sábado, 15 de janeiro de 2022

O MUNDO NÃO É REGIDO POR UMA FILOSOFIA OU CONJUNTO DE REGRAS (*)

Todos os dias construímos um santuário de preocupações e cuidadosamente veneramos cada um desses preciosos objetos. Existe sempre algo que está para acontecer ou uma questão relacionada à nossa saúde, sem contar alguma situação embaraçosa que tenha acontecido no dia anterior, ou mesmo há dez anos, mas que continua ocupando um lugar de honra no santuário. A preocupação não nos faz sentir mais confortáveis nem favorece melhores decisões. Ela fragmenta a mente, tira a concentração, distorce a perspectiva e destrói o bem-estar interior. A preocupação é um espécie de estresse autoaplicado. A preocupação é o caos mental, não é nada agradável - ou seja, é puro lixo, mas lixo que nós acumulamos e aturamos todos os dias de nossas vidas. Talvez as duas preocupações mais comuns sejam algo que vive nos incomodando ou alguém com quem discutimos até em pensamento. A primeira diz respeito ao futuro: um medo do que pode acontecer. A segunda dis respeito ao passado: angústia em relação ao comportamento de alguém ou em relação à maneira como algum acontecimento se desdobrou. É importante observar que as reações dos outros são o centro de nossa preocupação. Nossa mente não se prende a situações. Se fazemos algo realmente tolo enquanto caminhamos, podemos até rir disso, mas não vira uma idéia fixa - a menos, é claro, que o erro fique evidente quando retornamos. Nosso ego funciona de forma repetitiva, aumentando ad distância entre nós e os outros. A religião, que deveria promover conforto e amparo, pode levar à preocupação e, às vezes, ao terror. Padres, pastores e rabinos muitas vezes usam o medo para ensinar a doutrina e - por que não? - para aumentar as contribuições dos fiéis. Até o sistema educacional promove a ansiedade, ao fixar metas impossíveis e ameaçar com penalidades quem ousa se comportar de forma "imprópria". Do primeiro ao último ano da escola, os objetivos são conflitantes: responsabilidade, socialização, autoestima, consciência ambiental, criatividade, orgulho racial, consciência das drogas, administração do tempo etc. Os próprios professores variam amplamente na maneira como influenciam os alunos, até porque os livros e currículos escolares que lhes são entregues também contêm idéias complexas e contraditórias. O que se pode observar é que quando a mente está preocupada, ela se torna lenta e dispersa, ao passo que a mente tranquila é capaz de uma consciência ampla e firme, no mínimo, porque está distraída. Diante dessa perspectiva, pode-se dizer que a mente preocupada está desprotegida, dominada pela ansiedade, enquanto a mente tranquila pode avaliar a situação de modo mais rápido e preciso. Por isso mesmo tem mais chances de impedir um perigo iminente. De vez em quando, nos deparamos com situações potencialmente desagradáveis ou mesmo perigosas. O exemplo clássico é convidar um alcoólatra em recuperação a se juntar com pessoas que bebem muito. Naturalmente, às vezes somos obrigados a frequentar reuniões de colegas de trabalho, mas uma boa desculpa pode nos tirar de praticamente qualquer situação. Mesmo assim, muita gente não se permite utilizar essa opção porque tem uma definição radical de honestidade. Qual seria a resposta "honesta" a um convite desse tipo: "Não, não irei porque você e seus amigos se embebedam e se tornam tão chatos que eu poderia voltar a beber de novo. Caso vocês não saibam, sou um alcoólatra em recuperação." Será que esse tipo de sinceridade aumenta a consciência de alguém? A franqueza total pode ser considerada uma qualidade nos dias de hoje, mas, na verdade, quando as pessoas dizem "Preciso ser honesto com você", em geral prosseguem com um discurso de ataque, abandono ou traição. Os defensores da "honestidade" não deixam nada intocado. Muitos relacionamentos naufragam antes mesmo de começar porque os dois parceiros pensam que devem confessar todos os atos sexuais que tiveram ou pensaram ter na vida. Observe que essas confissões levam a um desentendimento maior. Elas iludem, não esclarecem. Vivemos em batalha constante com nosso cabelo, nossos dentes, pele, unhas, células de gordura, tamanho do nariz, altura, forma e idade. Quanto mais nos aprofundamos no corpo, mais reclamações surgem: seios horríveis, intestinos que se comportam mal, costas doloridas, joelhos traiçoeiros e juntas mal-ajambradas. Sem contar as lutas de vida e morte com nossos órgãos vitais, sistemas imunológicos e química do sangue. Eu poderia ir em frente, mas é uma história que começa a ficar assustadora. As pessoas têm medo e desconfiam de seu corpo, sentem-se traídas por ele e às vezes até o odeiam. Abrir mão desses pensamentos perturbadores é o único caminho para uma mente pacífica. Muitas pessoas só ficam em paz com seus corpos no momento em que estão morrendo - mas por que esperar até lá? Até os anos 1960 as pessoas não acreditavam tanto em leis metafísicas ou "princípios universais", mas sim no fluxo natural da vida. Se você fez o que é certo; se não questionou a autoridade, o seu lugar na sociedade ou a situação vigente; se não mentiu, não disse palavrões, não trapaceou, nem bebeu demais; se trabalhou muitas horas e poupou o seu dinheiro para poder transmiti-lo a seus filhos; se foi leal a seu país, à companhia para a qual trabalha, ao partido político, à universidade em que estudou; se cumpriu seus deveres conjugais... Então, tudo dará certo e em determinado momento você caminhará em direção ao pôr-do-sol. Esta abordagem estendia-se às escolhas pessoais, como a marca do automóvel, o estilo de roupa e até o gosto em questões de música e estrelas de cinema. O essencial era manter-se afinado com o status quo, que todos mais ou menos compreendiam e com o qual mais ou menos concordavam. Culturalmente, éramos bastante coerentes. Contávamos uns aos outros histórias das recompensas recebidas pelas pessoas que "trabalharam duro" e viviam "segundo as regras" e gostávamos dos exemplos do que acontecia a quem não vivia assim. Nossa sociedade acreditava que as pessoas sabiam como se comportar de modo que a vida funcionasse muito bem. Agora, neste século XXI, acreditamos que renegar "a maneira como se faz as coisas" proporciona uma oportunidade melhor para a felicidade. É preciso sentir-se livre para experimentar diferentes "estilos de vida" e formas "exóticas" de divertimento, além de estar aberto para mudar de amigos e familiares assim como se troca de trabalho, residência ou penteado. Não apenas questionamos os valores como passamos a derrubá-los obsessivamente. Já não sabemos olhar para qualquer coisa sem ansiedade, incerteza e cinismo. Todos querem saber quais são as forças e os fatos essenciais. Ansiamos por conhecer as regras e queremos que elas nos sejam explicadas e numeradas. Felizmente, isto jamais acontecerá. O mundo simplesmente não é regido por uma filosofia, doutrina ou conjunto de regras. Admitir essa verdade tira um peso enorme e totalmente desnecessário de nossos ombros. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, agente literário, redator publicitário e gestor editorial. Autor de 15 livros publicados e 3 no prelo. Membro da ADESG/DF, Greenpeace/SP, ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE - União Brasileira de Escritores. (41) 9.9909-8795 WhatsApp - Emal: es.escritor1199@gmail.com

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