sábado, 7 de julho de 2018

INCONCEBÍVEL E INACEITÁVEL CRUELDADE HUMANA (*)

Quando o escritor português José Saramago afirmou que os animais podem ser selvagens, mas que apenas o homem é cruel, ele estava chamando a atenção para um fato bastante inquietante, que subverte profundamente a imagem que temos de nós mesmos. Ele estava dizendo, da maneira mais clara e assustadora possível, que a crueldade é um fenômeno humano (e não animal). Uma afirmação que, sem dúvida alguma, põe em jogo duas certezas bastante arraigadas em nós: a de que o excesso de agressividade está relacionado à nossa herança selvagem e a de que a razão fez do homem um ser realmente superior. De fato, do ponto de vista moral e ético, a ruptura que o homem fez com a vida natural não parece ter feito dele um ser melhor. É claro que se pode alegar que somos superiores exatamente porque somos os únicos animais capazes de desenvolver uma moral e uma ética, mas isto também não depõe muito em nosso favor, já que também somos os únicos a realmente precisar delas, já que os animais vivem integrados à natureza e nunca transgridem as suas leis. Sim, é exatamente isto: é porque os homens transgridem suas próprias leis e, sobretudo, é porque a nossa espécie é a única capaz de cometer atos bárbaros por prazer ou descaso com a dor alheia (como diz Saramago, um animal jamais tortura ou humilha o outro), que precisamos de leis que regulem a vida em sociedade. Sem dúvida, a justiça é uma necessidade, mas exatamente porque nós, os ditos “animais racionais”, ainda não aprendemos a respeitar a existência alheia. Sem dúvida, vendo à distância o mundo humano, com tanta desigualdade, miséria, guerras, exploração e escravidão (humana e animal), é difícil acreditar que somos realmente seres racionais, compassivos e sensíveis. E, no entanto, apesar de tudo, é isto o que somos, pelo menos, potencialmente (eis porque, quando a razão e a sensibilidade se aliam no homem, ele é capaz de produzir uma existência verdadeiramente bela e ética). No entanto, o problema é que, na prática, o homem se comporta sempre aquém das suas potencialidades e aí, sim, cabe-nos perguntar por que o homem pode tanto e atinge tão pouco? Decerto, alguns responderiam: “ele não pode: isto é uma falácia!” Outros, por sua vez, diriam: “ele pode, basta querer!” Pois tanto os primeiros quantos os segundos se equivocam: os primeiros estão mergulhados no pessimismo que, certamente, tem sua origem (até certo ponto justa) numa visão clara do que tem sido a vida humana; já os segundos são otimistas demais, acreditando que a vontade é livre o suficiente para escolher. Os dois erram, porque, de fato, o homem pode mais, mas seus valores o dirigem de tal maneira que é preciso, primeiramente, que ele se liberte de seus antigos grilhões, ou seja, que se liberte dos conceitos e das ideias que o tornam prisioneiro das circunstâncias, que o tornam passivo e resignado diante de um mundo que ele não acredita poder mudar. Aqui entramos no cerne da questão: as sociedades se estruturaram, desde os seus primórdios, de modo a beneficiar alguns em prol de outros (eis porque, desde o início, os homens escravizam outros homens e também os animais). Esta é a origem da exploração e das desigualdades. É assim que nos acostumamos, desde cedo, a usufruir de outras vidas, aprendendo a fechar os olhos para a crueldade e para a tirania, como se elas fossem naturais em nós, quando, de fato, elas expressam o adoecimento da nossa espécie. Sim, a inversão do pensamento começa aqui: não somos primeiramente seres selvagens e maldosos que se aculturam e se tornam sublimes. Como um animal dentre outros, nós possuímos censores naturais que nos impedem de ultrapassar certos limites; mas, em sociedade, somos criados para obedecer regras inventadas pelos próprios homens e é aqui que tudo se complica e se confunde. Afinal, é a própria sociedade que nos ensina o descaso com a dor alheia, dos homens e dos animais. E, assim, como todos os demais, acabamos ou explorando os outros diretamente, e sem culpa, ou usufruindo, também sem culpa, dos benefícios da exploração. Afinal, temos o consentimento da própria sociedade para sermos pequenos tiranos. Existe, de fato, uma razão perversa para que os homens sejam mantidos de olhos fechados. É que é preciso que eles continuem na escuridão e na servidão dos valores para que a desigualdade, a exploração, a escravidão, continuem existindo. Este é o maior de todos os atavismos humanos: aprendemos a nos beneficiar dos outros, aprendemos a ser, na verdade, imorais, antiéticos. É a nossa moral que tem sido, há milênios, uma falácia. Triste condição a nossa: somos vítimas de nossa própria inteligência superior. Na ânsia de fazermos parte do mundo, de nos integrarmos ao nosso meio social, apertamos ainda mais os nossos grilhões, tornamo-nos escravos e, ao mesmo tempo, agentes de nossa própria servidão. Servidão voluntária e até mesmo desejada, porque é mais fácil viver como todos os demais do que abrir os olhos e tomar nas mãos a própria vida. De fato, é difícil mudar… mas andar também é e, no entanto, basta darmos os primeiros passos que os outros se seguem facilmente. Quase tudo no homem é hábito, é aprendizado. Por isto, a educação é tão fundamental e, mais ainda, uma educação que se volte para produzir um homem verdadeiramente superior, moral e eticamente falando. No fundo, por mais polêmica que pareça esta afirmação, o que resiste em nós de mais sublime é exatamente o nosso instinto mais elementar, que nos sopra aos “ouvidos” que agimos mal o tempo inteiro. É nossa saudável razão natural (como diria Nietzsche) que nos alerta, e não o que homem tem chamado de moral. Na verdade, não é nossa animalidade que precisa ser extirpada; é nossa falsa humanidade.Sem dúvida, somos animais incríveis, somos os criadores dos mais belos conceitos e valores, mas também somos facilmente corrompidos pela ambição, pela ganância, pela vaidade e, para atingir nossas metas ilusórias de felicidade, usufruímos de outras vidas sem qualquer pudor. Com relação aos animais, esta realidade é ainda mais terrível, porque quase ninguém considera a sua dor, o seu sofrimento. É assim que milhões de vidas são brutalizadas, humilhadas, mortas todos os dias, sem qualquer piedade. É por isto que, mesmo quando somos vítimas, somos também responsáveis pela crueldade que nos atinge. Afinal, a crueldade, mais do que a racionalidade, tem sido o principal atributo do homem. Eis uma verdade dolorosa, mas que é preciso encarar se desejamos mudar o que precisa ser mudado. Na verdade, o homem não tem sido, nem de longe, o animal superior que julga ser. Falando agora mais diretamente sobre a origem da crueldade humana, cito o grande historiador das religiões Mircea Eliade, que nos revelou algo de muito valioso em sua monumental obra “História das crenças e das ideias religiosas” (algo que endossa o que dizemos aqui a respeito do aspecto “contra-natura” da crueldade): o homem, inicialmente, não matava (nem mesmo para comer). Isto quer dizer que não somos originalmente nem carnívoros nem onívoros, e esta é uma informação que a ciência não deveria nos sonegar. Aliás, segundo as pesquisas de Eliade, toda a história posterior do homem é marcada exatamente por esta decisão que ele tomou no início dos tempos: a decisão de “matar para sobreviver”. Não vamos entrar na questão propriamente dita, falar da religião, que, segundo Eliade, está na base desta cruel decisão. Precisamos apenas entender que o homem tornou-se, de fato, o senhor da natureza, mas não por ser um animal divino ou por ser dotado de um espírito enquanto os outros seres vivos são corpos vazios; ele se tornou senhor da natureza porque tiranizou a vida, todas as vidas, inclusive a de sua própria espécie. Sem dúvida, esta primeira violação da nossa natureza não poderia deixar de causar marcas indeléveis no homem e, assim, não parece nada equivocado concluir que este primeiro ato de barbárie deu origem a todos os demais. Afinal, o que poderia se esperar de um ser que age contra sua própria natureza? Ele só poderia adoecer, enlouquecer. Não é isto, afinal, que Nietzsche diz dos homens: que somos animais adoecidos, que perdemos nossa “saudável razão natural”? Nós nos perdemos de nós mesmos e nunca mais conseguimos nos encontrar. É isto que explica esta espera ensandecida por alguém que nos salve, que nos tire do fundo do abismo, quando, na verdade, bastaria apenas que olhássemos sem medo para dentro de nós mesmos. Sim, somos o que aprendemos, mas por baixo de todas as ideias, crenças, conceitos, existe um animal desesperado que clama por liberdade e por uma vida mais digna. A felicidade não está nos bens que se obtém no mundo, menos ainda nos que se obtém à custa da exploração e do sofrimento alheio; a felicidade está em ser pleno, forte e capaz de viver sem macular a si e aos outros. Isto, sim, chama-se respeito ao outro; não o que tem sido ensinado. O homem inverteu a lógica da vida e assim produziu um mundo assentado na dor e no sofrimento. Sim, a vida tem dores e sofrimentos, já dizia Schopenhauer, mas o homem conseguiu multiplicá-las ao infinito. Não é a natureza que é cruel; somos nós: é isto que o homem se nega a ver. E ele vive tão imerso na dor e no sofrimento que chega mesmo a sentir-se atraído por eles; a se compor com eles, a lhes fazer elogios e a morbidamente saudá-los como inerentes à sua natureza. No entanto, a verdade é que, desde a infância, somos insensibilizados, adestrados para não reagir, para não sentir em demasia (nem amor, nem dor, nem compaixão, absolutamente nada… Descartes, de fato, confundiu as coisas: os homens é que se tornaram “máquinas sem alma”). Dito de outro modo: os sentimentos são em nós, desde cedo, aprisionados, dilacerados, considerados perigosos. Não se costuma dizer que a própria paixão é um perigo? Sim, o perigo da paixão é que ela pode nos desviar dos deveres que nos foram impostos pelo mundo; deveres aos quais aprendemos a obedecer como autômatos, mesmo quando eles nos rebaixam como seres humanos. Dito de modo mais claro: somos escravos de um mundo que nós mesmos construímos (e cada um põe um tijolo nesta construção enquanto não desperta deste longo torpor, deste anestesiamento moral que subverte nossa natureza e nos rouba a liberdade de sermos aquilo que somos: seres verdadeiramente humanos). É assim que todo homem permanece preso num círculo vicioso, aparentemente insolúvel, até que comece a dizer “não” para a crueldade, seja ela dirigida aos outros homens ou aos outros animais (certamente, as maiores vítimas deste mundo). É um caminho árduo, sem dúvida, mas como poderia ser barato o preço da liberdade e da plenitude humana depois de tanta inversão de sentimentos e ideias? Este é o verdadeiro começo: o primeiro “não” é sempre mais difícil, mas, depois do primeiro, outros se seguirão, e a cada “não” a nossa força aumenta, porque ela é proporcional ao nível da nossa libertação. Este é o maior legado que podemos deixar para as próximas gerações: libertar todas as vidas. Aliás, esta já é a condição para que as novas gerações sejam possíveis, porque a natureza não tolera mais a tirania humana. Ou fazemos algo agora ou é a natureza que seguirá sem nós: isto é um fato. Porque gostando ou não da ideia, não é a natureza que precisa do homem, somos nós que dependemos da natureza. Nós somos partes dela, e não o contrário. É por isto que libertar os animais é também libertar o animal humano da sua doença; é dar a ele uma nova possibilidade de existência que seja mais bela, mais ética, mais verdadeiramente racional. Não é sem razão que Nietzsche dizia que era preciso inventar novos valores para um novo homem. Ele não chegou a pensar tão profundamente na questão dos animais; mas ele sabia que um novo homem seria aquele que recuperaria o sentido da terra e da vida. Se ele afirmou que fizemos da mentira uma verdade, isto não quer dizer que não existam verdades simplesmente, que tudo “tanto faz”. Esta interpretação já tem sua origem na nossa inversão das coisas e é bem-vinda num mundo que busca argumentos para manter-se como é. Mas nem o capitalismo, nem o comunismo, nem qualquer outro sistema será justo enquanto não formos seres verdadeiramente éticos. Nós criamos as verdades que nos interessam. São mentiras: Nietzsche tem razão. Está na hora de “inventarmos” a verdade, ou melhor, está na hora de deixarmos que ela se mostre sem mais véus e dissimulações. “Da verdade mesmo, ninguém nunca quis saber”, também estas são palavras de Nietzsche. Mas, disto, falamos depois… (*) EUGENIO SANTANA é jornalista, assessor de comunicação, escritor, crítico literário, publicitário, editor, palestrante motivacional. Autor de nove livros publicados. Pertence a 18 instituições culturais do Brasil e Portugal.

quarta-feira, 4 de julho de 2018

AZUL: O ESPELHO DO MAR E DO CÉU

Azul profundo. As linhas esbranquiçadas da espuma contrastavam com o denso mar, imponente e tranquilo ao mesmo tempo. O sol se despedia do horizonte, pouco ainda se via deste enquanto era tragado pela água. Algumas rochas ao fundo se rebelavam contra as ondas e formavam um forte natural contra qualquer monopólio de poder ou arrogância – algo a se pensar, talvez todos precisássemos das rochas nos recordando sobre os limites da ingênua ilusão por trás do sonho de supremacia. Um acordar como o do vento, que impulsiona a maré. Tons alaranjados e raios rosados acompanhavam o distanciamento do sol enquanto outro azul profundo – ora competindo ora em sinergia com o oceano – surgia na paisagem cada vez mais reflexivo. Algumas estrelas já eram visíveis e o velho homem sentado em sua varanda apenas aguardava o domínio da noite. Dizem que uma vida não é feita de períodos totalmente felizes, mas de instantes prósperos frente a desventuras, igual à fênix: imortal pelo fato – um tanto paradoxal – de morrer e ter a oportunidade de renascer de suas cinzas. Triste não ter dado tanto valor ao que tinha como agora. Por que agora? Agora não é tarde demais? Será que nós viveríamos de outra maneira se hoje fosse o único dia da existência? Claro! Contudo, quem sabe o segredo da vida seja exatamente não pensarmos assim. Se aquele velho homem percebesse todos os dias o que tinha nas mãos, talvez algum momento como aquele se perdesse. Talvez o sonho de grandeza devesse preceder a humildade. Quem sabe a experiência do mais velho não coubesse mesmo no espírito do mais jovem. E se essa fosse a engrenagem do mundo, viver conforme seu tempo? Aquele instante representava esperança, ele precisa de momentos para pensar em tudo e aqueles em que nada passava em sua mente. Ele amou alguém, porém ainda precisava de horas sozinho. Ele tinha a paisagem, mas não podia usá-la como uma de suas ideias, no momento que quisesse, deveria surgir como uma inspiração acima de tudo, além do controle e do planejamento. Não foi assim que ele imaginou estar hoje observando o céu, o mar e qualquer sinal de vida ao seu redor. Ele não queria estar sozinho; ao mesmo tempo, ele não mudaria um passo sequer de sua trajetória. Aquela era a palheta de cores mais perfeita, mais linda. Ele nunca reparava, sua esposa é quem falava sobre a beleza do que estava à frente. Era com ela que ele queria estar hoje. Não deu, não foi o que ele planejou. Por anos sozinho, mas jamais abandonado. O amor não abandona e nem sua esposa o abandonou. Ela não teve culpa, acho que ninguém teve, a vida é assim, não pede licença, somente acontece e traz reviravoltas para destituir as certezas vigentes. A esposa não está mais aqui, ele está. Mas hoje é diferente de todos os dias, ele tem certeza que é o último dia. Por quê? Porque nada está do formato que planejou, nada nem próximo do que ele já considerou. Mesmo assim, é lindo aos seus olhos. “E se ela não estiver mais aqui? Ela vai estar, obviamente. Eu vou primeiro”. Aquele homem não gostou nada de sua premissa ser a primeira promessa quebrada, como se, ao falar seus planos, a vida fosse acatar de bom grado instantaneamente. "Estaremos com nossas filhas... Nossos netos!”, não foi bem assim, eles tinham que estar em outro lugar e nunca pareceu tão certo, nem nos sonhos. “Não me importa se for um hospital, um asilo, a rua...”. Para ele, não fazia diferença mesmo, entretanto valeu a pena mudar de direção. Naquela casa, não. Naquela casa, sim. A casa que eles construíram, que eles arrumaram, a casa deles, a vista mais linda. Parecia que ela estava ali, sentada ao lado dele, descrevendo cada luz, cada nuance a mais que surgia aos olhos. Não era ele pensando, era ela, ou, quem sabe, fosse mesmo ele, uma versão mais conectada com um universo absurdamente mais longínquo do que a humanidade já considerou. Não era para ser ali, daquele jeito, naquele dia. Não era, mas foi, ainda bem. De todos os livros, de todos os autores, aquele fim soou melhor e o tom de surpresa – que o homem tanto odiava – foi um detalhe hoje insubstituível. Quando planejaria aquela reflexão, aquele segundo precioso intransferível e impensável? A luz não podia ser pensada, apenas existir e ascender. Uma vida inteira repleta de histórias, aprendizados, orgulho e amor; nada disso se esvairia com o ar como arquitetava. Não acabaria assim. Seria improvável dissipar essas conquistas exatamente por serem imaterializáveis. “Será que eu errei em tudo? Não. Acertei bastante e, tão importante quanto, hoje vou me orgulhar dos erros que me trouxeram a este lugar neste instante”. Talvez ele pudesse ter feito mais, ter feito outras coisas... Que os próximos façam. Não é essa a roda da vida? Sempre teremos do que nos arrepender e contraditoriamente continuaremos errando. Se não fosse dessa forma, seria presumível uma perda total do sentido de estarmos aqui. Aprender o quê, afinal? “Se tudo acontecesse como eu queria... O elogiável é não ter ocorrido, agora eu entendo”. E a noite já havia caído, o olhar se fixou no azul mais denso, que se transformava rapidamente em negro. Uma noite negra, linda, nem um pouco planejada por ele. As estrelas cintilavam e a lua aparecia timidamente ao fundo. As ondas estavam mais revoltas e as pedras aumentavam a altivez. “Eu era importante para os outros, na minha cabeça. Antes. Agora, sou importante para a vida, para mim, mas não diferente das estrelas, da lua ou do sol, que desapareceu mesmo que alguém se opusesse. O segredo é que eles sempre voltam, mesmo que somente na lembrança de uma pessoa que notou que havia algo lá. É assim que vou terminar meus dias, com uma inédita e, a partir de hoje, indispensável crença na imprescindibilidade de a humanidade persistir, graças e apesar de eu ter vindo”. “Sei que Deus e o universo (ou o que quiser acreditar) podem me amar, porque sou capaz de retribuir tal sentimento. Com o olhar de Ulisses e o de Penélope sobre o mar excentricamente calmo enquanto revolto, percebo que cumpri minha missão e, triste pelo fim, sinto-me certo de estar em casa, que valeu a pena vir”. Antes de cerrar os olhos, ele pôde ver a vista mais linda. Desviando a visão do mar, esbelto por natureza, o velho homem encontrou porta-retratos com toda a sua família, com sua esposa. As lembranças inundaram a varanda, uma profunda paz o cercou, maior em extensão e profundidade do que um oceano, era AMOR. E ele pôde fechar os olhos sabendo que, de todas as cores, de todos os tons, de todos os azuis que o mar e o céu pudessem espelhar, aquela era a paisagem mais linda do mundo. (*) Copydesk/Fragment By EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, revisor de texto e palestrante motivacional. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana9@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

quinta-feira, 28 de junho de 2018

O QUE EU OFEREÇO A VOCÊ?

Você já passou os outros, já chegou a Presidente? É pouco: até aí hão de chegar e irão ainda mais longe. Eu sou aquele que vai com a noite silente e crescente, e invoco a terra e o oceano que a noite levemente leva pela metade. Aperte mais, noite de dorso nu! Aperte mais, noite que nutre o próprio mistério. Noite dos ventos do sul. Vivências de Florianópolis... noite de ínfimas flores-estrelas. Noite cálida que me acena com seus olhos imensos - alucinada noite nua de um verão de 1999. Sorria, ó terra cheia de volúpia, de hálito gelado e sofreguidão. Terra das árvores líquidas e impassíveis. Terra em que o sol se põe longe, terra dos montes cobertos de névoa e neblina, em Cristalina. Terra do vítreo gotejar da lua cheia apenas tinta de azul escuro, indescritível. Terra do brilho e sombrio encontro nas enchentes do rio São Francisco. Terra do cinzento brilho das nuvens de chumbo. Lembranças de Barcelona. Terra que faz a curva bem distante, rica terra de pessegueiros em flor. Sorria: a sua amada vem chegando. Pródiga e voluptuosa, amor você tem dado a mim: o que eu ofereço a você, portanto, é amor - inominável e escaldante amor no êxtase de corpos famintos. (Escritor/jornalista EUGENIO SANTANA)

quarta-feira, 20 de junho de 2018

FLORES E ESTRELAS (*)

Flores, flor, estrelas, estrela, vida, morte, reencarnação. Alguém desce na carne, de passagem; outro sobe, para fora dela, de partida. E as flores continuam a desabrochar, independentemente de quem desce ou sobe. No Céu, as estrelas brilham; na Terra, as flores desabrocham. Quem sobe, aprende a ver as estrelas. Quem desce, precisa aprender a ver as flores. Entre as estrelas e as flores, o que rola é a vida. E quem vive, precisa aprender a ler o coração, seja o de carne ou o de luz. Mas o bom mesmo é unir as estrelas com as flores, no olhar de quem vê a Mãe em tudo. Ela, a criadora das estrelas, das flores, dos espíritos, dos homens, do mundo, do Astral e de tudo. Ela, que faz a magia da vida acontecer no pulsar de cada coração, da Terra ou do Astral. Ela, que conhece a saudade de cada um e que permite o intercâmbio da gente das estrelas com a gente das flores. “Ninguém morre! O Astral não é lá nem cá; é no coração de cada um, seja o de carne ou o de luz. É no amor que cada um sente. É na vida que cada um leva. É no sentir aquele algo a mais, sutil, que diz muita coisa sem palavra alguma; que revela o invisível das estrelas nas flores; que une os espíritos lá de cima com os homens aqui de baixo, nessa grande magia da vida, que pulsa em todos os planos. Essa magia da Mãe, que se chama eternidade. Essa magia, com corpo ou sem corpo: a “VIDA”! (Copydesk/fragment by Eugenio Santana, FRC - Escritor e jornalista; Místico Iluminati Rosacruz)

quarta-feira, 13 de junho de 2018

VASTOS UNI/VERSOS DO ROCK AND ROLL (*)

Naquela tarde fiquei por horas admirando a estupenda imensidão. Por vezes permaneci imaginando o motivo de ainda não fazer parte dela. E num lampejo de não-lucidez, quando estava a mercê da minha loucura, me transportei em pensamentos. Foi quando me vi dentro de um céu particular, onde não havia sinos e anjos. Aquele era um "espaço celestial de rock and roll", onde os meus ídolos, aqueles que ainda impulsionavam o meu coração, me convidaram à juntar-se a Eles. Apesar de feliz e honrado pela insólita oportunidade, senti um desconforto. Mas envolto numa coragem que estava adormecida, sentei-me ao lado Deles. E por pouco não sucumbi. Eles, por outro lado, conseguiram sentir a minha ansiedade, e ficaram tão nervosos quanto eu. Nos observamos por minutos a fio, numa análise profunda, intensa. E, por fim, o silêncio foi rompido e o gelo quebrado, Renato falou: — É a verdade o que assusta, o descaso que condena, a estupidez o que destrói. — Fiquei embasbacado com suas palavras, mas, no fundo, sabia que elas faziam sentido. A verdade sempre me assustava, levando-me a negligência que me condenava a tomar atitudes idiotas e autodestrutivas. Mas alguns resultados não era de todo mal e, sem hesitar, quebrei o mal-estar. — Nunca deixe que lhe digam que não vale a pena acreditar, ou que os seus planos nunca vão dar certo, ou que você nunca vai ser alguém... — rebati com parte de uma de suas letras. Ele encarou-me de forma curiosa, deixando-me desconfiado. Por um instante pensei que Renato replicaria, contudo ele apenas aproximou-se e abraçou-me com carinho e anímica ternura. — Quando se aprende a amar, o mundo passa a ser seu — disse ele, voltando a sentar-se no lugar de antes. Compreendi a mensagem e me senti em paz. Apesar da minha estranha e obscura singularidade, eu sabia amar. Continuei ao lado Deles, ainda inseguro. E antes de dizer algo, ouvi outra voz conhecida. — Acho que ser natural e sincero é o que realmente importa — disse Fred, esboçando um sorriso carregado de autenticidade. E novamente senti-me em paz. Apesar de estar envolto em conflitos internos, ainda prezava por sinceridade e naturalidade. E sem medir as palavras, fitei seus expressivos olhos. — É tão real esse sentimento de faz de conta. We are the champions, my friends — exprimi, encarando -o. Todos sorriram, como se compreendessem a minha resposta. Por um ínfimo e mágico instante continuamos em silêncio, apenas nos observando, mutuamente. — Cry baby, cry baby... — Janis disse, aproximando-se. Não consegui controlar as lágrimas que desciam pelo meu rosto desfigurado, por conta do mistério da agradável surpresa. E por tempo indeterminado chorei o refrão da sua canção. — Honey, welcome back home! — respondi com o semblante molhado. Notei que todos me encararam com preocupação, foi quando Kurt se aproximou e sentou-se ao meu lado. Ele segurou a minha mão esquerda e ergueu o meu queixo, fazendo com que nossos olhos se encontrassem. — A cada dia todos nós passamos pelo céu e pelo inferno! — E jamais se esqueça dos livros de Arthur Rimbaud, que você esqueceu de ler; não se permita apagar os tesouros guardados no sótão da memória... Até que eu me despedisse, continuou a me observar. Fiquei por mais alguns minutos ao lado Deles. Eu não queria voltar, mas sabia que por lá não poderia continuar. Afinal, as "mirações" têm data de validade no Plano Cósmico... E com o coração já saudoso, abracei a todos de uma só vez e me despedi dizendo: — Obrigado pela "aula" através do Astral Superior... Paz profunda, Amor, Resiliência, Empatia. Até a próxima. Até breve. Até sempre. Namastê! (*) Copydesk/fragment by EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário, revisor de texto e palestrante motivacional. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana9@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

quinta-feira, 7 de junho de 2018

A MINHA ALMA É VEGETAL (*)

Queria o jardim dos meus sonhos, aquele que já existia dentro de mim. O que eu buscava não era a estética dos espaços de fora, era a poética dos espaços interiores. Em busca de jardins passados, de alegrias idas, de felicidades perdidas. Porque felicidade é isto: quando as ausências que formam o nosso mundo interior encontram, de fora, a “coisa” que nelas se encaixa. Como na experiência do amor. Somos todos femininos, marcados por algo que não temos, mas que, se tivéssemos, seríamos bem-sucedidos – para usar a maravilhosa expressão de Santo Agostinho. A psicanálise usa uma palavra terrível para dizer isso: “castração”. Mas não será verdade? Perdemos aquilo que nos faria felizes e agora estamos condenados a procurar, sem fim, este objeto de amor... Entendem por que um paisagista seria inútil? Para fazer o meu jardim, ele teria de ser capaz de sonhar os meus sonhos. Há um mundo vegetal que cresce dentro de mim. As palavras de Rilke confirmam em meu corpo: nosso mundo interior é “um bosque antiquíssimo e adormecido, em cujo silencioso despertar verde-luz o nosso coração bate”. Sei que isso é verdade a meu respeito. E não conheço horror maior que um mundo sem plantas. Não posso compreender o fascínio dos filmes de ficção científica, onde a vida acontece em meio a metais, eletrônica, astros mortos e o vazio... Para mim, são as celebrações de Tânatos. Em nada comparáveis ao prazer de cheirar uma simples folha de hortelã... Corrijo-me: compreendo o fascínio – é que eles são exercícios sobre o poder puro, esvaziado de qualquer conteúdo erótico. Quando o poder não busca objeto algum, além de si mesmo: possessão demoníaca. Tenho pesadelos da morte das plantas. Lembro-me de um deles em que eu via, horrorizado, todas as plantas do meu jardim arrancadas, raízes expostas, e eu chorava desesperado, perguntando: “Mas como foram fazer isto?”. Tenho uma alma vegetal. E houve até mesmo alguém que me escreveu para dizer que revelações do invisível haviam dito que meu mestre de amor e sabedoria é o espírito que mora nas florestas. Sinto-me como um irmão daquele chefe índio que escreveu uma carta ao presidente dos Estados Unidos, ao ser informado de que os brancos queriam comprar suas terras. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário e palestrante motivacional. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana9@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

terça-feira, 5 de junho de 2018

CÁTAROS: SACRIFÍCIO EM NOME DA FÉ EM DEUS (*)

Há oito séculos, a guerra contra a heresia dos cristãos cátaros abalou o sul da França. Os ecos das suas ideias ainda podem ser ouvidos nos dias de hoje. O catarismo – uma das mais importantes heresias que sacudiram o mundo cristão na Idade Média – encontrou na decadência institucional da Igreja Católica terreno fértil para germinar e crescer. Há 800 anos, no início do século 13, o papa Inocêncio III lamentava a situação do seu pontificado: as igrejas estavam desertas, a crise de vocações reduzia o número de sacerdotes, os fiéis mostravam desconfiança e pouco interesse pelas sagradas escrituras e pelas questões da Santa Madre Igreja. O clero estava entregue ao luxo, à corrupção política, ao tráfico de influências e, em muitos casos, à luxúria e à devassidão. A coisa vinha de longe, desde quando, havia 3 ou 4 séculos, no seio da Igreja, o poder espiritual começou a se confundir com o temporal e muitos papas e altos prelados passaram a ser escolhidos não mais por sua vocação e virtudes, e sim por pertencerem a famílias da nobreza detentora do poder. Poucas décadas antes, o papa Bento IX (1032-1048) herdara o título por ser sobrinho do papa João XIX. Acusado de estupros e assassinatos, ele foi descrito por São Pedro Damião como “um banquete de imoralidade, um demônio do inferno sob o disfarce de um padre” que organizava orgias patrocinadas pela igreja. Em seu último ato de corrupção como papa, Bento IX decidiu que queria se casar e vendeu seu título para seu padrinho por 680 quilos de ouro. Inocêncio III, por seu lado, tentou moralizar a Igreja. Em 30 de maio de 1203, ele escreveu ao escandaloso arcebispo de Narbonne, no sul da França, uma carta contundente na qual afirmava sem meias palavras que o seu estilo de vida o tornava maldito aos olhos de Deus. O alto prelado, titular de uma das arquidioceses mais ricas e vastas da França, tinha abandonado quase completamente o ofício de padre para viver na esplêndida abadia de Montearagón, onde habitava com a viúva de seu irmão, com quem tinha tido dois filhos. Tudo isso de forma escancarada, diante de todos, sem se preocupar com o escândalo. Embora, naqueles tempos, os critérios que definiam um escândalo eclesiástico fossem bem outros. De fato, boa parte do alto clero na época vivia assim, à exceção de uns poucos bispos e abades que, obstinadamente, mantinham a fé nos votos proferidos. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário e palestrante motivacional. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana9@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

segunda-feira, 4 de junho de 2018

REGISTROS AKÁSHICOS (*)

Segundo o hinduísmo e diversas correntes místicas, são um conjunto de conhecimentos armazenados misticamente no éter, que abrange tudo o que ocorre, ocorreu e ocorrerá no Universo. O Akasha é uma biblioteca de ações de cada alma, pensamentos e emoções que tiveram um lugar no planeta Terra e em outros sistemas planetários. Todos os eventos de pequeno ou grande porte são permanentemente gravados na grade eletromagnética do planeta e do cosmos. Todo mundo tem a habilidade de se conectar com a fonte primordial como um ‘detentor de registro espiritual’ e é capaz de chamar a todos seus orientadores multi-dimensionais para receber as respostas de suas próprias perguntas. Você é capaz de ser seu próprio guia, guru espiritual e professor. Sempre que você tiver uma situação problemática ou um desentendimento com um indivíduo, esses incidentes ocorreram antes em outro tempo e lugar. Se você tem perguntas para um problema ou situação, existem várias portas para escolher com muitas soluções variáveis. A porta A tem uma resposta, a porta B tem outra, e assim por diante. Se acontecer de você escolher a porta errada, o problema vai surgir novamente. Escolhendo a porta correta conecta-se realmente com o que é o bem para todos e não apenas para você. Essa escolha cria harmonia, beleza, paz e cura para todos os envolvidos. Os Registros Akáshicos estão disponíveis para todos. Algumas das respostas não serão do seu agrado. No entanto, elas vão conter a energia da “verdade” de quem você realmente é e o que supostamente sejam os seus aprendizados. Quando os seus guias sentirem que você está pronto para continuar por si próprio, você terá permissão para acessar seus registros sempre que você tiver “necessidade de saber” outras informações. Isso geralmente se realiza sem canalização de transe e quando você está pleno de consciência, desperto e alerta. É muito importante estar bem enraizado para receber e manter as frequências que vêm de dentro. Esta é a razão pela qual se deve de estar ligado à natureza para ter um bom aterramento. Caso contrário, você pode sentir tonturas ou mal-estar, e seu corpo pode não ser capaz de manter a vibração por muito tempo e suas respostas parecerem pouco claras. As informações dos Registros Akáshicos só serão dadas a uma pessoa quando elas estiverem sendo usadas para curar a si mesma e sua parcela do planeta. As informações podem vir a você da mesma maneira quando você está meditando ou canalizando. Você pode ver imagens holográficas ou simbólicas, ouvir sons, começar a escrever, ou apenas de repente "saber" a resposta.Os Registros Akáshicos não devem ser usados para adivinhações ou recordações de vidas passadas como um divertimento. Eles são sagrados e estão protegidos por seres de luz em sentinela. Você não vai ter acesso a todos os registros a menos que tenha integridade e disciplina em seus hábitos diários e pensamentos. No entanto, você vai continuar a ser ajudado, abençoado, honrado e guiado pelos reinos dos espíritos em sua mais alta manifestação. Existe somente uma existência suprema sem nascimento e sem forma da qual desenvolve-se akasha (éter ou espaço), e do akasha vem vayu (o ar). De vayu se origina o fogo (tejas), de tejas, se origina a água (apa), e de apa, a Terra (prithvi). É dessas cinco maneiras que esses Tattvas (elementos), se espalham pelo mundo. Desses cinco Tattvas a criação se forma, é mantida, e novamente volta e se funde nos Tattvas. Então a criação vem para ficar dentro dos cinco Tattvas novamente. Esse é o processo sutil da criação. "O Akasa-Tattva é o campo do qual todas as coisas se manifestam, e para o qual todas as coisas retornam; o Espaço no qual os eventos ocorrem. O Espaço não tem existência física; ele posiciona-se no começo do Manifesto e o Imanifesto, entre o visível e o invisível." O Akasha-Tattva rege a área acima das sobrancelhas e estende-se além dos limites do corpo humano no Espaço. A manifestação Etérea do Akasha-Tattva no corpo é Ira Energia, Vergonha, Medo, e Luxuria. O Akasha-Tattva (Éter ou Espaço), tem uma propriedade: Som O Éter existe somente como distâncias as quais separam a matéria, sua função é dar Espaço." (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário e palestrante motivacional. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana9@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

sexta-feira, 25 de maio de 2018

LÍRICAS REIVINDICAÇÕES DOS HOMENS (*)

Que quando chego do trabalho ela largue por um instante o que estiver fazendo - filho, panela ou computador - e venha me dar um beijo como os de antigamente. Que quando nos sentarmos à mesa para jantar ela não desfie a ladainha dos seus dissabores domésticos. E se for uma profissional, que divida comigo o tempo de comentarmos nosso dia. Que se estou cansado demais para fazer amor, ela não ironize nem diga que "até que durou muito" o meu desejo ou potência. Que quando quero fazer amor ela não se recuse demasiadas vezes, nem fique impaciente ou rígida, mas cálida como foi anos atrás. Que não tire nosso bebê dos meus braços dizendo que homem não tem jeito pra isso, ou que não sei segurar a cabecinha dele, mas me ensine docemente se eu não souber. Que ela nunca se interponha entre mim e as crianças, mas sirva de ponte entre nós quando me distancio ou me distraio demais. Que ela não me humilhe porque estou ficando calvo ou barrigudo, nem comente nossas intimidades com as amigas, como tantas mulheres fazem. Que quando conto uma piada para ela ou na frente de outros, ela não faça um gesto de enfado dizendo "Essa você já me contou umas mil vezes". Que ela consiga perceber quando estou preocupado com trabalho, e seja calmamente carinhosa, sem me pressionar para relatar tudo, nem suspeitar de que já não gosto dela. Que quando preciso ficar um pouco quieto ela não insista o tempo todo para que eu fale ou a escute, como se silêncio fosse falta de amor. Que quando estou com pouco dinheiro ela não me acuse de ter desperdiçado com bobagens em lugar de prover minha família. Que quando eu saio para o trabalho de manhã ela se despeça com alegria, sabendo que mesmo de longe eu continuo pensando nela. Que quando estou trabalhando ela não telefone a toda hora para cobrar alguma coisa que esqueci de fazer ou não tive tempo. Que não se insinue com minha secretária ou colega para descobrir se tenho amante. Que com ela eu também possa ter momentos de fraqueza e de ternura, me desarmar, me desnudar de alma, sem medo de ser criticado ou censurado: que ela seja minha parceira, não minha dependente nem meu juiz. Que cuide um pouco de mim como minha mulher, mas não como se eu fosse uma criança tola e ela a mãe, a mãe onipotente, que não me transforme em filho. Que mesmo com o tempo, os trabalhos, os sofrimentos e o peso do cotidiano, ela não perca o jeito terno e divertido que tanto me encantou quando a vi pela primeira vez. Que eu não sinta que me tornei desinteressante ou banal para ela, como se só os filhos e as vizinhas merecessem sua atenção e alegria. E que se erro, falho, esqueço, me distancio, me fecho demais, ou a machuco consciente ou inconscientemente, Ela saiba me chamar de volta com aquela ternura que só nela eu descobri, e desejei que não se perdesse nunca, mas me contagiasse e me tornasse mais feliz, menos solitário, e muito mais humano. (Copydesk/fragment by ES - Guardião Palavra)

quinta-feira, 17 de maio de 2018

ENTRE A ÁRVORE DA VIDA E O AMOR PLENO (*)

No interior de um trem, em imagens trepidantes de gravação caseira, a mulher diz ter renascido: ela vai à câmera, desliza pela mesa, cai, brinca e flerta com o companheiro. São imagens do cotidiano, do amor, de pessoas. Enquanto parecem nada fazer, tudo fazem. Elas vivem: seguem um caminho natural, enquanto o cineasta Terrence Malick tenta mostrar o quanto a vida pode ser bela, dura, e às vezes previsível. Sua mulher é a chave de Amor Pleno. Ela era também a chave de A Árvore da Vida: a mãe que traz para si o espírito, a paixão do filho, o contraponto ao pai bruto. Malick é um sábio: consegue converter Olga Kurylenko em uma mulher completa (ou quase) enquanto esculpe Ben Affleck como uma personagem de cinema mudo. Ele não precisa falar. Move-se. É duro, um homem de botas sujas, um homem que poderia deixar uma mulher à beira da estrada ao descobrir a traição dela. E deixará. Amor Pleno, fácil definir, é sobre o amor. Malick vai além: é sobre os desdobramentos do amor e a impressão de que nada, nesse mundo doente, pode ser pleno. O título nacional, assim, joga um pouco a favor do otimismo. A eternidade tem a ver com o espírito, com o sobrenatural, mas algo prende as personagens à materialidade. A mulher, Marina (Kurylenko), ama Neil (Affleck). Eles estão em viagem por terras distantes: aparentemente comuns a ela e estranhas a ele. Ela tem uma filha e já foi casada. O homem desapareceu como poeira no vento. A certa altura, Neil convida a mulher e a filha para seguirem aos Estados Unidos, à terra das oportunidades. Há sempre uma barreira. Também uma forma a sobrepor outra: a água que invade lentamente o campo da areia, as folhas secas e mortas que caem sobre a grama verde, o avião que corta o céu e deixa sua marca, a máquina que perfura o chão. Em jogo estão as questões da terra, questões materiais. Não custa muito lembrar a obra-prima de Malick, Cinzas no Paraíso, em que uma nuvem de gafanhotos destrói tudo ao fim, dando cabo de certo sonho humano. Ao mesmo tempo bíblico e material. O problema da terra, em Amor Pleno, tem a ver com o homem, e está de passagem. Em determinado ponto, descobre-se a contaminação da água – por consequência, da vida. O relacionamento de Marina e Neil, em paralelo, não anda bem: o visto dela vence e, em um táxi, simplesmente vai embora. Como poeira no vento. O que Malick traduz, ainda de maneira mais evidente que em A Árvore da Vida, é a fragilidade, a facilidade em se quebrar, em se sobrepor a algo, em se deixar levar às vezes pelo inexplicável. Ao mesmo tempo fortes, as personagens estão em dúvida: flutuam em sonho, nunca prontas para o mundo verdadeiro. A fotografia é do ótimo Emmanuel Lubezki, o mesmo de A Árvore da Vida. Pelas questões visuais, pelo rigor com o qual Malick tudo trata, é como se executasse, consciente, uma continuação de sua obra anterior. A origem da vida e o lugar de cada um no mundo ficaram para trás: suas personagens recaem agora ao amor, não apenas ao próximo, mas também a Deus. Brota disso o questionamento: pode ser eterno? Há um padre em dúvida, vivido por Javier Bardem. Na prisão, ele leva a comunhão aos detentos pelo pequeno vão da porta metálica. Ele – como as outras personagens de Malick – caminha sem caminho: pela rua, à sombra, embaixo das árvores, à porta de uma pessoa, falando com os outros sem falar muito, melancólico. As criações humanas de Malick parecem se repetir: delas, a vida surge de outra forma, como se mostrassem, em pele, o espírito. Isso é possível a partir de sua direção, na busca por belas imagens, às vezes nos mesmo locais em que esteve, antes, em A Árvore da Vida. Alguns momentos se repetem, até mesmo os enquadramentos. A vida se define às vezes pelo ciclo, pela repetição: eles conhecem-se, amam-se, casam-se, têm filhos. Não há muito a fazer senão crer na eternidade. É uma esperança, um remédio. (*) EUGENIO SANTANA é escritor, jornalista, ensaísta, redator publicitário e palestrante motivacional. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL) e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana9@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

quarta-feira, 16 de maio de 2018

RELAÇÕES VIRTUAIS (*)

Por que nos defendemos tanto da realidade, do olho no olho, das conversas (difíceis, sim, mas absolutamente necessárias)? Por que preferimos a fantasia e a distância a ter de nos mostrar, falar de nossos medos e desejos para a pessoa que dorme ao nosso lado? Creio que mais do que rotularmos como traidor aquele que mantém relações virtuais, ou traído por descobrir tal rota de fuga do parceiro, conseguiríamos respostas e resultados muito melhores se nos dispuséssemos a olhar para o que realmente está acontecendo em nossa relação real, no dia-a-dia, na comodidade da rotina, na desculpa da falta de tempo... Passamos horas e horas, madrugadas inteiras diante do computador, mas algo terrível acontece que não conseguimos dispor de meia hora para acariciar o outro e tentar iniciar uma conversa amigável e agradável... Definitivamente, uma verdade terei de admitir: é infinitamente mais fácil alimentar uma relação sem cheiro, sem toque, sem alteração de humor, sem a cobrança da presença, do olhar, da palavra embalada pelo tom, do que nos dispor a recomeçar, a fazer uma terapia, a rever nossos próprios atos e a perceber que também temos errado continuamente. Mas fica a questão: as relações virtuais são realmente capazes de nos preencher ou são, sobretudo, a sentença de nossa covardia diante da relação que temos vivido, não gostado, mas que não fazemos nada para mudar?!? Se você mantém uma relação virtual, sugiro que você ao menos desligue o computador por uma noite e olhe para a sua realidade. Sente-se na cama, segure a mão desta pessoa que dorme com você e atreva-se a dizer: o que é que tem acontecido com o amor da gente?!? Por onde ele anda? Será que conseguimos trazê-lo de volta, considerando tudo o que já vivemos, já construímos e o tanto que desejamos ser felizes?!? E se você descobriu que a pessoa amada mantém relações virtuais, sugiro que você apazigúe seu ego e deixe seu coração falar... Aproxime-se e arrisque uma declaração verdadeira e não uma pedrada. Talvez uma confissão: tenho sentido tanto a sua falta, ultimamente. Gostaria de ao menos poder conversar, saber o que anda acontecendo na sua vida. Talvez, assim, possamos resgatar o amor que já foi tão grande e tão forte entre nós... Cara!!! Vou te dizer! Eu sei que é muito difícil fazer isso!!! Mas você tem duas opções: ou toma uma atitude para tentar salvar a sua relação real... ou afoga-se na ilusão depressiva de que alguém que você nunca viu possa te amar mais do que esta pessoa que está ao seu lado... Porque o fato é que ninguém existe sem ser tocado, sem ser visto, sem ser compartilhado... e isso é absolutamente impossível no mundo virtual. Relações virtuais podem ser uma ótima medida paliativa, mas jamais será o que o seu coração realmente deseja! (*) Eugenio Santana – Jornalista, escritor, publicitário, ensaísta, biógrafo, relações públicas, assessor de comunicação e palestrante motivacional. Nove livros publicados. 41 - 99547-0100 (WhatsApp). Atualmente, radicado em Curitiba, PR.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

A INSACIÁVEL FOME DO AMOR...

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos. O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina. O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos. Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina. O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome. O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome. O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel. O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso. O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala. O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte. (copydesk/fragment by ES - Guardião da Palavra)

sábado, 5 de maio de 2018

O FATOR EDIPIANO: RELACIONAMENTO ÍNTIMO COM A MÃE (*)

Segundo o mestre da psicanálise, Sigmund Freud, o período característico da luta edipiana costuma ser localizado entre os três e os seis anos de idade. Desde seu nascimento, o bebê mantém um relacionamento extremamente íntimo com sua mãe. Depende dela para tudo e, inicialmente, tende a encará-la como uma espécie de prolongamento de suas próprias necessidades. Aos poucos, contudo, aprende a vê-la como uma pessoa separada dele. Separada e diferente: ela não tem pênis; e papai tem. Entre os dois anos e meio e os três seu interesse pelo próprio pênis aumenta consideravelmente. Tornam-se comuns as observações orgulhosas do tipo “olha o meu pintinho, como é grande”. A masturbação é muito comum nessa fase, produzindo prazer e excitação evidentes. O menino continua muito apegado à mãe e, com o começo da fase edipiana, seu afeto expande-se num amor intenso e apaixonado, que inclui sensações centralizadas nos órgãos sexuais. Provavelmente, não tem uma ideia muito clara sobre o aspecto sexual do relacionamento entre seus pais, mas sente que existe entre os dois um segredo perturbador. E relaciona esse segredo, do qual é excluído, com sua excitação genital. Tem grande curiosidade a respeito da origem dos bebês – de onde vêm, como chegam ao mundo. Talvez faça centenas de perguntas concernentes ao assunto, sem que as respostas o satisfaçam inteiramente, pois é incapaz de expressar suas dúvidas sobre os problemas que realmente o preocupam. O amor do menino pela mãe, nessa fase, é extremamente exclusivista. Ele quer afastar todos os “rivais”, ou seja, os irmãos e o pai. Este, devido ao seu relacionamento especial com a mãe, concentra o ciúme e os impulsos agressivos da criança. Contudo, sua raiva entra em conflito com os sentimentos de amor e admiração que ela nutre pelo pai. Também teme que seus impulsos violentos provoquem represálias. O fato de relacionar a excitação genital com o intenso sentimento possessivo dirigido à mãe faz com que o menino atribua a essa excitação qualquer ameaça de represália por parte do pai. Via de consequência, ele teme perder o seu precioso pênis. Já observou que certas pessoas não têm pênis – a mãe e as meninas – e isto o convence de que pode perder o seu. Quanto mais intensa for sua paixão pela mãe, e os sentimentos de hostilidade pelo pai, tanto maior e mais real será seu medo de castração. Projeta sobre o pai os próprios desejos destrutivos, e se convence de que tem bons motivos para odiá-lo. (*) por EUGENIO SANTANA, Jornalista, Escritor, Ensaísta, Relações públicas, Publicitário e Analista de Marketing digital. Pertence à Academia de Letras de Uruguaiana-RS, UBE-GO/SC - União Brasileira de Escritores. Autor de nove livros publicados. Coordenador executivo da Sampa Publicidade Editora. E-mail: autoreugeniosantana9@gmail.com - WhatsApp: (41) 99547-0100

domingo, 29 de abril de 2018

SABEDORIA: CAPACIDADE DE SABOREAR O MUNDO (*)

Conheço muitos testes de inteligência. Não conheço nenhum teste de sabedoria. É fundamental saber a diferença entre essas duas, inteligência e sabedoria, frequentemente confundidas. A inteligência é a nossa capacidade de conhecer e dominar o mundo. Ela tem a ver com o poder. A sabedoria é o êxtase de saborear o mundo. Ela tem a ver com a felicidade. As escolas se dedicam a desenvolver e avaliar a inteligência. Para isso desenvolveram testes. Os testes avaliam a inteligência dos alunos por meio de números. Mas elas nada sabem sobre a sabedoria, e nem elaboram testes para avaliá-la. Nas escolas e universidades, muitos idiotas são aprovados. A inteligência é muito importante. Ela nos dá os “meios para viver”. Mas somente a sabedoria é capaz de nos dar “razões para viver”. Muitas pessoas se suicidam porque, tendo todos os “meios para viver”, não tinham as “razões para viver”. Proponho-lhe um teste de sabedoria. Ele é muito simples. O seu aniversário está chegando. Você já não é mais jovem. O espelho lhe revela coisas que você não gostaria de saber. Diante de sua imagem no espelho existe sempre o perigo de que uma magia perversa aconteça, e você seja repentinamente transformado em bruxa ou ogro – tal como aconteceu com a madrasta de Branca de Neve. Em desespero, você invoca os deuses. Eles vêm em seu auxílio e lhe dizem que atenderão a um desejo seu, a um único desejo. Que súplica você lhes faria? Digo-lhe que essa seria a hora da pureza de coração, quando todos os supérfluos têm de ser deixados de lado. “Pureza de coração” – assim disse Kierkegaard, meu querido filósofo solitário, companheiro já morto; por vezes os mortos são companhia melhor que os vivos, porque falam menos e ouvem mais – pureza de coração, ele disse, “é desejar uma só coisa”. Digo que isso é sabedoria, mas pode parecer mais coisa de neurótico obsessivo, ficar querendo uma coisa só, o tempo todo. Você entenderá o que digo se você prestar atenção no voo dos pássaros. E, para ajudá-lo nesse dever de casa, transcrevo o que Camus pensou, ao observá-los. “Se durante o dia o voo dos pássaros parece sempre sem destino, à noite, dir-se-ia reencontrar sempre uma finalidade. Voam para alguma coisa. Assim talvez, na noite da vida...” O texto termina assim, com essas reticências que, segundo Mario Quintana, são o caminho que o pensamento deve continuar a seguir. Assim é o coração. Há momentos na vida em que ele é como o voo dos pássaros durante o dia: oscila em todas as direções, sem saber direito o que quer, ao sabor das dez mil coisas que o fascinam, tão desejáveis, cada uma delas uma taça de êxtase supremo. Chega um momento, entretanto, em que é necessário escolher uma direção – é preciso descobrir aquela palavra, aquela única palavra que dá nome ao nosso sofrimento, que nomeia a nossa nostalgia, para que saibamos para onde ir. Há um ditado que diz que a melhor comida é angu com fome. Que adianta o bufê servido com dez mil pratos se o corpo não deseja nenhum? Mas se existe a fome, feijão com arroz é uma alegria incontida. Felizes os que têm fome... Os poetas rezam sempre. Rezam porque a poesia é coisa que se escreve diante do vazio, mínima refeição de palavras para matar uma fome que não pode ser matada: A fome de viver. Os poetas sabem que é inútil que se comprem todas as coisas. Diferentemente daqueles que rezam para que Deus lhes encha a barriga, eles rezam para que nunca deixem de ter fome. Porque, se deixarem de ter fome, eles deixarão de ser poetas. Nada mais triste que um corpo sem desejo. Disso sabem muito bem os que amam. Vejam essa terrível oração de T.S. Eliot: “Salva-me, ó Deus, da dor do amor não correspondido, e da dor muito maior do amor correspondido”. (*) EUGENIO SANTANA é escritor e jornalista. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), da Associação Uruguaianense de Escritores e Editores e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana11.11@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

sábado, 28 de abril de 2018

"ORAPRONÓBIS" - DECLARAÇÃO DE AMOR À PARACATU, MG (*)

“Ser Mineiro é não dizer o que faz, nem o que vai fazer, é falar pouco e escutar muito, é ser diferente, é ter marca registrada, é ter história. Ser Mineiro é ter simplicidade e pureza, coragem e bravura, fidalguia e elegância. Ser Mineiro é ver o nascer do Sol e o brilhar da Lua, é ouvir o canto dos pássaros e o mugir do gado, é sentir o despertar do tempo e o amanhecer da vida. É cultivar as letras e as artes; é ser poeta e literato.” Surpreendentes são estes guardados raros, oriundos das asas da memória privilegiada deste autor de vasta cultura geral, o brilhante intelectual – eternamente jovem octogenário – professor Oswaldo Costa. Mesclando realidade e ficção – algo inédito e singular na literatura brasileira – o escritor constrói e estrutura um calidoscópio de personagens que sustentam a trama com instigante leveza. Intercalam-se, simultaneamente, romance, memória, ensaio e história. Ressaltamos tratar-se de um rico painel de mineiridade: usos e costumes, folclore; religiosidade e originalidade da linguagem regionalista, típica das décadas de 30, 40, 50 e 60 e a riqueza de detalhes da opulenta culinária mineira. A propósito, considero oportuno e providencial o lançamento de Orapronóbis que me fez lembrar, com imensa ternura, do livro “Grande Sertão: Veredas”, do incomparável Guimarães Rosa, publicado em abril de 1956, completando, portanto, meio século da primeira edição! Acredito, sinceramente, que dificilmente a histórica “prisioneira das distâncias” tenha sido lembrada e homenageada, com inefável carinho, da forma especial como está retratada em Orapronóbis. Ao abrirmos a “caixa preta” das 384 páginas mágicas de Orapronóbis teremos ecos e ressonâncias impressionantes, agradáveis surpresas, descobertas e revelações de alta voltagem literária, filosófica, histórica e sentimental que resgata e testemunha um tempo de bem-aventuranças... Quanto a mim, empreendi uma insólita viagem nas asas do tempo e mergulhei fundo nas águas do meu chão de infância – e metade da adolescência – ricamente vivenciados em Orapronóbis. Fiz minha autoterapia de vida passada e viajei – mineiro-menino – e ouvi muitas vozes de antanho: “caçando passarinho” nos brejos de buritis, pescando traíras nas verdes veredas de águas cristalinas, chupando – até o caroço – as mangas dulcíssimas do enorme quintal e as gabirobas e araticuns nos largos campos e cerrados da “Lagoa Torta”, fazenda de quatrocentos alqueires, que pertenceu à minha altruística e heróica tia-avó Bertholina Josefina de Sant’Anna que, posteriormente, legou – via generosa herança – aos meus pais Fabião Couto (em memória) e Adília Santana, que por lá permaneceram e laboraram entre 1972/80, até retornarem em definitivo para Goiás, especificamente para Anápolis, urbe na qual, coincidentemente, o dileto autor e prestigiado conterrâneo radicou-se em 1955. Constatei, perplexo, que a famigerada “Coluna Prestes” usava de métodos nada ortodoxos, utilizando-se, quando necessário, de extrema violência para cumprir seus “objetivos comunistas”, tendo espalhado o terror em sua efêmera e desastrosa passagem por Paracatu, deixando marcas profundas e traumáticas na índole e na alma pacífica e acolhedora dos paracatuenses. E para minha surpresa maior, fiquei sabendo que o Toco do Pecado – cantado em verso e prosa – instalado frente à Igreja Matriz de Santo Antônio – verdadeiro tribunal de notícias, jornal verbal ou cultura oral? (sic) – já existia desde a década de 40. Incrível! Meu tio – o mais loquaz e verborrágico - Francisco de Assis Santana, participava ativamente das “rodadas de negociações” e batia “seu ponto”, com inegável assiduidade, no banco da fofoca, por volta de 1960/1980. A simples menção das fazendas tocaram-me a alma, a mente e o coração. Algumas conheci e usufrui; outras só mesmo através do comentário de parentes fazendeiros. Ei-las: Santa Maria, Vera Cruz, Bom Sucesso, Alegria, Mundo Novo, Chapada, Água Fria, Aldeia de Cima, Poções, Quebra-Eixo, Palmital e a inesquecível Lagoa Torta... Nostálgicas saudades! Não tenho dúvida em relação ao êxtase cósmico experimentado pelas almas-alada de alguns personagens – fictícios ou não – tais como: Sô Homero (alter ego do coronel Chico Pinheiro), Tia Teca, o genial professor Josino Neiva, Emídio (o farmacêutico), o romântico, corajoso e habilidoso vaqueiro Urias (que lembra, de certa forma, o meu pai), Nora, Nezinho (que fim trágico!), Tim Jordão, Zabé, Lázaro, Vicente, Otílio, Zé da Anta (meu vovô Zé Santana), Chico Cabaú que muito alegrou a minha infância no bairro Bela Vista; bem como o Padre Joca – que nasceu em Pirenópolis: cidade goiana que me faz recordar a nossa Paracatu do príncipe -, aonde quer que se encontrem: orai, por nós! Contritos e genuflexos e sob a Luz do Altíssimo, todos eles te agradecem, ilustre escritor Oswaldo Costa, pelo legado desta sua magnífica obra! E qual é a missão do escritor, meu caro professor Oswaldo? Respondo com o verbo emprestado da notável Lygia Fagundes Teles: “a função do escritor? Ser testemunha do seu tempo e da sua sociedade. Escrever por aqueles que não podem escrever. Falar por aqueles que muitas vezes esperam ouvir da nossa boca a palavra que gostaria de dizer. Comunicar-se com o próximo e se possível, mesmo por meio de soluções ambíguas, ajudá-lo no seu sofrimento e na sua esperança”. Que as bibliotecas brasileiras, especialmente mineiras, goianas, gaúchas e cariocas providenciem – com a máxima brevidade – a inserção de um exemplar deste valioso livro, catalogando-o em todas as Estantes de seus respectivos acervos. Ora pro nobis, Paracatu! Assim seja! (*) EUGENIO SANTANA é escritor e jornalista. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), da Associação Uruguaianense de Escritores e Editores e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana11.11@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100

sexta-feira, 27 de abril de 2018

A OBRA-PRIMA DE CADA UM (*)

Toda escultura nasceu de uma matéria bruta, até ter sua essência revelada. O que é um ser humano, senão matéria bruta a ser esculpida? Passamos a vida tentando nos livrar dos excessos que escondem o que temos de mais bonito. Fico me perguntando quem seria nosso escultor. Um grupo vai reivindicar que é DEUS, mas por mais que ELE ande com a reputação em alta, discordo. Tampouco creio que seja pai e mãe (ambos já se foram, vale salientar), apesar da bela mãozinha que eles dão ao escultor principal; o tempo, é óbvio. Pai e mãe começam o trabalho, mas é o tempo que nos esculpe, e ele não tem pressa alguma em terminar o serviço, até porque sabe que todo ser humano é uma sinfonia inacabada. Levamos décadas até chegarmos a um rascunho bem-acabado de nós mesmos, que é o máximo que podemos almejar. Quando jovens, temos a arrogância e a prepotência de achar que sabemos muito, e, no entanto, é justamente esse “muito” que precisa ser desbastado pelo tempo até que se chegue no cerne, na parte mais central da nossa identidade, naquilo que fundamentalmente nos caracteriza. Amadurecer é passar por esse refinamento, deixando para trás o que for gordura, o que for pastoso, o que for desnecessário, tudo aquilo que pesa e aprisiona, a matéria inútil que impede a visão do essencial, que camufla a nossa verdade. O que o tempo garimpa em nós? O verdadeiro sentido da nossa vida. O tempo, escultor de todos nós, age da mesma forma: de uma hora para a outra, dá seu trabalho por encerrado. Mas enquanto ele ainda está a nosso serviço, que o ajudemos na missão de deixar de lado os nossos excessos de vaidade, de narcisismo, de futilidade. Que finalmente possamos expor o que há de mais precioso em você, em mim, em qualquer pessoa: nosso afeto e generosidade. Essa é a obra-prima de cada um, extraída em meio ao entulho que nos cerca. (*) EUGENIO SANTANA é escritor e jornalista. Nove livros publicados. Membro da Academia Cachoeirense de Letras (ACL), da Associação Uruguaianense de Escritores e Editores e do Centro Cultural, Literário e Artístico de Portugal; sócio da ACI - Associação Catarinense de Imprensa e da UBE/SC - União Brasileira de Escritores. email: autoreugeniosantana11.11@gmail.com e WhatsApp (41) 99547-0100