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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

ALMAS ENTERRADAS NA LAMA (*)

Onde os urubus e abutres desfilam de gravata, sapatos lustrados e ternos, não muito longe de lá, alguns homens de poucos risos, bravios, guerreiros, esbaforidos se atiram na lama com a língua para fora da boca. Contextualização: Mais uma vez prevaleceu a irresponsabilidade, a falta de escrúpulo, a falta de caráter, a falta de critérios técnicos, a falta de respeito e compromisso com a Vida, a falta profissionalismo daqueles que se intitulam como administradores, gabaritados coordenadores e gerenciadores de projetos que ganham rios de dinheiro para falar o óbvio; em contrapartida, sobrou lamaçal nos olhos dos humildes operários; sobrou o solícito rejeito químico pincelando flores, casas, carros e folhagens de barro com a cor densa/avermelhada. Ambientalmente, por onde a tragédia passou, levou consigo a fauna e flora. Não raro, a poesia está para o caos, assim como a racionalidade está para a comprometida verdade; e fundindo poesia e racionalidade, temos a TCA: Trágica Cultura do Absurdo; sob a qual, tudo torna-se normalidade diante das justificativas humanas, quando não, insinuam que foi fatalidade advinda da maldita Natureza. Será? Dizendo adeus ao pequeno relato sobre certo período do Império e ao mando estabelecido, viajamos por mais de um século nas asas do tempo e aterrissamos nos dias atuais. Sórdidos dias atuais, os quais tudo se teoriza, tudo se sabe, tudo se explica e não aparece um, apenas um dos que teorizam e explicam para resolver; e quando não se prevê e resolve antecipadamente as tragédias do eterno retorno, salve-se quem puder. Por outro lado, morre quem morre! O Brazil não conhece, tapa os olhos para a alma líquida que o Brasil carrega na mala, levando-a para banhar-se em um mar de lama. Lamas na mala, almas na lama! Uma vez que a linguagem poética imita a vida e ninguém morre no lugar de ninguém, conclui-se que nem toda desgraça é desprezível, vil, má, ignóbil, inútil e ainda que ínfima, alguma coisa dos restos e sobras prestam aos homens que ficaram para contar a história da tragédia. Atente-se o leitor, que o Profeta do Arauto criou um lindo e expressivo anagrama. Sinta-se capaz, e crie coisas legais com as desgraças advindas do rompimento da barragem. Porém, se não for suficiente, repare bem o cotidiano ao seu redor e verás que inspiração é o que não falta. Quem sabe o caro leitor se descubra um artista de alto valor em potencial e concorra ao Prêmio Nobel na modalidade de arte escolhida. Desde já, a cultura intelectual seletiva brasileira agradece! Por que de charlatanismo acusador, basta o escritor furacão Profeta do Arauto. Em novembro de 2015, na mesma região onde está situado o quadrilátero ferrífero, segundo palavras de Ambientalistas, houve o maior desastre, a maior catástrofe ambiental brasileira. A tragédia ocorrera em Mariana e na ocasião, o lamaçal proveniente barragem de Fundão fizera um estrago sem proporções; com a grossa lama química dizimando gente; atropelando casas e carros; desapropriando escolas e hospitais; desalojando escolares, professores, litros de soro, remédios e pacientes; criando redemoinhos insanos; pondo abaixo volumosas árvores seculares; poluindo rios, efluentes e afluentes límpidos, indo parar em determinado ponto da costa marítima do Espírito Santo. A tragédia e as muitas sêquelas deixadas foram motivo de alarde geral e dignas dos maiores impropérios contra a Samarco; empresa prestadora de serviços para a Vale do Rio Doce. Contudo, de lá para cá, 3 anos se passaram e como diz o ditado, cão que muito late, nada abocanha o afanador e ladrão de joias; e fora as absurdas imagens que tatuaram as emoções e mentes dos lesionados, o restante da tragédia caíra em inerte sonolência; em profundo esquecimento. Até o instante que escrevia o segundo parágrafo deste sinistro texto, silêncio de morte. Contudo, ao iniciar o terceiro parágrafo, um berro gutural escapou das entranhas da Natureza; e alvoroçada pela atrocidade a qual fora acometida, pedia socorro urgente. Afinal, diante de tantos pequenos desastres suportados por ele no dia a dia, qual a dimensão da tragédia ocorrida para deixar o Meio Ambiente tão atônito e apreensivo de um momento ao outro?! Ao ouvir os berros ensurdecedores, lembrei-me da analfabeta, estúpida, sábia, filósofa, psicóloga, devota de Santa Retidão e minha mãe, que paulatinamente alertava-me dizendo que quando o sujeito perde a vergonha, torna-se safado por fé e crença, pode caminhar em passos lentos, observando minuciosamente a estrada de mão única de Ushuaia ao pé da Argentina, até o Japão, que jamais encontrará o tesouro que perdeu. Afirmava a filósofa de tempos que estavam por vir, que o fulano cruzaria com a vergonha inúmeras vezes, sem no entanto, ser reconhecido por ela. Então, eu que tomasse cuidado, pois para perder a vergonha era fácil; difícil era achá-la, como também não seria nada fácil tornar-me confiável o bastante, para reconquistá-la. Sem sair do lugar e apenas idealizando um mundo humanista/vivencial, a minha orientadora tinha razão, conhecimento e bagagem experiencial suficientes, a ponto de jamais gastar saliva, jogando conversa fora. Cada palavra era fundamentada sob verdade absoluta vista à olhos nus. Pois bem, infelizmente, o homem (letras minúsculas) tem a capacidade inata, tem o dom único, para produzir tragédias. Niilista, esse traste não comete pequenos erros, mas sim tsunamis e terremotos. Em nome do progresso e na busca incessante dos lucros, o homem acaba cometendo as maiores barbáries e atrocidades, quando não é contra o homem, é contra o meio ambiente; mas também pode ser contra Natureza e homem. Desgraça pouca é tolice; e está escrito nos anais de História que essa plaga destruidora universal, quando é para o seu interesse e mais meia dúzia de capangas aliados, é versátil e presta, quase que exclusivamente à destruição em massa. Existe um dito chinês que diz o seguinte: “Quem abre o coração à ambição, fecha-o à tranquilidade”. Aquilo que para minha mãe não passava de uma “Grande Tragédia Anunciada”, os usurpadores da Natureza e governantes costumam resumir num simples eufemismo: “fatalidade fortuita", como disse Sérgio Bermudes, advogado - rábula, por assim dizer - da Vale. Quanto ganha em dinheiro vivo um egrégio doutor "Gravatinha" para defender uma tese infeliz, absurda, grotesca, disparatada, como a dita acima? Recordando Machado de Assis, "há pessoas elegantes e pessoas enfeitadas". Permita-me Machado, dizer que, claro que há umas poucas pessoas de rara gentileza e elegantes no trato humano; e fazem o bem sem barganhar, sem pedir nada em troca. Mas, repito: é raro, é uma em cada um milhão de pessoas. Todavia, de fatalidade e tragédia natural não houve nada; mesmo porquê, o número de barragens de rejeito de materiais condenadas ao uso na região, é quase totalidade. Além do mais, a profícua e indefesa Natureza é dadivosa e trabalhando em silêncio, produz, renovam as belezas, sem no entanto, deixar rastros de destruição. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, gestor editorial, biógrafo, ensaísta e redator publicitário. Dez livros publicados. Radicado em Curitiba, PR. (41) 99547-0100 / Email: autoreugeniosantana9@gmail.com