sábado, 10 de setembro de 2011

BAUDELAIRE: CONSIDERADO O CRIADOR DA LÍRICA MODERNA




Charles-Pierre Baudelaire nasceu em Paris, a 9 de abril de 1821, e faleceu na mesma cidade, a 31 de agosto de 1867. Desde muito jovem demonstrou possuir um temperamento inquieto e rebelde, que lhe valeu a expulsão de um dos colégios em que estudou. Em razão de seu comportamento boêmio foi enviado pelo padrasto, em 1841, à Índia. Viagem que não foi concluída, pois o jovem poeta conseguiu retornar à França antes de chegar ao seu destino.

Ao atingir a maioridade, em 1842, Baudelaire recebeu a herança paterna e passou a levar uma vida desregrada fortemente associada ao álcool e às drogas. Data desse período o início de seu rumoroso relacionamento com Jeanne Duval, a mais famosa e importante de suas amantes, que lhe inspirou muitos dos seus mais belos poemas amorosos.

Com seu estilo de vida, Baudelaire dilapidou rapidamente a herança paterna, o que fez com que a sua mãe o acusasse judicialmente de pródigo e conseguisse a nomeação de um tutor para administrar seus bens. O poeta manteve até a morte uma relação tensa e conflituosa com esse administrador de suas rendas.

Em 1857, foi lançado seu livro de poesia mais famoso, “As Flores do Mal”, que produziu enorme escândalo na França. Novamente Baudelaire foi processado e obrigado a pagar, junto com os editores, uma pesada multa. A acusação feita era de ataque violento à moral. Outros livros importantes de Baudelaire são “Os Paraísos Artificiais” (1860) e “Os Pequenos Poemas em Prosa (1868), depois intitulado “Spleen de Paris” (1869).

Paralelamente a sua produção poética, Baudelaire foi também crítico de arte e tradutor. Destaque para seu trabalho relacionado à obra do escritor estadunidense Edgar Allan Poe, que exerceu forte influência sobre suas concepções.

Baudelaire foi considerado pela crítica literária o fundador da lírica moderna, pois sua obra incorporou, como nenhuma outra poesia produzida até então, os elementos considerados, em princípio, como não-poéticos. Ele assimilou elementos pouco ortodoxos para entender, por meio de seus escritos, as enormes contradições que estão na base da vida moderna, cujo epicentro, no século 19, era Paris.

A MUSA VENAL


Ó musa de minha alma, amante dos palácios,
Terás, quando janeiro desatar os ventos,
No tédio negro dos crepúsculos nevoentos,
Uma brasa que esquente os teus dois pés violáceos?

Aquecerás teus níveos ombros sonolentos
Na luz noturna que os perigos deixam coar?
Sem um níquel na bola e seco o paladar,
Colherás o ouro dos cerúleos firmamentos?

Tens que, para ganhar o pão de cada dia,
Esse turíbulo agitar na sacristia,
Entoar esses Te Deum que nada têm de novo,

Ou, bufão em jejum, exibir teus encantos
E teu riso molhado de invisíveis prantos
Para desopilar o fígado do povo.

(Por Eugenio Santana – Escritor, Jornalista e Ensaísta literário. Autor de livros publicados. Integrante de mais de 30 instituições culturais do Brasil e de Portugal. Ex-Superintendente de Imprensa no Rio de Janeiro.)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

NEVERMORE: TRANSCENDÊNCIA DO VERBO NAS ASAS DA PERMANÊNCIA




Por que razão o ser humano é levado a tomar da pena e do papel (ou de seus substitutos contemporâneos) e realizar a atividade aparentemente gratuita e inútil que é escrever um poema? Em outras palavras, que necessidade visceral é essa que leva o homem a extrair de si um produto que não tem nenhuma função prática para sua sobrevivência, a exercer a difícil e pouco apreciada atividade de criar poesia com palavras? Entre os homens que exerceram a faculdade da criação poética em verso e prosa e que pagaram por ela o preço da incompreensão e do ostracismo, destaca-se o estadunidense Edgar Allan Poe (1809-1849).

Poe obviamente entendia as profundezas dessa necessidade tão inexplicável. Talvez percebesse que o homem faz poesia para melhor entender a si e ao mundo em que vive. Ou para fantasiar outros modos de existência que não o seu, outras realidades para além desta, insatisfatória, com a qual tem de haver-se. Ou para atenuar sua sensação de impotência em relação à natureza, que lhe é indiferente. Ou ainda, como diria o crítico de arte Étienne Souriau (1892-1979), “para ensinar aos deuses como é que se cria”.

O verdadeiro poeta não usa a palavra apenas para representar os elementos da realidade empírica; ele instaura o representado, como imagem e som, às sensações do seu receptor. Quando o poeta enuncia, sua palavra forja e ressignifica a realidade à sua vontade. E Allan Poe era um mestre desse processo criativo.

Seu poema “O Corvo” é um dos mais comentados do mundo como exemplo de microcosmo estético perfeitamente acabado, de composição ao mesmo tempo cerebral e inspirada, na qual a vida e a morte encontram-se intensamente presentes e igualmente misteriosas.

O poema conta uma história fantástica: a de um rapaz que está lendo em seu quarto, na tentativa de esquecer a morte recente da amada, quando, de repente, é perturbado pelo som de uma batida à janela. Ao abri-la, ele nada mais vê além da treva noturna e volta ao quarto. Mas novamente ouve a batida e volta a abrir a janela. Nisso, entra-lhe um agourento corvo pelo recinto e vai pousar num busto de Palas que está em cima da porta.

Então o rapaz tem a idéia de perguntar o nome ao corvo, que lhe responde: “Nevermore” – Nunca mais. A princípio, o rapaz se ri do papaguear sem sentido da ave. Mas, aos poucos, movido por sua dor, dá seguimento ao diálogo, num jogo de ecos: passa a formular perguntas que, num crescendo de agonia, exprimem as dúvidas que tem na alma – se ele algum dia será capaz de esquecer a amada e se virá a vê-la uma vez mais.

A tudo isso a profética ave sempre responde monocordicamente: “Nunca mais”. Exaltado, então, o herói ordena-lhe que desapareça. Mas o corvo volta a responder “nunca mais” e lá permanece pousado, assombrando para sempre o desiludido rapaz.

Contar uma história é fácil. Para construir uma história, basta seguirmos os preceitos formulados, já nos anos 300 a.C. por Aristóteles: configurar uma situação, uma complicação e uma resolução. Mas contar bem uma boa história e carregá-la de poesia já é mais difícil.

A sinopse acima não corresponde, nem de longe, a “O Corvo” de Poe. Ela não constrói paulatinamente o suspense claustrofóbico do poema, os sons encantatórios e hipnóticos que sustentam a obsessão do amante masoquista. Ela não prende o leitor, como o corvo prende a personagem, no círculo da atemporalidade em que o homem se debate com sua impotência diante da morte. Seu ritmo não faz acelerar o batimento de um coração angustiado, como ocorre na caixinha de ressonâncias que é o comovente poema de Poe. Nessa sinopse, o som e o sentido não se conjugam para levar a palavra a ultrapassar sua mera referencialidade e criar no leitor a emoção pretendida – a mesma do amante torturado pela lembrança sem fim do amor ausente.

(copydesk/fragment by Eugenio Santana – Escritor, jornalista e ensaísta. Ex-superintendente de Imprensa no Rio de Janeiro.)

O RETRATO DE DORIAN GRAY: OSCAR WILDE PINTOU COM PALAVRAS UM MAGISTRAL QUADRO DA DECADÊNCIA MORAL HUMANA




Filho de William Wilde, médico de renome, e de Jane Francesca Elgee, escritora e intelectual, ativa militante do movimento para a Independência da Irlanda, desde cedo o irlandês demonstrou seu gênio. Aluno brilhante, ganhou vários prêmios por seu destacado desempenho escolar em renomadas instituições de ensino. Sobressaia-se dos demais estudantes tanto por seu temperamento forte e anticonvencional, como também por sua refinada inteligência.

De 1879 a 1889 concentrou a maior parte de sua produção em textos teatrais e poemas que alcançaram relativo sucesso. Versátil e de talento pluralista, publicou também um volume de contos de fadas, “O Príncipe Feliz e Outras Histórias” (1888), e um ensaio intitulado “A Alma do Homem sob o Socialismo” (1891). Em 1890 saiu a primeira versão daquele que seria seu único romance, “O Retrato de Dorian Gray”. Com a edição revisada, de 1891, o livro alcançou notável repercussão, sendo até hoje a obra mais conhecida de Wilde.

“O Retrato de Dorian Gray” parece prenunciar o drama pessoal vivido por seu autor. Há uma tensão evidente na relação que une o belo jovem Dorian, Basílio Hallward (o pintor do retrato), e Lorde Henry Wotton, principais personagens da obra. Essa tensão se desenvolve a partir do fascínio que Dorian exerce sobre seus amigos, trazendo subjacente uma sutil atração homoerótica.

O pintor, de temperamento reservado e austero, vê na beleza cândida de Dorian a personificação de seu ideal artístico, identificando a perfeição de seus traços físicos com a pureza de sua alma. Já Lorde Henry é o alter ego de Wilde, e com sedutora loquacidade expressa sua expectativa em relação a Dorian:

“Viva! Viva a maravilhosa vida sua! Busque sempre novas sensações. Que nada o atemorize... um novo hedonismo – é disto que precisa o nosso século... todos nós nos convertemos em horrorosos fantoches, alucinados pela lembrança das paixões de que tivemos demasiado temor, e das esquisitas tentações a que não tivemos coragem de ceder. Juventude! Não há absolutamente nada no mundo, senão a juventude.”

“O Retrato de Dorian Gray” permanece como uma das grandes obras-primas da literatura universal. O livro foi publicado no Brasil por várias editoras, entre elas, a Nova Cultural (1993). Intrigante e de uma moralidade dúbia, como seu controverso autor, que terminou seus dias de forma melancólica.

(copydesk/fragment by Eugenio Santana – Escritor, jornalista, ensaísta. Ex-Superintendente de Imprensa no Rio de Janeiro.)