quarta-feira, 23 de novembro de 2016

MINAS GERAIS IN-VERSOS...

Sobre Minas, os poemas de “Verso-Minas”, “Ver-só-Minas” são dos melhores que conheço. José da Rocha Paixão leva à extrema a antidiscursividade. O resultado é a expressão mais adequada a manifestar os resíduos e a vivência mineira. História e geografia do estado se entrelaçam à formação existencial do poeta, cujo verso é também mineração de palavras. O chão de Minas e o solo verbal são objeto da mesma prospecção, em que esperança e desencanto se mesclam. No livro, ao lado da memória retrabalhada na esfera do trágico, convive-se com a transcendência do resíduo e a sacralização dos marcos, pois a viagem de José da Rocha Paixão se faz no tempo e no espaço. Uma espécie de colheita de signos afetivamente memoráveis. Que poder de visualização revela o poeta, ao retratar ambientes, numa linguagem intencionalmente despojada. O mapeamento de vivências geográficas é perfeito. “Cromo” é um poema, antes de tudo, visual. Mas o olho objetivo não consegue deter as trágicas reminiscências históricas ou, mesmo, as fraturas existenciais, que se aninham no mais surpreendente lirismo. “Sons mineiros”, por exemplo, evocam “a ainda acesa mulher de ontem”. E o “Calendário mineiro” não deixa de registrar “o calendário das tristezas futuras”, com que se exprime o clássico ceticismo da gente das Alterosas. No fundo, bem lá dentro, o intelectual mineiro, quer seja poeta, romancista, filósofo, crítico, músico, arquiteto ou pintor, permanece fiel a um humanismo estético, de feitio mais sensível do que intelectual, mais afetivo do que cerebral. Lírico é José da Rocha Paixão quando, em “Lira mineira”, trata “de feijão preto de saudade / das espigas de muito milho-amor”. O território verbal abre seu espaço lúdico a um dos processos felizes do poeta: o jogo com as palavras. “Várzea mineira”, “O mineirez” e “Vereda e ravina” sirvam de exemplo. Poesia de altos conceitos, elevadíssima. Escavação de Minas e do ser, “Verso-Minas”, “Ver-só-Minas” impõe José da Rocha Paixão entre os nossos maiores, pois é, a um tempo, inspiração e conquista. A crise econômica vem de longe. Vem da ditadura e prossegue na longa travessia em busca de uma sociedade organizada em termos democráticos. O lamentável, quanto a Minas, é a apatia do âmbito cultural diante do próprio destino e do quadro sócio-político-econômico nacional. É desolador observar que não se modelou uma frente mineira para apoiar uma saída democrática para o país, que se regesse pelo respeito aos direitos humanos, à liberdade política, à economia baseada na justa distribuição de renda. Tínhamos que organizar uma reação contra o capitalismo selvagem, predatório, nacional e multinacional. A natureza tem sido sistematicamente destruída em Minas Gerais. A Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, por exemplo, tem desflorestado impiedosamente o nosso território, desde a década de 20, sem que se ouça uma voz sequer de discórdia. Onde estão os panfletários mineiros? E os poetas, que têm a dizer? As vozes indignadas estão longe. É preciso acordar a grande voz de Minas. Necessitamos ouvir o canto dos poetas em sintonia com o povo. (Escritor, jornalista e ensaísta EUGENIO SANTANA)

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