se com a família para Três Barras do Paraná, em seguida morou em Rio Negro e depois fixou residência em Curitiba. Com 12 anos, Helena escreveu seus primeiros versos. Em 1928, com 16 anos publicou o poema “A Lágrima”, na revista “Marinha”, de Paranaguá, a maior divulgadora de sua obra. Cursou a Escola Normal de Curitiba, e a partir de 1931, já formada, lecionou em diversas escolas, e por fim, lecionou na Escola Normal de Curitiba durante 23 anos. Em 1941 publicou seu primeiro livro “Paisagem Interior”, com 45 poemas, entre eles três "haicais", o primeiro: "Arco-íris": Arco-íris no céu./Está sorrindo o menino/Que a pouco chorou. Era a primeira vez que uma mulher publicava haicais no Brasil. Desde então, dedicou grande parte de sua vida a escrever poesias. Recebia críticas por não ter rima nos haicais, mas mesmo assim continuou publicando essa forma de fazer poesia. Em 1945, no segundo livro “Música Submersa” publicou o mais famoso deles, “Pereira em Flor”: De grinalda branca,/Toda vestida de luar,/A pereira sonha. Em 1985, Helena Kolody recebeu o Diploma de Mérito Literário da Prefeitura de Curitiba. Em 1988, foi criado o “Concurso Nacional de Poesia Helena Kolody”, realizado anualmente pela Secretaria da Cultura do Paraná. Em 1989, o Museu da Imagem e do Som do Paraná gravou e publicou um depoimento da poetisa. Em 1991 foi eleita para a cadeira nº 28 da Academia Paranaense de Letras. Em 2003, Helena recebeu o título de “Doutora Honoris Causa” pela Universidade Federal do Paraná. Faleceu em Curitiba, o dia 15 de fevereiro de 2004. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, revisor de texto e palestrante motivacional. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: gestoreugeniocouto@yahoo.com e WhatsApp (41) 9547-0100

sexta-feira, 27 de julho de 2018

CAMINHO DAS PEDRAS: PUBLIQUE SEU LIVRO (*)

Vale salientar que, nem todas as editoras estão efetivamente recebendo originais, visto que algumas importam suas obras ou por política interna da editora. Antes de enviar seu original, é importante saber se é uma editora comercial, ou seja, aquela que acredita no seu trabalho e banca sua publicação. As editoras prestadoras de serviço irão publicar seu livro, basta você pagar. Em artigo futuro abordarei as vantagens e desvantagens de cada uma dessas formas de publicação. Cada editora possui uma metodologia própria de recebimento e originais, sejam eles, por CD, Pen drive, impresso… então, busque essas regras e se adeque para não ter sua obra descartada sem sequer ser avaliada; como as editoras recebem muitos originais por mês, pode ter certeza que, se você não seguir o procedimento correto, a editora não avaliará sua obra. Outro ponto importante antes de enviar seu original para avaliação é pesquisar quais obras cada editora publica, pois a grande maioria dos originais são descartados por não estarem de acordo com a linha da editora. Por exemplo: Não adianta você mandar um livro de ficção para uma editora que só publica livros didáticos. Em minhas pesquisas, verifiquei também que as editoras gostam quando o escritor se familiariza com a empresa, ou seja, conhece os livros que publicam… O mercado editorial é exigente e o mínimo diferencial pode lhe destacar de outros tantos bons aspirantes a escritores. É fundamental buscar e demonstrar que você se familiarizou com a editora e direcionar o original à pessoa correta (normalmente “ao” ou “a” Diretora Editorial). Um ponto que quase todas as editoras exigem é, na carta de apresentação, mencionar os livros publicados pela editora que estão na mesma linha da sua obra. Cada uma dessas dicas corroboram para demonstrar a vontade do escritor de ser publicado pela editora na qual acaba de enviar o original. Caso você leitor também tenha informações de editoras e quiser compartilhar e enriquecer esse artigo, fique a vontade para agregar valor. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, revisor de texto e palestrante motivacional. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: gestoreugeniocouto@yahoo.com e WhatsApp (41) 9547-0100

sábado, 7 de julho de 2018

INCONCEBÍVEL E INACEITÁVEL CRUELDADE HUMANA (*)

Quando o escritor português José Saramago afirmou que os animais podem ser selvagens, mas que apenas o homem é cruel, ele estava chamando a atenção para um fato bastante inquietante, que subverte profundamente a imagem que temos de nós mesmos. Ele estava dizendo, da maneira mais clara e assustadora possível, que a crueldade é um fenômeno humano (e não animal). Uma afirmação que, sem dúvida alguma, põe em jogo duas certezas bastante arraigadas em nós: a de que o excesso de agressividade está relacionado à nossa herança selvagem e a de que a razão fez do homem um ser realmente superior. De fato, do ponto de vista moral e ético, a ruptura que o homem fez com a vida natural não parece ter feito dele um ser melhor. É claro que se pode alegar que somos superiores exatamente porque somos os únicos animais capazes de desenvolver uma moral e uma ética, mas isto também não depõe muito em nosso favor, já que também somos os únicos a realmente precisar delas, já que os animais vivem integrados à natureza e nunca transgridem as suas leis. Sim, é exatamente isto: é porque os homens transgridem suas próprias leis e, sobretudo, é porque a nossa espécie é a única capaz de cometer atos bárbaros por prazer ou descaso com a dor alheia (como diz Saramago, um animal jamais tortura ou humilha o outro), que precisamos de leis que regulem a vida em sociedade. Sem dúvida, a justiça é uma necessidade, mas exatamente porque nós, os ditos “animais racionais”, ainda não aprendemos a respeitar a existência alheia. Sem dúvida, vendo à distância o mundo humano, com tanta desigualdade, miséria, guerras, exploração e escravidão (humana e animal), é difícil acreditar que somos realmente seres racionais, compassivos e sensíveis. E, no entanto, apesar de tudo, é isto o que somos, pelo menos, potencialmente (eis porque, quando a razão e a sensibilidade se aliam no homem, ele é capaz de produzir uma existência verdadeiramente bela e ética). No entanto, o problema é que, na prática, o homem se comporta sempre aquém das suas potencialidades e aí, sim, cabe-nos perguntar por que o homem pode tanto e atinge tão pouco? Decerto, alguns responderiam: “ele não pode: isto é uma falácia!” Outros, por sua vez, diriam: “ele pode, basta querer!” Pois tanto os primeiros quantos os segundos se equivocam: os primeiros estão mergulhados no pessimismo que, certamente, tem sua origem (até certo ponto justa) numa visão clara do que tem sido a vida humana; já os segundos são otimistas demais, acreditando que a vontade é livre o suficiente para escolher. Os dois erram, porque, de fato, o homem pode mais, mas seus valores o dirigem de tal maneira que é preciso, primeiramente, que ele se liberte de seus antigos grilhões, ou seja, que se liberte dos conceitos e das ideias que o tornam prisioneiro das circunstâncias, que o tornam passivo e resignado diante de um mundo que ele não acredita poder mudar. Aqui entramos no cerne da questão: as sociedades se estruturaram, desde os seus primórdios, de modo a beneficiar alguns em prol de outros (eis porque, desde o início, os homens escravizam outros homens e também os animais). Esta é a origem da exploração e das desigualdades. É assim que nos acostumamos, desde cedo, a usufruir de outras vidas, aprendendo a fechar os olhos para a crueldade e para a tirania, como se elas fossem naturais em nós, quando, de fato, elas expressam o adoecimento da nossa espécie. Sim, a inversão do pensamento começa aqui: não somos primeiramente seres selvagens e maldosos que se aculturam e se tornam sublimes. Como um animal dentre outros, nós possuímos censores naturais que nos impedem de ultrapassar certos limites; mas, em sociedade, somos criados para obedecer regras inventadas pelos próprios homens e é aqui que tudo se complica e se confunde. Afinal, é a própria sociedade que nos ensina o descaso com a dor alheia, dos homens e dos animais. E, assim, como todos os demais, acabamos ou explorando os outros diretamente, e sem culpa, ou usufruindo, também sem culpa, dos benefícios da exploração. Afinal, temos o consentimento da própria sociedade para sermos pequenos tiranos. Existe, de fato, uma razão perversa para que os homens sejam mantidos de olhos fechados. É que é preciso que eles continuem na escuridão e na servidão dos valores para que a desigualdade, a exploração, a escravidão, continuem existindo. Este é o maior de todos os atavismos humanos: aprendemos a nos beneficiar dos outros, aprendemos a ser, na verdade, imorais, antiéticos. É a nossa moral que tem sido, há milênios, uma falácia. Triste condição a nossa: somos vítimas de nossa própria inteligência superior. Na ânsia de fazermos parte do mundo, de nos integrarmos ao nosso meio social, apertamos ainda mais os nossos grilhões, tornamo-nos escravos e, ao mesmo tempo, agentes de nossa própria servidão. Servidão voluntária e até mesmo desejada, porque é mais fácil viver como todos os demais do que abrir os olhos e tomar nas mãos a própria vida. De fato, é difícil mudar… mas andar também é e, no entanto, basta darmos os primeiros passos que os outros se seguem facilmente. Quase tudo no homem é hábito, é aprendizado. Por isto, a educação é tão fundamental e, mais ainda, uma educação que se volte para produzir um homem verdadeiramente superior, moral e eticamente falando. No fundo, por mais polêmica que pareça esta afirmação, o que resiste em nós de mais sublime é exatamente o nosso instinto mais elementar, que nos sopra aos “ouvidos” que agimos mal o tempo inteiro. É nossa saudável razão natural (como diria Nietzsche) que nos alerta, e não o que homem tem chamado de moral. Na verdade, não é nossa animalidade que precisa ser extirpada; é nossa falsa humanidade.Sem dúvida, somos animais incríveis, somos os criadores dos mais belos conceitos e valores, mas também somos facilmente corrompidos pela ambição, pela ganância, pela vaidade e, para atingir nossas metas ilusórias de felicidade, usufruímos de outras vidas sem qualquer pudor. Com relação aos animais, esta realidade é ainda mais terrível, porque quase ninguém considera a sua dor, o seu sofrimento. É assim que milhões de vidas são brutalizadas, humilhadas, mortas todos os dias, sem qualquer piedade. É por isto que, mesmo quando somos vítimas, somos também responsáveis pela crueldade que nos atinge. Afinal, a crueldade, mais do que a racionalidade, tem sido o principal atributo do homem. Eis uma verdade dolorosa, mas que é preciso encarar se desejamos mudar o que precisa ser mudado. Na verdade, o homem não tem sido, nem de longe, o animal superior que julga ser. Falando agora mais diretamente sobre a origem da crueldade humana, cito o grande historiador das religiões Mircea Eliade, que nos revelou algo de muito valioso em sua monumental obra “História das crenças e das ideias religiosas” (algo que endossa o que dizemos aqui a respeito do aspecto “contra-natura” da crueldade): o homem, inicialmente, não matava (nem mesmo para comer). Isto quer dizer que não somos originalmente nem carnívoros nem onívoros, e esta é uma informação que a ciência não deveria nos sonegar. Aliás, segundo as pesquisas de Eliade, toda a história posterior do homem é marcada exatamente por esta decisão que ele tomou no início dos tempos: a decisão de “matar para sobreviver”. Não vamos entrar na questão propriamente dita, falar da religião, que, segundo Eliade, está na base desta cruel decisão. Precisamos apenas entender que o homem tornou-se, de fato, o senhor da natureza, mas não por ser um animal divino ou por ser dotado de um espírito enquanto os outros seres vivos são corpos vazios; ele se tornou senhor da natureza porque tiranizou a vida, todas as vidas, inclusive a de sua própria espécie. Sem dúvida, esta primeira violação da nossa natureza não poderia deixar de causar marcas indeléveis no homem e, assim, não parece nada equivocado concluir que este primeiro ato de barbárie deu origem a todos os demais. Afinal, o que poderia se esperar de um ser que age contra sua própria natureza? Ele só poderia adoecer, enlouquecer. Não é isto, afinal, que Nietzsche diz dos homens: que somos animais adoecidos, que perdemos nossa “saudável razão natural”? Nós nos perdemos de nós mesmos e nunca mais conseguimos nos encontrar. É isto que explica esta espera ensandecida por alguém que nos salve, que nos tire do fundo do abismo, quando, na verdade, bastaria apenas que olhássemos sem medo para dentro de nós mesmos. Sim, somos o que aprendemos, mas por baixo de todas as ideias, crenças, conceitos, existe um animal desesperado que clama por liberdade e por uma vida mais digna. A felicidade não está nos bens que se obtém no mundo, menos ainda nos que se obtém à custa da exploração e do sofrimento alheio; a felicidade está em ser pleno, forte e capaz de viver sem macular a si e aos outros. Isto, sim, chama-se respeito ao outro; não o que tem sido ensinado. O homem inverteu a lógica da vida e assim produziu um mundo assentado na dor e no sofrimento. Sim, a vida tem dores e sofrimentos, já dizia Schopenhauer, mas o homem conseguiu multiplicá-las ao infinito. Não é a natureza que é cruel; somos nós: é isto que o homem se nega a ver. E ele vive tão imerso na dor e no sofrimento que chega mesmo a sentir-se atraído por eles; a se compor com eles, a lhes fazer elogios e a morbidamente saudá-los como inerentes à sua natureza. No entanto, a verdade é que, desde a infância, somos insensibilizados, adestrados para não reagir, para não sentir em demasia (nem amor, nem dor, nem compaixão, absolutamente nada… Descartes, de fato, confundiu as coisas: os homens é que se tornaram “máquinas sem alma”). Dito de outro modo: os sentimentos são em nós, desde cedo, aprisionados, dilacerados, considerados perigosos. Não se costuma dizer que a própria paixão é um perigo? Sim, o perigo da paixão é que ela pode nos desviar dos deveres que nos foram impostos pelo mundo; deveres aos quais aprendemos a obedecer como autômatos, mesmo quando eles nos rebaixam como seres humanos. Dito de modo mais claro: somos escravos de um mundo que nós mesmos construímos (e cada um põe um tijolo nesta construção enquanto não desperta deste longo torpor, deste anestesiamento moral que subverte nossa natureza e nos rouba a liberdade de sermos aquilo que somos: seres verdadeiramente humanos). É assim que todo homem permanece preso num círculo vicioso, aparentemente insolúvel, até que comece a dizer “não” para a crueldade, seja ela dirigida aos outros homens ou aos outros animais (certamente, as maiores vítimas deste mundo). É um caminho árduo, sem dúvida, mas como poderia ser barato o preço da liberdade e da plenitude humana depois de tanta inversão de sentimentos e ideias? Este é o verdadeiro começo: o primeiro “não” é sempre mais difícil, mas, depois do primeiro, outros se seguirão, e a cada “não” a nossa força aumenta, porque ela é proporcional ao nível da nossa libertação. Este é o maior legado que podemos deixar para as próximas gerações: libertar todas as vidas. Aliás, esta já é a condição para que as novas gerações sejam possíveis, porque a natureza não tolera mais a tirania humana. Ou fazemos algo agora ou é a natureza que seguirá sem nós: isto é um fato. Porque gostando ou não da ideia, não é a natureza que precisa do homem, somos nós que dependemos da natureza. Nós somos partes dela, e não o contrário. É por isto que libertar os animais é também libertar o animal humano da sua doença; é dar a ele uma nova possibilidade de existência que seja mais bela, mais ética, mais verdadeiramente racional. Não é sem razão que Nietzsche dizia que era preciso inventar novos valores para um novo homem. Ele não chegou a pensar tão profundamente na questão dos animais; mas ele sabia que um novo homem seria aquele que recuperaria o sentido da terra e da vida. Se ele afirmou que fizemos da mentira uma verdade, isto não quer dizer que não existam verdades simplesmente, que tudo “tanto faz”. Esta interpretação já tem sua origem na nossa inversão das coisas e é bem-vinda num mundo que busca argumentos para manter-se como é. Mas nem o capitalismo, nem o comunismo, nem qualquer outro sistema será justo enquanto não formos seres verdadeiramente éticos. Nós criamos as verdades que nos interessam. São mentiras: Nietzsche tem razão. Está na hora de “inventarmos” a verdade, ou melhor, está na hora de deixarmos que ela se mostre sem mais véus e dissimulações. “Da verdade mesmo, ninguém nunca quis saber”, também estas são palavras de Nietzsche. Mas, disto, falamos depois… (*) EUGENIO SANTANA é jornalista, assessor de comunicação, escritor, crítico literário, publicitário, editor, palestrante motivacional. Autor de nove livros publicados. Pertence a 18 instituições culturais do Brasil e Portugal.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

AZUL: O ESPELHO DO MAR E DO CÉU

Azul profundo. As linhas esbranquiçadas da espuma contrastavam com o denso mar, imponente e tranquilo ao mesmo tempo. O sol se despedia do horizonte, pouco ainda se via deste enquanto era tragado pela água. Algumas rochas ao fundo se rebelavam contra as ondas e formavam um forte natural contra qualquer monopólio de poder ou arrogância – algo a se pensar, talvez todos precisássemos das rochas nos recordando sobre os limites da ingênua ilusão por trás do sonho de supremacia. Um acordar como o do vento, que impulsiona a maré. Tons alaranjados e raios rosados acompanhavam o distanciamento do sol enquanto outro azul profundo – ora competindo ora em sinergia com o oceano – surgia na paisagem cada vez mais reflexivo. Algumas estrelas já eram visíveis e o velho homem sentado em sua varanda apenas aguardava o domínio da noite. Dizem que uma vida não é feita de períodos totalmente felizes, mas de instantes prósperos frente a desventuras, igual à fênix: imortal pelo fato – um tanto paradoxal – de morrer e ter a oportunidade de renascer de suas cinzas. Triste não ter dado tanto valor ao que tinha como agora. Por que agora? Agora não é tarde demais? Será que nós viveríamos de outra maneira se hoje fosse o único dia da existência? Claro! Contudo, quem sabe o segredo da vida seja exatamente não pensarmos assim. Se aquele velho homem percebesse todos os dias o que tinha nas mãos, talvez algum momento como aquele se perdesse. Talvez o sonho de grandeza devesse preceder a humildade. Quem sabe a experiência do mais velho não coubesse mesmo no espírito do mais jovem. E se essa fosse a engrenagem do mundo, viver conforme seu tempo? Aquele instante representava esperança, ele precisa de momentos para pensar em tudo e aqueles em que nada passava em sua mente. Ele amou alguém, porém ainda precisava de horas sozinho. Ele tinha a paisagem, mas não podia usá-la como uma de suas ideias, no momento que quisesse, deveria surgir como uma inspiração acima de tudo, além do controle e do planejamento. Não foi assim que ele imaginou estar hoje observando o céu, o mar e qualquer sinal de vida ao seu redor. Ele não queria estar sozinho; ao mesmo tempo, ele não mudaria um passo sequer de sua trajetória. Aquela era a palheta de cores mais perfeita, mais linda. Ele nunca reparava, sua esposa é quem falava sobre a beleza do que estava à frente. Era com ela que ele queria estar hoje. Não deu, não foi o que ele planejou. Por anos sozinho, mas jamais abandonado. O amor não abandona e nem sua esposa o abandonou. Ela não teve culpa, acho que ninguém teve, a vida é assim, não pede licença, somente acontece e traz reviravoltas para destituir as certezas vigentes. A esposa não está mais aqui, ele está. Mas hoje é diferente de todos os dias, ele tem certeza que é o último dia. Por quê? Porque nada está do formato que planejou, nada nem próximo do que ele já considerou. Mesmo assim, é lindo aos seus olhos. “E se ela não estiver mais aqui? Ela vai estar, obviamente. Eu vou primeiro”. Aquele homem não gostou nada de sua premissa ser a primeira promessa quebrada, como se, ao falar seus planos, a vida fosse acatar de bom grado instantaneamente. "Estaremos com nossas filhas... Nossos netos!”, não foi bem assim, eles tinham que estar em outro lugar e nunca pareceu tão certo, nem nos sonhos. “Não me importa se for um hospital, um asilo, a rua...”. Para ele, não fazia diferença mesmo, entretanto valeu a pena mudar de direção. Naquela casa, não. Naquela casa, sim. A casa que eles construíram, que eles arrumaram, a casa deles, a vista mais linda. Parecia que ela estava ali, sentada ao lado dele, descrevendo cada luz, cada nuance a mais que surgia aos olhos. Não era ele pensando, era ela, ou, quem sabe, fosse mesmo ele, uma versão mais conectada com um universo absurdamente mais longínquo do que a humanidade já considerou. Não era para ser ali, daquele jeito, naquele dia. Não era, mas foi, ainda bem. De todos os livros, de todos os autores, aquele fim soou melhor e o tom de surpresa – que o homem tanto odiava – foi um detalhe hoje insubstituível. Quando planejaria aquela reflexão, aquele segundo precioso intransferível e impensável? A luz não podia ser pensada, apenas existir e ascender. Uma vida inteira repleta de histórias, aprendizados, orgulho e amor; nada disso se esvairia com o ar como arquitetava. Não acabaria assim. Seria improvável dissipar essas conquistas exatamente por serem imaterializáveis. “Será que eu errei em tudo? Não. Acertei bastante e, tão importante quanto, hoje vou me orgulhar dos erros que me trouxeram a este lugar neste instante”. Talvez ele pudesse ter feito mais, ter feito outras coisas... Que os próximos façam. Não é essa a roda da vida? Sempre teremos do que nos arrepender e contraditoriamente continuaremos errando. Se não fosse dessa forma, seria presumível uma perda total do sentido de estarmos aqui. Aprender o quê, afinal? “Se tudo acontecesse como eu queria... O elogiável é não ter ocorrido, agora eu entendo”. E a noite já havia caído, o olhar se fixou no azul mais denso, que se transformava rapidamente em negro. Uma noite negra, linda, nem um pouco planejada por ele. As estrelas cintilavam e a lua aparecia timidamente ao fundo. As ondas estavam mais revoltas e as pedras aumentavam a altivez. “Eu era importante para os outros, na minha cabeça. Antes. Agora, sou importante para a vida, para mim, mas não diferente das estrelas, da lua ou do sol, que desapareceu mesmo que alguém se opusesse. O segredo é que eles sempre voltam, mesmo que somente na lembrança de uma pessoa que notou que havia algo lá. É assim que vou terminar meus dias, com uma inédita e, a partir de hoje, indispensável crença na imprescindibilidade de a humanidade persistir, graças e apesar de eu ter vindo”. “Sei que Deus e o universo (ou o que quiser acreditar) podem me amar, porque sou capaz de retribuir tal sentimento. Com o olhar de Ulisses e o de Penélope sobre o mar excentricamente calmo enquanto revolto, percebo que cumpri minha missão e, triste pelo fim, sinto-me certo de estar em casa, que valeu a pena vir”. Antes de cerrar os olhos, ele pôde ver a vista mais linda. Desviando a visão do mar, esbelto por natureza, o velho homem encontrou porta-retratos com toda a sua família, com sua esposa. As lembranças inundaram a varanda, uma profunda paz o cercou, maior em extensão e profundidade do que um oceano, era AMOR. E ele pôde fechar os olhos sabendo que, de todas as cores, de todos os tons, de todos os azuis que o mar e o céu pudessem espelhar, aquela era a paisagem mais linda do mundo. (*) Copydesk/Fragment By EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, revisor de texto e palestrante motivacional. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana9@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100