sábado, 10 de abril de 2021

A SOMBRA DAS AUSÊNCIAS: O ESQUECIMENTO, A FACE OCULTA, O DESCONHECIDO, O GRANDE VAZIO (*)

O ar me trouxe nas tardes côncavas um bramido ou o eco de um bramido desolado. Sei que na sombra há Outro, cuja sorte é fatigar as longas solidões que tecem e destecem este Hades, e ansiar pelo meu sangue e devorar a minha morte. Nós e a nossa sombra, vida e morte, calor e frio. O som e o silêncio. A ação e a imobilidade. O medo e a coragem. A memória e o esquecimento. Desde Heráclito, que nos viu naufragar nas corredeiras do tempo, até Albert Einstein, a antimatéria, os buracos negros estilhaçados, orações e guerras, no precário equilíbrio da selva, à beira do vazio. Encarcerados nos inconcebíveis labirintos da razão, buscamos o que, na verdade, nós mesmos temos destruído, nas ruínas indecifráveis de uma História escrita somente pela mão arrogante dos vencedores. Quando morre alguém, desaparecem para sempre algumas informações exclusivas. A imagem de um cachorro correndo na neve, junto à janela do trem. A respiração ofegante da mulher amada, no vértice do prazer. Um gemido incontido. O aroma insubstituível do desejo, na mistura única de perfume e suor. A chave abandonada no fundo da gaveta, que jamais voltará a abrir misteriosa porta agora ignorada. A máscara alheia de dor e sofrimento, registrada durante um momento íntimo de conflito. Com o desaparecimento de uma pessoa, - anônima ou ilustre, não importa - esvaem-se dados singulares, peças ínfimas do cotidiano que jamais poderemos repor. Infelizmente, porém, a morte das pessoas é inevitável. Haverá mortes inevitáveis? Talvez pudéssemos evitar a morte diária de 199 espécies. Também temos sido responsáveis ou co-responsáveis pela morte prematura e desnecessária de línguas, culturas e povos. Mais de 6 mil línguas afundaram nas areias movediças do tempo. E as inumeráveis culturas? E os povos? Os astecas, por exemplo, foram pisoteados pelas ilusões da lenda e pelas patas dos cavalos de Hernán Cortez. O que ficou da sua extensa sabedoria lembra os escombros de um grande terremoto. Os tehotihuacanos viviam de maneira organizada e construíram pirâmides que apontavam para a eternidade. Sumiram na madrugada dos desmatamentos e nos deixaram apenas paredes vazias, desceram para o sul e se embrenharam nas florestas, levando com eles seus conhecimentos maravilhosos e se transformando numa imperdoável ausência. Os incas, assaltados e humilhados pelas tropas de Francisco Pizarro, subiram a cordilheira e se esconderam no mundo miserável do sonho induzido. Nos outros continentes, dramas e tragédias se repetem. Muita informação desapareceu com a Babilônia de Nabucodonosor. Entre o Tigre e o Eufrates, os mistérios da Mesopotômia viraram pó. A cultura dos persas foi varrida pelos exércitos de Alexandre, o Grande, mas também perdemos referências da própria Macedônia - e nem sabemos ao certo como morreu o seu maior guerreiro. Às margens do Nilo ficaram enterrados os segredos do antigo Egito, dos quais temos somente vestígios como as pirâmides e a esfinge. No Mar Egeu submergiram os minóicos, com seus minotauros e seus navios de guerra. Os ardis do destino e a ferocidade dos homens apagaram as pegadas de assírios e mongóis, e dos tempos anteriores à palavra escrita nos chegam pálidos relatos de gregos e troianos. Mais recentemente, o esquecimento engoliu incontáveis fatos e registros, na América Latina, referentes às ditaduras militares dos anos 60 e 70. Muita gente também já se esqueceu dos crimes hediondos cometidos em nome do socialismo, seja na falecida União Soviética, seja na China, em Cuba, na Coréia do Norte ou na antiga Alemanha Oriental, para citar uns poucos exemplos. Ao nosso ilimitado desconhecimento, somam-se as perdas, o que resvalou e se foi, pela ação predatória ou simplesmente pelo esquecimento. Cresce assim, constantemente, a sombra das ausências - da qual talvez se alimente a Divindade. O esquecimento, também é uma forma de memória. O seu vago porão. A outra face oculta da moeda. É possível que Deus, no final das contas, seja de fato apenas o esquecimento, a face oculta, o desconhecido, o grande vazio que vai nos suceder na imprevisível noite dos séculos. (*) EUGENIO SANTANA é Escritor, Jornalista, Ensaísta, Diretor de Redação de Revistas, Agente literário, Biógrafo, Blogueiro e Gestor em RH. Autor de 14 livros publicados: "Hóspede da Terra, Passageiro do Mundo", "Ventos Fortes, Raízes Profundas", Madras editora, entre outros. (41) 9.9909-8795 WhatsApp - email: es.escritor1199@gmail.com

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