quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

DEUS É VENTO (*)

Quem somos? O intervalo entre o nosso desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de nós. Procuro despir-me do que aprendi. Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, desencaixotar minhas emoções verdadeiras, desembrulhar-me e ser eu, não Eugenio Santana, mas um animal humano que a natureza produziu. Mas isso, triste de nós que trazemos a alma vestida!, isso exige um estudo profundo, uma aprendizagem de desaprender... Quero raspar as tatuagens de Deus com que cobriram os nossos corpos. Teólogos, sacerdotes, fiéis – todos eles se dedicam a essa arte perversa. Pensam que suas palavras são gaiolas para pegar Deus. Com isso ofendem Deus: pintam-no como pássaro engaiolável. Mas Deus é Vento – é isso que quer dizer a palavra “Espírito”- não pode ser engaiolado como passarinho. Em outras palavras: não adianta, quando a gaiola se fecha, é porque o sagrado já voou para outro lugar. Deus está sempre além das palavras, no lugar aonde as palavras não chegam, onde só existe o silêncio. As gaiolas de pegar Deus têm muitos nomes: rezas, terços, novenas, orações, preces, mantras, rituais, promessas, templos, Bíblia, Corão. Mas só os cegos não percebem que elas estão sempre vazias. O Rio cujo nome sabemos não é o eterno. O nome que pode ser dito não é o nome eterno. O Rio que não tem nome: dele nascem todos os rios que têm nome. O Rio que não tem nome é o princípio dos céus e da terra. Os rios que têm nome; neles nadam dez mil peixes diferentes. O caminho para Deus começa com o esquecimento de todos os nomes que nos foram ensinados. Deus não se vê diretamente. Só através de espelhos. Bons espelhos não têm memória. São vazios. A gente sai da frente deles, e prontamente de nós se esquecem. Se tivessem memória, eles guardariam o nosso rosto, mesmo na nossa ausência. Para refletir Deus em tudo o que aqui e agora existe, meu coração há de ser um espelho luminoso, claro e vazio. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, autor de nove livros publicados, jornalista de mídia impressa, ensaísta, biógrafo e relações públicas. Membro efetivo da ALNM - Academia de Letras do Noroeste de Minas, sócio da UBE – União Brasileira de Escritores

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